A
coragem de prosseguir em qualquer circunstância
Comparemos
a vida humana ao leito de um rio na direção do mar. A sua nascente aparentemente
insignificante, vai formando modesto curso em volume crescente conforme recebe
a contribuição de afluentes, vencendo obstáculos, arrastando esses obstáculos, prosseguindo
em direção da fatalidade que o aguarda, que é o mar ou oceano...
As experiências da
aprendizagem que ampliam a capacidade interior do discernimento e do
conhecimento são os afluentes que contribuem com o
crescimento individual do ser humano, à medida que surgem dificuldades e
problemas que não podem parar o fluxo. A
força do seu volume, em forma de
amadurecimento psicológico, desenvolve
a capacidade de superar as dificuldades que serão encontradas pela frente.
Toda ascensão pede
sacrifícios. A queda no abismo é quase normal, em consequência
da lei da gravidade moral, já a elevação interior, a coragem de descer
ao íntimo para subir ao entendimento, é um dos desafios existenciais mais difíceis,
pelo hábito da acomodação no que já experimentou, no já conhecido, sem
aspiração que leva a quebrar a rotina e superar o entorpecimento em
que se demora.
Buscar
e preservar a saúde é meta que deve priorizar, dando sentido psicológico à vida.
As perdas trazem
a necessidade urgente do encontro pelos riscos que toda viagem heroica exige.
A estrutura moral de uma
criatura é medida não só
pelas vitórias alcançadas, mas pelo esforço
na continuação das lutas desafiadoras, ferramentas únicas responsáveis pelo
crescimento ético-moral e espiritual ao alcance da vida.
A busca do Cristo interior, nessa investida é muito
importante, sendo o esforço pela conquista da superconsciência. Quando se
consegue essa integração com o ego, alcança-se a individuação.
Por
muito tempo compreendeu-se, que a saúde seria a ausência de enfermidade, e
que os indivíduos condutores desse requisito eram mais contemplados que os outros. No entanto as
experiências mostraram através dos tempos, que a saúde não é apenas o efeito da
harmonia orgânica, da lucidez mental e da satisfação psicológica, porque outros
fatores, como os de natureza socioeconômica, também tem importante papel na sua
conquista e preservação.
Enquanto se movimenta na
argamassa celular o Espírito vai estar enfrentando as consequências das suas
realizações passadas, que lhe impõem compromissos reparadores quando se equivocou, e estímulos de crescimento quando se manteve nos padrões
do equilíbrio e do dever.
A
harmonia, que deve haver entre todos os fatores, nem sempre é percebida,
apresentando-se com variáveis de achaques, de melancolias, de estresses, todos passageiros,
que não se tornam problemas perturbadores, ou transtornos na saúde.
Pode-se
estar saudável, mas com disfunções orgânicas ou doenças em tratamento...
O
equilíbrio emocional é responsável pelo comportamento enquanto se apresentam as
alterações celulares, as transformações que ocorrem em quase todos os órgãos
como resultado do seu funcionamento, das agressões internas e externas, sem que
afetem o bem-estar geral que deve ser mantido.
Outras
vezes, instabilidades emocionais vindas de expectativas naturais do processo de
crescimento, preocupações em torno das necessidades que formam o mapa da
conduta social, aspirações idealísticas, dores morais internas, insatisfações
com alguns resultados de empreendimentos não vitoriosos, contribuem para a
ansiedade, porém sob o controle da mente administradora, que prossegue
estimulando a produção das monoaminas
(substancias bioquímicas derivadas de aminoácidos) responsáveis pela alegria,
pela felicidade: dopamina, serotonina, noradrenalina...
O
vento que vergasta o vegetal dá-lhe também resistência e vigor.
Da
mesma forma, os fenômenos, às vezes desagradáveis da jornada humana, contribuem para vitalizar
os sentimentos e fortalecer a coragem,
proporcionando valores dignificantes.
Não
há ninguém, no corpo físico, que não esteja sujeito a tropeços e quedas, assim
como, ao soerguimento e à continuação da marcha.
Mesmo
que traga preocupações e desencantos o
amor é o principal elemento vitalizador da luta evolutiva. Pela
precariedade dos sentimentos ainda não desenvolvidos, é natural que se ame buscando algum retorno. Mas o ideal
será que o amor se expresse como efeito da alegria de viver e de expandir as
emoções, as alegrias de que a pessoa se sinta possuída, por descobrir esse dom
precioso – a dracma pedida no
desconhecimento – que é mais benéfico para quem o possui.
O conceito em torno do amor, é
que ele aprisiona, reduz a capacidade de entendimento em torno dos valores da
vida, elege ídolos de pés de barro que
não suportam o peso da própria lambança e arrebentam-se, destruindo o herói. O medo de amar ainda aprisiona
muitas mentes e corações que se emurchecem em distancia, fugindo desse impulso
de vida que é vida.
