segunda-feira, 28 de outubro de 2013


 

HERANÇAS PETURBADORAS

A indiferença moral por tudo quanto se recebe da vida, dos missionários do passado que contribuíram para os valiosos tesouros que hoje são utilizados em forma de longevidade, conforto, saúde, ciência e tecnologia, repouso e conveniências agradáveis, responde pela ingratidão.
O ser ingrato é responsável por dissabores e desencantos que afetam o núcleo e o reduto social onde se encontra em ação.

Se a claridade é benção que facilita as realizações, a treva é geradora de dificuldades para as mesmas atividades.
Assim é o ingrato, que respira prepotência e soberba, na sua tormentosa condição de explorador do esforço alheio.

Um motorista de taxi percebeu que, ao deixar um cliente no aeroporto, este esqueceu-se de carregar a pasta que ficou no banco traseiro. Preocupado, o modesto servidor teteve-se no retorno à cidade, parou o carro, examinou a pasta e encontrou-a abarrotada de documentos e de valores amoedados. Receando o desastre para o desconhecido, fez a volta, acelerado, estacionou o veículo, correu ao terminal, recordando-se vagamente da companhia que o cavalheiro indicara, à porta da qual deveria estacionar, correu na sua direção.
Com rara felicidade, encontrou o proprietário do valioso objeto que acabara de fazer o cheque-in  e parecia procurar a pasta  entre as duas sacolas de compras que carregava nas mãos.

Sorridente, acercou-se-lhe e entregou-lhe a maleta com todos os seus bens.
É certo que não esperava nenhuma retribuição. Estava feliz pela oportunidade de fazer  o bem. No entanto, o passageiro, agressivo e insensível, olhou-o com certo espanto, como se houvesse suspeitado que fora ele quem retivera o seu volume, e não lhe disse uma palavra sequer, saindo com velocidade na direção da sala de embarque...

O motorista experimentou um frio percorrer-lhe a espinha e uma estranha sensação de angustia.
Meneou a cabeça, aturdiu-se, e tomou o carro em direção à cidade.

No mesmo momento em que dava a partida, outro passageiro sinalizou-lhe que necessitava do veículo, ele se deteve e o estranho adentrou-se.
Pediu o endereço e partiu.

Estava atordoado e, de quando em quando, como se estivesse num monólogo pesado, meneava a cabeça.
O passageiro perguntou-lhe o que se estava passando.

Necessitado de uma catarse, ele narrou a ocorrência, acrescentando: - Nunca mais eu devolverei qualquer coisa que fique no meu carro por esquecimento de quem quer que seja. E porque sou honesto, não ficaria para mim, mas preferirei atirar no lixo do que voltar para entregar.
E arrematou:

- Eu não desejava nada, nem sequer o reembolso da despesa que me custou para lhe fazer a devolução. Tudo seria para ele somente prejuízo, porque ele nunca saberia onde procurar o seu volume, desde que sequer anotou o numero da placa do meu carro...
Fez uma pausa e concluiu:

- O pior foi seu olhar severo de dignidade ferida, como a dizer que eu fora o responsável pelo seu esquecimento, que lhe furtara a maleta,..
A gratidão é combustível para a claridade da vida, assim como a cera para o pavio de vela manter-se aceso. A ingratidão é bafio pestilento que contamina os outros com os seus miasmas e pode torna-los semelhantes.

Por que alguém se atribui tanto mérito que sequer lhe ocorre algumas palavras de reconhecimento pelo que recebe? Onde está a sua superioridade que exige sejam os outros que se disponham sempre a servi-lo?
A ingratidão é síndrome de atraso moral e de perturbação emocional que infelizmente sempre grassou na sociedade de todos os tempos,.

Herança perturbadora, que procede dos atavismos iniciais do processo evolutivo, mantém o indivíduo no estagio de predador, e está demonstrado que o ser humano é o maior dentre todos os outros, causando sempre prejuízos à natureza, à comunidade, à família e a si próprio...
Esse patrimônio infeliz faz parte do conjunto de outros vícios morais e espirituais que fixam as suas vítimas no atraso social. Sombra perversa, prejudica o discernimento do self, demonstrando o estágio ancestral em que o individuo se detém. Ei-lo em pessoas que são muito simpáticas em relação aos estranhos, exclusivamente com o fim de os conquistar, enquanto são grosseiras com aqueles com os quais convivem, que as ajudam em silencio e dignidade, e que os detestam, porque lhes reconhecem a superioridade, a ingratidão é descendente da inveja mórbida que não consegue perdoar quem se lhe apresenta com recursos superiores aos que porta. É rude de propósito, porque não podendo igualar-se, gera perturbação e desconfiança a fim de atrair para baixo quem se lhe encontra em situação melhor.

Egotista, o ingrato somente sorrir quando pretende lucro e unicamente demonstra gentileza quando espera projeção do ego.
Sob o ponto de vista psicológico, a ingratidão é síndrome de insegurança e de graves conflitos íntimos que aprisionam o ser atormentado.

A gratidão deve ser treinada, a fim de poder ser vivenciada.
Como as heranças perturbadoras predominam nos comportamentos humanos, pela duração do período em que se estabeleceram, é necessário que novos hábitos sejam fixados, substituindo aqueles negativos, até poderem transformar-se em condutas naturais .

A convivência social torna-se, não poucas vezes, muito difícil, exatamente por causa dessas heranças perversas do ego, que recalcitra em abandoná-las, comprazendo-se na censura, quando podia educar, na acusação, quando seria melhor socorrer, na maledicência, quando se torna perfeitamente viável a referencia enobrecida, desculpando os acidentes morais do próximo.
O ser humano está em constante evolução como tudo no planeta, melhor dizendo, no universo.

Não existe uma lei de estancamento, pois que esta conspiraria com o fatalismo da evolução e do processo ininterruptos.
Tudo evolui, passando por inúmeras etapas do programa de crescimento.

Sob o ponto de vista moral, esse mecanismo proporciona, sempre conquistas novas, enriquecimento interior se o indivíduo lúcido para o registro de cada etapa, para a alegria e gratidão pelos novos passos que mais o aproximam da meta proposta, que almeja alcançar.
Transformar, portanto, essas heranças doentias em experiências renovadoras é uma das metas a que se deve dedicar todo aquele que aspira ao bem, ao belo, a amor, à vida...

Final do texto, porém o cap.9,  A PSICOLOGIA DA DIGNIDADE, continuará na próxima postagem. Postado dia 28/10/13.

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