HERANÇAS
PETURBADORAS
A indiferença moral por tudo
quanto se recebe da vida, dos missionários do passado que contribuíram para os
valiosos tesouros que hoje são utilizados em forma de longevidade, conforto,
saúde, ciência e tecnologia, repouso e conveniências agradáveis, responde pela
ingratidão.
O ser ingrato é responsável
por dissabores e desencantos que afetam o núcleo e o reduto social onde se
encontra em ação.
Se a claridade é benção que
facilita as realizações, a treva é geradora de dificuldades para as mesmas
atividades.
Assim é o ingrato, que
respira prepotência e soberba, na sua tormentosa condição de explorador do
esforço alheio.
Um motorista de taxi
percebeu que, ao deixar um cliente no aeroporto, este esqueceu-se de carregar a
pasta que ficou no banco traseiro. Preocupado, o modesto servidor teteve-se no
retorno à cidade, parou o carro, examinou a pasta e encontrou-a abarrotada de
documentos e de valores amoedados. Receando o desastre para o desconhecido, fez
a volta, acelerado, estacionou o veículo, correu ao terminal, recordando-se
vagamente da companhia que o cavalheiro indicara, à porta da qual deveria
estacionar, correu na sua direção.
Com rara felicidade, encontrou
o proprietário do valioso objeto que acabara de fazer o cheque-in e parecia procurar
a pasta entre as duas sacolas de compras
que carregava nas mãos.
Sorridente, acercou-se-lhe e
entregou-lhe a maleta com todos os seus bens.
É certo que não esperava
nenhuma retribuição. Estava feliz pela oportunidade de fazer o bem. No entanto, o passageiro, agressivo e
insensível, olhou-o com certo espanto, como se houvesse suspeitado que fora ele
quem retivera o seu volume, e não lhe disse uma palavra sequer, saindo com
velocidade na direção da sala de embarque...
O motorista experimentou um frio
percorrer-lhe a espinha e uma estranha sensação de angustia.
Meneou a cabeça, aturdiu-se,
e tomou o carro em direção à cidade.
No mesmo momento em que dava
a partida, outro passageiro sinalizou-lhe que necessitava do veículo, ele se
deteve e o estranho adentrou-se.
Pediu o endereço e partiu.
Estava atordoado e, de
quando em quando, como se estivesse num monólogo pesado, meneava a cabeça.
O passageiro perguntou-lhe o
que se estava passando.
Necessitado de uma catarse,
ele narrou a ocorrência, acrescentando: - Nunca mais eu devolverei qualquer
coisa que fique no meu carro por esquecimento de quem quer que seja. E porque
sou honesto, não ficaria para mim, mas preferirei atirar no lixo do que voltar
para entregar.
E arrematou:
- Eu não desejava nada, nem
sequer o reembolso da despesa que me custou para lhe fazer a devolução. Tudo
seria para ele somente prejuízo, porque ele nunca saberia onde procurar o seu
volume, desde que sequer anotou o numero da placa do meu carro...
Fez uma pausa e concluiu:
- O pior foi seu olhar
severo de dignidade ferida, como a dizer que eu fora o responsável pelo seu
esquecimento, que lhe furtara a maleta,..
A gratidão é combustível
para a claridade da vida, assim como a cera para o pavio de vela manter-se
aceso. A ingratidão é bafio pestilento que contamina os outros com os seus
miasmas e pode torna-los semelhantes.
Por que alguém se atribui
tanto mérito que sequer lhe ocorre algumas palavras de reconhecimento pelo que
recebe? Onde está a sua superioridade que exige sejam os outros que se
disponham sempre a servi-lo?
A ingratidão é síndrome de
atraso moral e de perturbação emocional que infelizmente sempre grassou na
sociedade de todos os tempos,.
Herança perturbadora, que
procede dos atavismos iniciais do processo evolutivo, mantém o indivíduo no
estagio de predador, e está demonstrado que o ser humano é o maior dentre todos
os outros, causando sempre prejuízos à natureza, à comunidade, à família e a si
próprio...
Esse patrimônio infeliz faz
parte do conjunto de outros vícios morais e espirituais que fixam as suas
vítimas no atraso social. Sombra perversa, prejudica o discernimento do self, demonstrando o estágio ancestral
em que o individuo se detém. Ei-lo em pessoas que são muito simpáticas em
relação aos estranhos, exclusivamente com o fim de os conquistar, enquanto são
grosseiras com aqueles com os quais convivem, que as ajudam em silencio e
dignidade, e que os detestam, porque lhes reconhecem a superioridade, a
ingratidão é descendente da inveja mórbida que não consegue perdoar quem se lhe apresenta com
recursos superiores aos que porta. É rude de propósito, porque não podendo
igualar-se, gera perturbação e desconfiança a fim de atrair para baixo quem se
lhe encontra em situação melhor.
Egotista, o ingrato somente
sorrir quando pretende lucro e unicamente demonstra gentileza quando espera
projeção do ego.
Sob o ponto de vista
psicológico, a ingratidão é síndrome de insegurança e de graves conflitos
íntimos que aprisionam o ser atormentado.
A gratidão deve ser
treinada, a fim de poder ser vivenciada.
Como as heranças
perturbadoras predominam nos comportamentos humanos, pela duração do período em
que se estabeleceram, é necessário que novos hábitos sejam fixados,
substituindo aqueles negativos, até poderem transformar-se em condutas naturais
.
A convivência social
torna-se, não poucas vezes, muito difícil, exatamente por causa dessas heranças
perversas do ego, que recalcitra em abandoná-las, comprazendo-se na censura,
quando podia educar, na acusação, quando seria melhor socorrer, na maledicência,
quando se torna perfeitamente viável a referencia enobrecida, desculpando os
acidentes morais do próximo.
O ser humano está em
constante evolução como tudo no planeta, melhor dizendo, no universo.
Não existe uma lei de
estancamento, pois que esta conspiraria com o fatalismo da evolução e do
processo ininterruptos.
Tudo evolui, passando por
inúmeras etapas do programa de crescimento.
Sob o ponto de vista moral,
esse mecanismo proporciona, sempre conquistas novas, enriquecimento interior se
o indivíduo lúcido para o registro de cada etapa, para a alegria e gratidão
pelos novos passos que mais o aproximam da meta proposta, que almeja alcançar.
Transformar, portanto, essas
heranças doentias em experiências renovadoras é uma das metas a que se deve dedicar
todo aquele que aspira ao bem, ao belo, a amor, à vida...
Final do texto, porém o
cap.9, A PSICOLOGIA DA DIGNIDADE, continuará
na próxima postagem. Postado dia 28/10/13.
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