CAIR EM SI
As
perdas
tem
uma trajetória na psique humana, desde o começo da evolução, quando ocorreu a saída do paraíso, a perda da inocência, diante das castrações culturais,
religiosas, sociais, originando a
mascara da necessidade substituída pela dissimulação, que fez surgir os primeiros
sinais de insegurança e de criança
ferida no indivíduo.
Embora reconhecendo-se
problematizado, esse indivíduo ainda hoje foge da responsabilidade do enfrentamento das culpas e desafios, transferindo-os
para os demais, que injustamente
considera-os inimigos perturbadores
da sua paz íntima. Será, que, alguém de fora, poderia mesmo criar dificuldades
ou sombrear a luz interna, a paz de cada um, trabalhada na consciência tranquila dos deveres retamente cumpridos? Certamente,
não.
É mais fácil para o ego transferir
responsabilidades do que enfrentar a
sombra (aquelas tendências,
desejos, memórias e experiências rejeitadas pelo indivíduo como incompatíveis
com a persona e contrárias aos padrões e ideais sociais, aquilo que
consideramos inferior em nossa personalidade, o que negligenciamos e nunca
desenvolvemos em nós mesmos) devastadora a que se acostumou.
O estágio da doença prolongada gera uma aceitação de
circunstância com certa dose de alegria, porque o doente não trabalha, mas dá trabalho, não se preocupa com os acontecimentos deixando que o outro assuma,
ficando em estado infantil de dependência, de lagrimas e queixas, que o satisfaz,
enquanto se aflige...
A
conscientização da culpa, e das
necessidades de serem saudáveis,
são retardadas pelos Espíritos enfermos, que se escondem nas fraquezas que
dizem ter, atribuindo aos lutadores incansáveis forças que não receberam, como
se houvesse privilégio entre as criaturas, as que recebem benefícios imerecidos
e as outras castigadas pela vida, merecedoras
de piedade e amparo.
O
desenvolvimento psicológico é contínuo, a não ser que seja
impedido pela acomodação do ego dominador.
O
Evangelho de Jesus, especialmente as parábolas de Lucas, são,
um tratado de psicoterapias espirituais, morais, sociais e libertadoras para os
indivíduos que as considerar em todos os tempos depois de escritas...
Falando
por parábolas, Jesus utilizou os mais importantes recursos orais que
existem, porque os arquétipos vividos estão em todos os indivíduos, ocultos ou
não, e em diferentes períodos, sempre se expressam com atualidade.
Na
parábola do pai misericordioso, quando o filho
ingrato vivencia miséria econômica,
moral, social pelo desprezo de que é vítima, após refletir muito sobre a
penúria em que se encontrava, caindo em si resolveu buscar o pai
que atendia aos seus empregados com nobreza, escolhendo por não ser mais aceito
como filho, por não merecer, mas como servo... E assim fez, sendo recebido, não
como empregado, mas como filho de volta ao coração afetuoso.
Foi
necessário cair em si...
Cair em si foi o despertar de Judas
ante a culpa, fugindo infelizmente pelo
suicídio, num surto de depressão...
Cair em si foi
quando Pedro conscientizou-se após as negações, redescobrindo o Amigo traído e
abandonado, oferecendo, a vida inteira, a partir dali, consciente e lúcido para
recuperar-se...
Cair em si foi a oportunidade que se deu
a mulher equivocada de Magdala, que se transformou interiormente, a ponto de ser
escolhida para ser a mensageira da ressurreição...
Cair em si deve ser o primeiro passo
a ser dado por todos os doentes da alma,
pelos que se satisfazem nos conflitos e não aceitam a saúde real, que se
debatem no sofrimento escolhendo a piedade e comiseração e não o amor e
fraternidade...
A
autoconsciência começa no cair em si,
graças ao sofrimento vivido que desperta a necessidade do encontro, do auto encontro profundo. O sofrimento consciente que permite
reflexões aponta, para a mudança de comportamento, porque expressa distonia na
organização física, emocional ou psíquica que precisa de ajustamento. Essa
experiência evolutiva leva ao encontro
com o Cristo interno, ajudando-o a
ampliar as suas infinitas possibilidades de crescimento e de libertação.
Preso no egoísmo e vitima das
paixões do passado, o homem de todos os tempos sofre a consequência da ignorância dos males que o visitam, que nele mesmo se
encontram, buscando mecanismo de fuga e justificativas que não existem,
querendo evitar o enfrentamento, a busca real e necessária do Si.
Muitos problemas emocionais presentes
na criança ferida, que se sente,
mesmo na idade adulta, desamada e injustiçada, podem ser corrigidos quando o sofrimento deixa de ser manifestação de
revolta e segue na direção da
autoconsciência, e através dela compreender os acontecimentos humanos sem
acusações nem represálias.
