terça-feira, 8 de outubro de 2013


A coragem de prosseguir em qualquer circunstância (continuação)

Cap. 5 do livro, EM BUSCA DA VERDADE
Divaldo Franco/Joanna de Angelis

A individuação não é uma conquista fácil, tranquila, mas resultante de esforços contínuos, devendo passar, às vezes, por fazes de sacrifícios e de renuncias. Ninguém consegue uma vida de bem- estar sem o imposto exigido em forma de contínuas doações de dor e de coragem, enfrentando todas as situações com estoicismo, sem queixas, porque, à semelhança de quem galga uma elevação, à medida que se esforça para conseguí-lo, beneficia-se do ar puro, do melhor oxigênio.

A individuação é o oxigênio puro de manutenção do ser.

A conquista desse estado numinoso pode ser comparada a uma forma nova de religiosidade, na qual se consegue a harmonia entre a vida na Terra e no céu.

Anteriormente, por não existir a psicologia analítica, a religião albergava todas as necessidades humanas e a confissão auricular produzia um efeito psicoterápico na liberação da culpa, mantendo, no entanto, irresponsável o indivíduo, que achava muito fácil errar e ser perdoado, ferir e ser desculpado, sem realizar o processo de autoiluminação.

Graças, porém, à visão nova de Jung, os mitos religiosos podem ser substituídos pelos arquétipos e os conflitos, ao invés de recalcados e desculpados, devem merecer catarse, diluição, enfrentamento e reparação dos danos que hajam causado.

São os arquivos do inconsciente que conduzem o indivíduo e não o seu ego sujeito às alternativas dos interesses imediatos.

Nesse arquivo grandioso do Espírito, o ego pode e deve manter diálogos com o Self para tomar conhecimento lúcido dos seus conteúdos e melhor conduzir os equipamentos de que dispõe na sua proposta de vida.

É identificando o erro que se aprende a melhor maneira de não o repetir. O que denominamos como erro, no entanto, trata-se de uma experiência incorreta, aquela que ensina a como não mais proceder dentro dos seus parâmetros, terminando por ser valiosa contribuição à evolução.

O ser humano, portanto, é algo maior do que as expressões exteriores, os êxitos momentâneos, constituindo-se de toda a sua história que registra insucessos e vitórias, tristezas e alegrias, produzindo-lhe o equilíbrio que o segura e mantem no rumo certo.

O pastor que resgata a ovelha perdida, torna-se mais vigilante em relação à mesma, assim como às demais, evitando-se excesso de confiança, porque, à medida que o rebanho avança, existem desvios e abismos perigosos...

Ante a ovelha que foge, a atitude do pastor é o socorro maternal, nada obstante, às vezes, o animal rebelde liberta-se dos braços protetores e novamente desaparece, optando pelo desvão no qual se oculta... Em tal situação, em seu benefício, o pegureiro assume o seu animus e, vigoroso, aplica-lhe o cajado ou atiça-lhe o cão, encaminhando-o de volta ao aprisco.

É, portanto, inadiável o dever de prosseguir-se no compromisso relevante sob qualquer custo, seja qual for a circunstância em que se apresente.

A insistência de que se dá provas, quando se optando pela situação doentia, pelas sinuosidades de comportamento sem responsabilidade, propele a consciência – o pastor vigilante – a impor sofrimentos que se encarregam de apontar o rumo correto, de encontrar-se o que se está extraviando ou foi deixado na retaguarda...

O ocidental acostumou-se com os limites da emoção e adaptou-se aos prazeres da sensação de tal modo, que tudo aquilo que o convida à inversão desse comportamento parece-lhe de difícil aplicação e, por tal razão, evita viver a proposta de olhar para si mesmo, para dentro, de autopenetrar-se para descobrir os incomparáveis tesouros da alegria íntima, da vivência elevada, sem cansaço, sem ansiedades nem expectativas. Esse esforço é realizado somente quando não tem outra alternativa e quando apresenta cansaço em torno do conhecido gozo dos sentidos.

É necessário passar por todas essas experiências, experimentar dificuldades e acertos, sofrer perseguições e ser eleito, porque tudo isso faz parte da constituição arquetípica da evolução, e ninguém pode vivenciar um estagio sem passar pelo outro.

Essas necessárias capacitações desenvolvem os sentimentos, aprimoram a visão em torno da vida, amadurecem o ser psicologicamente, trabalhando-lhe o Self, a fim de que os seus valores profundos abram-se em benefício da individuação.

Normalmente as criaturas queixam-se das cruzes que carregam e as fazem sofrer, parecendo-lhes injusto ter que as conduzir com dificuldades, vivendo em situações difíceis e ásperas. De alguma forma, o conceito e peso da cruz estão muito vinculados ao complexo da infância que se encarregou de dar a visão do mundo. De acordo com a educação recebida a criança passa a ter conceitos da existência que são herdados dos pais. Por essa razão, para alguns, o que constitui fardo, para outros é aprendizado valioso.

A pessoa deve aprender desde cedo a enfrentar os fenômenos existenciais como parte do seu programa evolutivo, o que equivale significar que, se dando conta da própria sombra não a deve transferir para outrem, mas cuidar de diluí-la, mediante a compreensão das ocorrências. A sombra tem uma vestidura moral em contínuo confronto com a personalidade-ego, exigindo, por isso mesmo, o grande esforço de igual magnitude moral, para conscientizar-se, compreendendo e aceitando os fenômenos perturbadores que lhe ocorrem como inevitáveis.

A maioria, no entanto, não a aceita como inerente, elemento constitutivo de todos os seres, portanto, presente em todas as vidas.

Rejeitar ou ignorar a sombra é candidatar-se a conflitos contínuos que poderiam ser evitados, caso reconhecesse a ocorrência desse fenômeno próprio do ser humano. Ela faz parte do ser, de igual forma como o ego, o Self e todos os demais arquétipos, que são as heranças do largo trânsito da evolução.

Na história mítica da Criação, quando Adão comeu o fruto que lhe foi oferecido por Eva, teve que enfrentar a realidade da sua e da nudez em que ela se encontrava, reagindo automaticamente, procurando um arbusto para esconder-se, quando lhe surgiu o discernimento do ético, do bem e do mal, da malícia e do desejo, resultando nessa fissão da psique, o anjo e o demônio, cuja harmonia deve ser conseguida através do enfrentamento de ambos, num processo psicoterapêutico de consciência lúcida.

De igual maneira, a sombra que dali procedeu permanece no complexo psicológico do ser exercendo o seu papel como herança ancestral do conflito inicial.

A inocência bíblica das duas personagens é referencial mítico para ocultar as funções edificantes da sexualidade, que a castração religiosa considerou como manifestação da inferioridade e de tormento.

À semelhança de outro órgão, o sexo tem as suas exigências que devem ser atendidas com a dignidade e o respeito que lhe são pertinentes. Quando o indivíduo se permitiu a corrupção de qualquer natureza, ei-la refletindo-se também no comportamento sexual, que se torna válvula de escape para a fuga da responsabilidade moral.

Desse modo, os desafios da sombra merecem observação carinhosa a fim de conseguir-se a sua integração no Self, não mais separando indivíduo do ser divino que ele carrega no íntimo.

Final do título A coragem de prosseguir em qualquer circunstância.

Postado dia 08/10/2013.

 

 

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