No
entanto, somente através do amor, e a serviço dele, é que se estruturam os
ideais edificantes e enobrecedores da sociedade. Não é o amor que aprisiona, mas
a insegurança do indivíduo que transfere para o outro os seus medos, as suas
inquietações, as suas ansiedades, pensando tê-los resolvidos sem o esforço exigido
para tanto.
Quando
se estabelece o sentimento de amor e de amizade entre duas ou varias pessoas,
há um grande enriquecimento interior porque o ego se expande, dilui-se, e o sentimento da fraternidade solidária
alcança o Self, proporcionando o bem-estar, em que o indivíduo
sente-se realizado, operando cada vez mais em favor do grupo, sem o
esquecimento de si mesmo.
Nesse
expandir de sentimento afetivo, há valorização sem exorbitância do Si-mesmo, que passa a merecer
consideração emocional, libertando-se das traves que lhe dificultam o
desenvolvimento. Quanto mais se ama, mais se ampliam os horizontes afetivos.
A Divindade penetra a
consciência humana através do amor por meio dos seus desdobramentos
como interesse pelo próximo, pela vida, pelo labor em favor de melhores
condições para todos, incluindo o planeta no momento quase exaurindo...
Esse
Deus está além da superada manifestação antropomórfica, sendo a inteligência suprema e causa primeira do
Universo. Não precisa de qualquer tipo de culto externo, de manifestações
formais, de celebrações que deslumbram, dos comportamentos extravagantes...
Deus encontra-se na atmosfera, que é a fonte da vida, nutrindo tudo quanto
existe, mas também nos ideais, e mais além, em toda parte, nos sacrifícios, na
abnegação de santos e de mártires, de cientistas e de trabalhadores, de
intelectuais e de idiotas, em todas e qualquer expressões de vida, desde o
protoplasma até o complexo humano. É através d’Ele que se alcança o processo de
individuação.
Acredita-se
que a individuação ocorrerá apenas através dos momentos felizes, vitoriosos,
das vitórias sobre a sombra, da
autoconsciência conseguida. E é assim que ocorre, mas também, nesse processo de
individuação, surgem períodos muito difíceis, que vem das alterações orgânicas,
em face do avanço da idade, de conjunturas psicológicas, algumas afligentes, de
inquietações mentais, mas, instrumentos para o amadurecimento interior, para a
visão correta da existência, para o trabalho de autoburilamento.
A
individuação não é uma conquista fácil, tranquila, resulta de esforços
contínuos, passando, às vezes, por fazes de sacrifícios e de renuncias. Ninguém
consegue uma vida de bem- estar sem o imposto exigido em forma de contínuas
doações de dor e de coragem, enfrentando todas as situações com estoicismo, sem
queixas, porque, como quem galga uma elevação, à medida que se esforça para
consegui-lo, beneficia-se do ar puro, do melhor oxigênio.
A
individuação é o oxigênio puro da
manutenção do ser.
Podemos
comparar a conquista desse estado numinoso
a uma nova forma de religiosidade, em que se consegue a harmonia entre a vida
na Terra e no céu.
Por
não existir a psicologia analítica, a religião albergava todas as necessidades
humanas e a confissão auricular tinha
um efeito psicoterápico na liberação da culpa, mantendo irresponsável o
indivíduo, que achava fácil errar e ser
perdoado, ferir e ser desculpado, sem realizar o processo de autoiluminação.
Graças,
à visão nova de Jung, os mitos religiosos podem ser substituídos pelos
arquétipos e os conflitos, ao invés de recalcados e desculpados, devem merecer
catarse, diluição, enfrentamento e reparação dos danos que tenham causado.
São os arquivos do
inconsciente que conduzem o indivíduo e não o seu ego sujeito às alternativas dos
interesses imediatos.
Nesse arquivo grandioso do
Espírito, o ego pode e
deve manter diálogos com o Self para
tomar conhecimento lúcido dos seus conteúdos e melhor conduzir os equipamentos que
dispõe na sua proposta de vida.
É
identificando o erro que se aprende a melhor maneira de não o repetir. O que chamamos
erro, no entanto, é uma experiência incorreta, aquela que ensina a como não
mais fazer nos seus parâmetros, terminando por ser importante contribuição para
a evolução.
O
ser humano, é maior do que as expressões exteriores, os êxitos momentâneos, constituindo-se de toda a sua história que
registra insucessos e vitórias, tristezas e alegrias, produzindo-lhe o
equilíbrio que o segura e mantem no rumo certo.
O pastor que resgata a ovelha perdida
torna-se mais vigilante em relação à mesma, assim como às demais,
evitando-se excesso de confiança, porque, à medida que o rebanho avança,
existem desvios e abismos perigosos...