É possível que, os pais ou
educadores que conduziram e orientaram os primeiros passos da criança, sejam também
vítimas da mesma situação em consequência da ignorância dos seus ancestrais,
que se comportaram com impiedade ou indiferença não cumprindo os deveres e
deles exigindo em demasia. Não é justo que os mesmos sofrimentos sejam
transferidos para outra geração, nesse círculo vicioso que tem de ser
interrompido pelo despertar da
consciência.
Para que isso ocorra, é preciso
que cada um caia em si, analisando
as suas dificuldades emocionais e trabalhando-as com dedicação, para que sejam reformuladas e reverenciadas.
Outras vezes, quando a ferida é
muito profunda, torna-se necessária a psicoterapia especializada, para levar o
paciente a reviver os momentos de angustia
asfixiados pelo medo, submetidos à prepotência dos adultos, perturbando
o desenvolvimento psicológico.
Pela análise de cada sombra
dominadora, será projetada a luz do Self (O
ser espiritual, o ser real, o ser imortal)
na busca da integração, contribuindo com o amadurecimento
emocional do paciente e dando a ele oportunidades de recuperação e de alegria
de viver.
Essa psicoterapia trabalha
todos os conflitos que ditatorialmente estão governando a existência frágil quase
morta, possibilitando que, pelas associações, abram-se horizontes adormecidos e
surja o sol do bem-estar e da harmonia interior.
Não será mais preciso a fuga
infantil da lamentação nem da acusação, mas a lucidez para compreender o acontecido,
permitindo-se renovação e entusiasmo nos enfrentamentos que torna possível
descobrir a alegria.
A
tristeza que, às vezes visita a emoção do ser humano não é negativa, se surge como melancolia, por
faltar algo, por querer conseguir alguma
coisa ainda não atingida... Essa expressão
da emoção vibrante caracteriza o
bom estado de saúde mental, por ser uma fase rápida, que abre campo para
percepções dos valores mais elevados que não estão sendo considerados e logo se
transformam em recursos condutores de bem-estar.
Essa experiência deve ser rápida,
para não criar clima psicológico doentio transformando-se
em patologia. Só as pessoas normais, em
equilíbrio, vivenciam as várias emoções sendo o painel de sua realidade
emocional. Saúde e bem-estar tem bases nas várias experiências vividas pelo
individuo em equilíbrio e harmonia.
A felicidade não é como uma horizontal marcada só por alegrias e acontecimentos
bons,
que são passageiros, mas um grande labirinto, com altibaixos, sendo que a
próxima descida não deve atingir o nível de onde se começou a marchar...
Nas parábolas das perdas da
ovelha e da dracma, enfrenta-se situação delicada, que é, deixar todo o
rebanho, para ir buscar a extraviada, ou preocupar-se, apenas com a moeda que
desapareceu...
Quando acontece qualquer
problema no comportamento emocional,
como uma ovelha que se desgarra do
conjunto psicológico, é preciso trabalhar a sua falta e encontrar a melhor
solução, não que se distraia das outras faculdades, para não perder o
entusiasmo nem a alegria de viver.
As
demais ovelhas no deserto, normalmente
estão guardadas por cães pastores responsáveis por mantê-las unidas, enquanto
não chega o condutor...
É
preciso que a vigilância interior, o cão
atuante, esteja cuidando dos outros valores, para que não seja perturbada a harmonia
do conjunto, e quando encontrar o perdido,
o ser se encha de alegria, comunicando a todos, mesmo, sem palavras, a sua
alegria.
Todos
precisam experimentar uma vez ou outra, alguma perda, para valorizar melhor o que tem. Enquanto os valores estejam em
ordem, as emoções seguem o curso
harmonioso dos acontecimentos, o Self
(o ser interior) acomoda-se à sombra e às situações do momento. Um choque, um
acontecimento representativo de perda causa uma reação emocional correspondente à qualidade do perdido, possibilitando
a busca, a reconquista do que se possuía e agora se transforma num valor cuja
qualidade desconhecia, porque existia e estava à disposição.
Com
razão se diz, que só se valoriza algo quando se o perde. Embora haja exceções, mas,
ante os problemas humanos, os apegos às coisas levam o indivíduo a
desconsiderar todos os tesouros que tem e, não lhes dá o mérito devido, a
qualidade que possuem.
Uma organização física
saudável, em que os sentidos sensoriais atuam com automatismo, é importante
recurso que muitos somente consideram quando são vitimas de problema em algum
deles. Enquanto isso não ocorre, utiliza-lhe a função sem a consideração que
merece.
Acontece
o mesmo com a imagem da dracma, considerando o seu valor para a subsistência da
mulher e a manutenção da sua dignidade social.
Os
Espíritos frágeis na luta, os enfermos
emocionalmente, se deixam vencer
pela perda de muitos bens emocionais,
sem fazer o menor esforço pela sua preservação ou reconquista, deixando que o tempo resolva o
que lhes diz respeito, complicando, ainda mais, a sua saúde comportamental. A negligencia
a esse respeito é grande e, por isso, a maioria dos sofridos emocionais só busca
ajuda quando sentem a fome das algarobas duras
e raras, caindo, então em si, com
relação à situação em que se encontra. É nesse momento, que eles lembram que
tem um pai misericordioso, e só o
buscam porque precisam, já que o sentimento de amor e respeito não foi considerado.
