O
milagre da gratidão
Cap.ll
Os sentimentos inferiores,
herança perversa do transito evolutivo do período marcado pelo instinto
dominador, são prisões sem grades que limitam o movimento emocional e
espiritual do ser, constrangendo o processo iluminativo e gerando sofrimentos.
São responsáveis pelo
ressentimento, pela raiva, pelo ciúmes que se transformam em conflitos graves
no comportamento humano. Esse ego primitivo têm obrigação consciente de eleger
o bem-estar e a saúde como diretrizes que lhe traga a harmonia, possibilitando
a identificação com as aspirações do self
em estágio superior de apercebimento da finalidade existencial. Ficando como
sombra morbosa, dando lugar à instalação de emoções também primárias, que a
razão bem dirigida deve superar.
Ressumando com frequência do
inconsciente pessoal, afastam o paciente do convívio social saudável, fazendo
que os seus relacionamentos domésticos sejam desagradáveis, de agressividade ou
de indiferença, de distanciamento ou de introspecção rancorosa.
Graças à conquista da
consciência, o ser humano, está destinado à individuação que alcançará pela
perfeita fusão do eixo ego-self, à completude, na qual retornará à unidade que
sofreu fissão durante o processo antropossociopsicológico da evolução através
das sucessivas reencarnações.
Jung disse que, a individuação
é o “processo de diferenciação que busca o desenvolvimento da personalidade
individual e da consciência do ser único, indivisível e distinto da
coletividade,” quando o self atinge a
culminância da sua realidade imortal
...
Todo esforço para combater
as imperfeições morais deve ser colocado a serviço do equilíbrio, da harmonia
emocional e psíquica.
Nessa abordagem clinica, a gratidão tem função psicoterapêutica de grande importância por entender as ocorrências
do dia a dia, mesmo as que trazem conteúdos perturbadores, não interferindo no
comportamento equilibrado, resultante da consciência de responsabilidade diante
da vida. O amadurecimento psicológico desperta a consciência para a sua
realidade transcendental, superando os impositivos imediatos dos instintos e
ampliando as percepções dos valores existenciais.
É inevitável que ocorram aflições
no transito humano, tendo-se em vista os atavismos pessoais, a convivência
social e familiar sempre desafiadora, propiciando aprimoramento dos
sentimentos, particularmente a tolerância, a compaixão, o interesse afetivo, a
solidariedade...
Normalmente acredita-se que a gratidão é um sentimento sublime que opera os milagres
do amor, diante do seu caráter retributivo. Esse conceito, no entanto,
limita-o ao reconhecimento pelo bem que
se recebe e pelo anseio de devolvê-lo. Nossa análise, é muito sutil e mais
profunda, vai além da compensação pelo que se recebe e se vivencia.
Quando alguém consegue a experiência da gratulação, mesmo de referência aos insucessos, que podem ser
considerados experiências que ensinam a
agir com responsabilidade e retidão, alcança o patamar em que deve ser vivida.
O sentido psicológico da
reencarnação é conseguir-se a transformação moral do self e a liberação dos seus conteúdos ocultos ou que se encontram
em germe, capacitando-o para os enfrentamentos com outros arquétipos
inquietadores, especialmente quando se tornam imperiosos e dominantes no
comportamento. Uma conscientização do ser que se é faculta a renovação das
forças morais para diluir a sombra e desenvolver as experiências renovadoras.
A
arte da gratidão que é a ciência da afetuosa emoção pelo
existir leva a condutas que parece paradoxal, como, no caso das aflições e dos
desaires...
Há um século e meio quase.
Santo Agostinho, Espírito, conclamava os que sofriam à coragem e à resignação,
ante as aflições, mesmo as de aparência cruel, propondo: “as provas rudes ouvi-me bem, são quase sempre indício de
um fim de sofrimento e de um aperfeiçoamento do Espírito, quando aceitas com o
pensamento em Deus.”
As provações são bênçãos que a vida oferece ao ser calceta,
que cometeu no passado e mesmo na atual existência arbitrariedades, ferindo a
harmonia das leis universais, comprometendo a consciência, para que disponha de meios de recuperar-se da
culpa inscrita na intimidade do ser, experienciando a contribuição do
sofrimento que o dignifica, já que a relatividade orgânica está sempre sujeita
a essa sinuosidade com altibaixos na saúde e no bem-estar...
O processo da evolução, lembra uma correnteza que enfrenta
obstáculos por onde corre até alcançar o seu destino, um lago, um mar, um
oceano...
Não cessando de prosseguir, quando enfrenta dificuldades,
acumula as águas com tranquilidade até ultrapassá-los, pois a sua meta está à
frente, aguardando-a.
Da mesma forma, as experiências evolutivas do ser humano ocorrem
em programação marcada por variadas e sucessivas etapas até alcançar o estado
numinoso.
A gratidão pelos
insucessos aparentes
é o reconhecimento por entender-se que fazem parte da aprendizagem e a sua
ocorrência em forma de dores, de sofrimentos morais consequentes à traição, à
calúnia, ao abandono de antigos afetos, tem razão de ser. Melhor, sofrê-los,
vivenciá-los com resignação quando se apresentam, do que ignorá-los,
envolvê-los em máscaras ou postergá-los...
Numa visão superficial, pode-se crer tratar-se de uma
patologia pelo sofrimento em transtorno masoquista. Ao inverso, essa conduta
traduz maturidade saudável, por não ser uma eleição pessoal pelo sofrimento,
mas uma aceitação consciente e natural do fenômeno-dor, que faz parte do curso
evolutivo.
Gratidão, em qualquer situação, boa ou má, como dizia o apóstolo Paulo, que era sempre o mesmo na
alegria, no bem-estar, no sofrimento, no testemunho, mantendo a integridade do self, pela consciência do dever
nobremente cumprido, considerando as dificuldades e os sofrimentos como fenômenos
naturais no seu processo de integração com o Cristo.
Quando se adquire o hábito
de agradecer, os morbos emocionais da ira que se transforma em ódio, da mágoa
que se torna desejo de vingança, da inveja que anela a destruição do outro, e
sucessivamente, não encontram áreas na psique para tornarem-se sofrimentos... A alegria de ser-se grato permite entender-se a pequenez do ofensor, a jactância e
fatuidade do perverso, a fragilidade do adversário... Uma emoção de
tranquilidade preenche todos os espaços íntimos do self, onde se desenvolveriam os sentimentos inferiores.
Quando se recebe a notícia de uma doença
irreversível, de um acontecimento grave e mutilador, a gratidão possibilita viver-se plenamente cada momento, ante a
convicção racional da sobrevivência ao corpo somático, credor
de toda a gratidão por conduzir-se como um doce jumentinho do self, conforme
o denominou o irmão alegria de Assis,
o numinoso sempre grato a Deus por
tudo, inclusive pelo momento em que se aproximou a irmã morte.
Postado dia 29/11/13.