Ante a ovelha que foge, a atitude do pastor é o socorro maternal, embora, às vezes, o animal rebelde
liberta-se dos braços protetores e novamente desaparece, optando pelo desvão em
que se oculta... Nessa situação, em seu benefício, o pegureiro assume o seu animus e, vigoroso, aplica-lhe o cajado
ou atiça-lhe o cão, encaminhando-o de volta ao aprisco.
É,
inadiável o dever de prosseguir-se no compromisso relevante sob qualquer custo,
em qualquer situação que se apresente.
A
insistência de que se dá provas, quando se escolhe a situação doentia, as
sinuosidades de comportamento sem responsabilidade, leva a consciência – o pastor vigilante – a impor sofrimentos
que se encarregam de apontar a direção correta, de encontrar-se o que se está extraviando ou foi deixado para traz...
O
ocidental acostumou-se com os limites da emoção e adaptou-se aos prazeres da
sensação de tal modo, que tudo aquilo que o convida à inversão desse
comportamento parece-lhe de difícil aplicação e, por isso, evita viver a
proposta de olhar para si mesmo, para dentro, de autopenetrar-se para descobrir
os tesouros da alegria íntima, da vivência elevada, sem cansaço, sem ansiedades
nem expectativas. Esse esforço é feito quando não tem outra alternativa e sente
cansaço do conhecido gozo dos sentidos.
É preciso passar por todas
essas experiências, experimentar dificuldades e acertos, sofrer
perseguições e ser eleito, porque tudo isso faz parte da constituição
arquetípica da evolução, e ninguém pode vivenciar um estagio sem passar pelo
outro.
Essas
necessárias capacitações desenvolvem
os sentimentos, aprimoram a visão da vida, amadurecem o ser psicologicamente,
trabalhando-lhe o Self, para que os
seus valores profundos abram-se em benefício da individuação.
Normalmente
as criaturas reclamam das cruzes que carregam e as fazem sofrer, parecendo-lhes
injusto ter que as levar com dificuldades, vivendo em situações difíceis e
ásperas. De alguma forma, o conceito e peso da cruz estão muito vinculados ao
complexo da infância que se
encarregou de dar a visão do mundo. Conforme a educação recebida a criança
passa a ter conceitos da vida que são herdados dos pais. Por isso, o que para
alguns, é fardo, para outros é
aprendizado valioso.
A
pessoa deve aprender desde cedo a enfrentar os fenômenos da vida como parte do
seu programa evolutivo, o que significa
que, se dando conta da própria sombra
não a deve transferir para o outro, mas diluí-la, com a compreensão dos acontecimentos.
A sombra tem uma vestidura moral em
contínuo confronto com a personalidade-ego,
exigindo, por isso, o grande esforço da mesma grandeza moral, para
conscientizar-se, compreendendo e aceitando os fenômenos perturbadores que são
inevitáveis.
A
maioria, no entanto, não a aceita como elemento constitutivo de todos os seres,
presente em todas as vidas.
Rejeitar
ou ignorar a sombra é candidatar-se a
conflitos contínuos que poderiam ser evitados, caso reconhecesse a ocorrência
desse fenômeno próprio ao ser humano. Ela faz parte do ser, como o ego, o Self e todos os demais arquétipos, que são as heranças do largo
trânsito da evolução.
No
mito da Criação, quando Adão comeu o fruto oferecido por Eva, teve que
enfrentar a realidade da sua e da nudez em que ela se encontrava, reagindo
automaticamente, buscando um arbusto para esconder-se, quando lhe surgiu o discernimento do ético, do
bem e do mal, da malícia e do desejo, resultando nessa fissão da psique, o anjo e o demônio, cuja harmonia deve ser conseguida com o enfrentamento de
ambos, num processo psicoterapêutico de consciência lúcida.
Assim
também, a sombra que dali procedeu continua
no complexo psicológico do ser exercendo o seu papel como herança ancestral do
conflito inicial.
A inocência bíblica das duas
personagens é referencial mítico escondendo as funções edificantes da
sexualidade, que a castração religiosa considerou manifestação
da inferioridade e de tormento.
O sexo como qualquer órgão tem as suas
exigências que precisam ser atendidas com a dignidade e o respeito que lhe são
pertinentes. Quando o indivíduo se permitiu a corrupção de qualquer
natureza, também refletiu-se no
comportamento sexual, tornando-se válvula de escape para fugir da
responsabilidade moral.
Merece observação carinhosa
os desafios da sombra, a
fim de conseguir-se a sua integração no Self,
não separando mais o indivíduo do ser
divino que ele carrega no íntimo.
Texto
trabalhado a partir do livro Em Busca da Verdade pelo Espírito Joanna de
Ângelis, psicografado por Divaldo Franco. Publicado em 16/07/2015