quarta-feira, 23 de outubro de 2013


 

A GRANDE CRISE EXISTENCIAL

 

Embora os conflitos que a fé religiosa produziu em muitas vidas, no passado, especialmente nos já longínquos dias da idade média, nos quais prevaleciam a ignorância, o temor e o absolutismo do poder clerical, o arquétipo espiritual tem sido uma necessidade para o desenvolvimento psicológico do ser. Lamentavelmente, personalidades psicopatas, na sua grande maioria, temerosas da vida e portadoras de conflitos refugiam-se nas doutrinas religiosas, como noutras áreas da sociedade, mas especialmente nas primeiras, ocultando os seus dramas e medos, ao tempo que, em nome da salvação, castram os valores intelectuais e a sensibilidade dos crentes, submetendo-os aos seus caprichos e insânia.  

Proíbem-lhe tudo quanto pode proporcionar-lhe alegria de viver, liberdade de pensamento, ampliação do sentido da vida, exaltando a experiência humana, porque se encontram conturbados e invejam os saudáveis. Condenam tudo quanto lhes constitui sofrimento, pela covardia que os caracteriza em relação ao autoenfrentamento, preferindo a sombra à plenitude do Self. 

Toda religião, no seu significado profundo, objetiva religar a criatura ao seu Criador, o que representaria estabelecer o eixo pleno ego-Self, o ser aparente com o real, proporcionando-lhe condições de saúde e de paz. 

Ao invés disso, as mentes atormentadas e mal desenvolvidas, os Espíritos angustiados, autosupliciando-se, como se os seus corpos fossem os responsáveis pelos pensamentos e conflitos resultantes da fissão da psique no anjo  e no demônio, com predominância desse último, em face das tendências tormentosas não vencidas, evitavam o mundo e o odiavam em conduta masoquista. 

É natural que o desenvolvimento da sociedade e as conquistas da inteligência, a partir do período industrial, da revolução inevitável imposta pelo progresso, voltassem-se para combater esse parasitismo emocional e retrocesso cultural, abrindo portas a novas experiências e desmistificando as informações fantasistas das condenações infernais e das punições divinas. 

Lentamente, mas com segurança, as filosofias do positivismo, do existencialismo e do niilismo encarregaram-se de apresentar o lado agradável da existência, as belezas que existem em tudo e em toda parte, as concessões formosas do prazer e do ter, as novas experiências do conhecimento, arrebatando as multidões. 

Ao mesmo tempo, a ampliação dos conceitos em torno do universo e sua incomparável grandeza, afastou os antigos fregueses das religiões dos arraiais da fé para a convivência com outro tipo de realidade que desmentia suas afirmações, agora fáceis de ser comprovadas, dando lugar ao cepticismo, à crítica mordaz dos seus textos e dogmas, bem como ao inevitável abuso defluente dos excessos. 

A hipocrisia religiosa não pode suportar a realidade dos comportamentos humanos rompendo os limites que lhes foram impostos multimilenarmente, atirando-se com sede excessiva nos usos que se transformaram em abusos de consequências igualmente danosas. 

Os avanços da ciência apoiada na tecnologia dignificou a vida, facultando uma visão otimista e encantadora da existência humana, aumentando o seu poder até chegar aos extremos de tornar-se onipotentes, de tal modo, que nada se faz sem o seu concurso, chagando-se mesmo a considerá-las os novos deuses do panteão cultural da atualidade. 

A era industrial revolucionou todos os padrões de comportamento então vigentes, e o ser humano lentamente submeteu-se às máquinas que concebeu e criou, tornando-se-lhes servos obedientes. 

A ganância de possuir mais ampliou o seu desempenho, fascinando os governos das nações poderosas que enlouqueceram pelo fascínio de mais conquistar, submetendo, lentamente, os demais povos à sua dominação arbitrária, disfarçada ou não, por meio das falsas ajudas aos países em desenvolvimento, explorando-os e escravizando-os, utilizando-se da política arbitrária e de mecanismos perversos de controle por intermédio das suas agencias de espionagem e de corrupção, atingindo culminâncias de glórias e de recursos, quais ilhas fantásticas no meio de oceanos de miséria à sua volta. De igual maneira, com habilidade e sem escrúpulo, fomentaram as guerras de extermínio, em nome de suas raças prepotentes, decantadas como superiores pela cor da epiderme, pelo sangue, pela tradição... 

O ser psicológico, porém, é livre, mesmo quando se encontra submetido a circunstancias e situações indignas e escravistas. A sombra predomina na conduta, mas o Si-mesmo permanece orquestrado pela esperança e pelas aspirações de liberdade e de triunfo.

Pode-se observar essa situação conflitiva nos campos de concentração de trabalhos forçados e de extermínio, quando judeus, colocados como kapos, para vigiarem seus irmãos de raça, apresentavam, não poucas vezes, mais crueldade do que a dos seus indignos comandantes. 

Narra-se um desses momentos, quando um kapo luta tenazmente com um pai, para que esse lhe dê o filho para ser encaminhado à câmara de gás. No esforço desenvolvido pelo genitor da vítima, esse gritou-lhe: - Você não tem filho, para ter uma ideia do que é perder-se um de forma tão malvada? E ele respondeu, trêmulo: - Sim, é claro que tenho. Por isso sou obrigado a eleger cinco crianças para a câmara, conforme solicitaram-me, ou o meu filho irá no lugar vazio... 

A sombra alucinada não tem dimensão da loucura e o ego torna-se de uma crueldade sem limite. 

Vale a pena recordar outro terrível momento de crueldade e infâmia no período em que a Polônia sofria o drama do holocausto, quando os sicários solicitaram a um rabino do gueto que selecionasse expressivo número de judeus para as câmaras de gás, e ele, ameaçado, optou pelo suicídio na difícil situação, não se tornando algoz dos seus irmãos. A outro, que o substituiu, foi feita a mesma absurda proposta, e ele viu-se na contingencia de eleger os que seriam assassinados, constatando depois que fora ludibriado pelos agentes da crueldade... 

Muito difíceis soluções em circunstancias dessa natureza, quando o Self perde a dimensão da sua espiritualidade e deixa-se dominar pelo ego da sobrevivência física ao comando da sombra e dos arquétipos da esperança, da felicidade e do significado passadas aquelas horas intermináveis... 

A perda do sentido espiritual e religioso produziu seres insensíveis, cruéis e sem nenhum compromisso com a vida e os valores transcendentais, resultando na situação deplorável da ausência de respeito por si mesmos, pelos demais e por tudo, incluindo a Natureza. 

Aqui interrompo a transcrição do texto, por ser bastante extenso, aguardem a próxima postagem, vale a pena .Postado dia 23/10/13.

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