Cair
em si, é
uma forma de conversão, de voltar-se para algo novo ou redescobrir o valor do que
possuía e desperdiçou.
Ninguém
pode assumir uma postura madura e equilibrada sem o contribuição da reflexão profunda que permite
mergulhar no Si, valorizá-lo e
entregar-se com coragem, rastreando os caminhos percorridos e retificando as
anfractuosidades que ficaram na retaguarda.
A
coragem de autodescobrir-se, identificando os erros que se permitiu, e o desejo
real por uma nova conduta permitem que o Self aceite a sombra e
integre-a harmoniosamente, permitindo-se a alegria da recuperação.
Como Psicoterapeuta incomum,
ao narrar as duas parábolas Jesus tomou por exemplo um homem
e uma mulher, colocando em igualdade psicológica o anima-us, para mostrar que as necessidades e emoções são
as mesmas, apesar da diferença de sexo.
O pastor, que sai procurando
a ovelha desgarrada, é estimulado pela sua anima, e quando a encontra, a conduz
maternalmente, com carinho ao rebanho, alegrando-se como a galinha que agasalha todos os pintainhos sob a sua segurança...
Como, a mulher que perdeu a
dracma é automaticamente comandada pelo seu animus, que
a faz varrer a casa, acende uma candeia para iluminar, busca-a afanosamente até
encontrá-la, e então, funde-se-lhe o anima-us,
e alegre, conta a todos o acontecido.
Para muitos pacientes, libido é a alma da vida, utilizando-se de toda sua força para a
autorrealização que não ocorre dessa forma. Mas quando, alguma circunstancia
gera um conflito e eles têm a impressão de que a perderam, transtornam-se e abandonam tudo pensando só na volta da sua função,
da sua aspiração preponderante...
Essa atitude parece com
a do pastor, diferindo na essência,
quando o pastor ama a todas as suas ovelhas da mesma forma, sem querer, naturalmente,
perder nenhuma.
Mas
o paciente valoriza demais, essa energia que expressa vida, fazendo um quadro
depressivo, considerando-se indigno e incapaz de viver. A busca é ansiosa e marcada
pelos sofrimentos da incerteza, enquanto o pastor estava consciente da vitória
do empreendimento.
A
vida terrena, deve ser considerada em conjunto, em totalidade, para que todos os valores que formam a sua realidade mereçam o mesmo interesse
e a mesma valorização.
Nenhuma
função é mais importante que outra, pois, na harmonia da organização
fisiológica devem prevalecer o bem-estar psicológico e a claridade mental. Por
isso, os fenômenos orgânicos ocorrem
como resultado do bem elaborado projeto psíquico responsável pela marcha
evolutiva.
Qual de vós? Perguntou
Jesus, mostrando que todos os seres humanos experimentam as mesmas angústias e
ansiedades, buscam as mesmas realizações e, quando convidados ao sofrimento,
sentem necessidade de paz e de renovação. Não importa se tem haveres ou se
vivem com carências, porque, mesmo no
desvalimento sempre se tem outros recursos emocional e moral, que lhes são muito
importantes, não abdicando, por exemplo do orgulho, da presunção, do egoísmo...
É comum encontrar-se na miséria econômica indivíduos com sentimentos de rancor
ou de mágoa, vencidos pela sombra,
que teima por preservá-los no primitivismo...
Tais
sentimentos inferiores são tesouros para
muitos afligidos, que não se incomodam de sofrer, desde que não sejam levados à
mudança interior de atitude diante da
vida. Quando tiverem outros bens, considerados de alto significado, a eles
apegando-se, tornam-se mais déspotas, vingativos e infelizes. Se perdem algo,
aturdem-se e revoltam-se, considerando-se injustiçados pela vida, até quando o
sofrimento os leva a cair em si, quando começa a sua
renovação. A partir daí, correm na busca da ovelha
ou da dracma perdidas, alegrando-se
ao reencontrá-las.
Há
muitos valores morais em jogo na vida e no seu curso, alguns quando correm
perigo fogem para o deserto ou
perdem-se na sala do próprio lar...
A
saúde real consiste no encontro e na assimilação desses bens indispensáveis à
paz interior e ao equilíbrio emocional, sem perdas, nem prejuízos gerados por
culpas ora superadas.
Nessa
circunstancia, a criança ferida que há
em cada pessoa encontra-se renovada, sem cicatrizes nem marcas dos transtornos
passados, vivenciando a individuação.
Trabalho
elaborado a partir do livro Em Busca da Verdade. Psicografado por Divaldo Franco,
pelo Espírito Joanna de Ângelis. Publicado em 12/06/2015.