HERANÇAS
AFLIGENTES
Texto do cap.6, A GRATIDÃO COMO RECURSO PARA A
AQUISIÇÃO DA PAZ, do livro: Psicologia da Gratidão de Divaldo
Franco/Joanna de Ângelis.
Os atavismos defluentes do processo
antropossociopsicológico remanecem no ser humano com a força dos velhos
hábitos, com toda a predominância dos instintos agressivo-defensivos, mutilando
algumas aspirações enobrecidas e dificultando a vivência das atitudes novas,
caracterizadas pela razão, pelo sentimento, pelo ideal de servir e dignificar a
sociedade. Dentre esses destaca-se muitas vezes o que diz respeito à
ingratidão, num estado de primarismo do comportamento, mediante o qual, ainda
se estagiando na fase do egocentrismo, não se valoriza a contribuição das
demais pessoas, acreditando-se merecedor de todos os serviços, sem nenhuma obrigação
retributiva ou, pelo menos, de respeito
pelo outro.
A sombra é o arquétipo dominador da
conduta nessa fase da evolução psicológica do ser humano.
O predomínio do instinto de
conservação da vida modela o caráter humano com tal vigor que sempre coloca o
indivíduo em atitude defensiva, armando-o invariavelmente contra tudo e contra
todos, mesmo quando alguém se propõe a auxiliar.
Permanece a suposição falsa de que as
demais criaturas são exploradoras, interesseiras, incapazes de vivenciar o
afeto legítimo, mantendo sempre uma atitude, disfarçada ou não, de retirar
proveito de todos os esforços empregados. Mesmo que os fatos demonstrem o
contrário, há uma insegurança afetiva muito forte nesse indivíduo, que
considera os demais conforme os seus próprios padrões de conduta, incapaz
segundo se sente de ser útil, de auxiliar sem colher os imediatos frutos desse
procedimento.
À medida que ocorre o desenvolvimento
do self e diminui a predominância do ego, que passa a compreender melhor a
finalidade da existência terrestre, amplia-se a capacidade de sentir amizade,
de corresponder as expectativas, de contribuir em favor do bem-estar alheio,
que sempre redunda em satisfação pessoal, embora não seja esse o objetivo
imediato.
Ocorre que toda atitude dignificante
que abrange o grupo social inicialmente é benéfica àquele que a assume.
De igual maneira, toda vez que alguém
opõe obstáculo ao processo de crescimento da sociedade, padece a sua constrição
inevitável, encarcerando-se nas paredes sombrias da prepotência.
Em razão desses diferentes estágios
evolutivos, surgiram os dominadores dos outros, os ditadores impiedosos, as
classes poderosas em consequência do status
econômico, os presunçosos que se acreditam superiores, iludidos pelo
conceito da raça ou etnia em que renasceram no corpo, da astúcia que é uma
herança do instinto felino e não efeito da inteligência ...
Allan Kardec, com clareza, faz uma
bela análise desse comportamento no livro Obras
póstumas, no capítulo intitulado “As aristocracias”, analisando os diversos
níveis ou alternativas da humanidade, em relação ao espiritismo, que oferece os
recursos surpreendentes da iluminação, portanto da perfeita integração do eixo
ego-self como indispensável para a
harmonia pessoal, o reconhecimento amoroso à vida por tudo quanto possui e
frui, a infinita gratidão pela honra da existência terrena.
A verdadeira aristocracia, refere-se o
nobre Codificador, é aquela de natureza intelecto-moral, na qual a inteligência
e o sentimento unem-se, dando lugar à sabedoria, à libertação das paixões
primevas, à superação das heranças negativas e dos atavismos perturbadores.
O velho conceito de aristocrata, pelo
sangue, pelos títulos nobiliárquicos adquiridos por meios nem sempre
dignificantes, que caracterizaram o passado da sociedade, ensejando os
privilégios dos descalabros assim como o hediondo direito divino dos reis, como se não fossem constituídos pela mesma
argamassa em que transitam os camponeses e o poviléu, sempre detestados pelos
iludidos terrestres, encontra-se em decadência total.
Encontramo-los em todas as épocas da
História, desde as lamentáveis classes sociais da Índia, no passado, e possivelmente
no presente, embora não legais, mais sempre infelizmente morais, aos faraós egípcios...e
mesmo os chefes tribais, nem sempre valorosos e dignos para exercerem o mandato
de comando do grupo étnico ou do país sob a sua governança.
As religiões, por sua vez,
aproveitaram-se das circunstâncias e criaram também as suas aristocracias privilegiadas
pelo poder temporal em nome da fé que deve estar acima das questões da vaidade
humana...
Na interpretação dos ensinamentos
religiosos de todos os matizes, os indivíduos investidos das denominadas
responsabilidades pelo rebanho adaptam a mensagem, dela retirando a essência superior
e apresentando as próprias paixões que transferem para Deus. Através desse
mecanismo de temor submetem os crédulos ao seu talante, dominando-os e mantendo
aqueles que são menos evoluídos a permanecerem na revolta ou no egoísmo.
Apresentassem a grandeza do amor de
que se revestem todas as doutrinas religiosas, e mais facilmente conseguiriam libertar
os aprisionados no primarismo, conduzindo-os aos elevados patamares da
iluminação.
Jesus a todos convocou com os mesmos
direitos e com os mesmos deveres, oferecendo oportunidade de trabalho e de
evolução aos mais diferentes seguimentos sociais, sendo respeitoso aos poderosos
do seu tempo, que o buscavam, assim como à ralé, à qual preferia por motivos
óbvios da sua missão iluminativa e libertadora.
O inevitável progresso moral vem
diminuindo o perverso comportamento, anulando o poder das classes dominadoras
por circunstancias adversas e ancestrais, abrindo espaço para os direitos
humanos, ampliando as possibilidades de igualdade entre todas as pessoas, pouco
importando as posses, a hereditariedade, antes valorizando as suas qualidades
de inteligência e de sentimento, as suas conquistas morais que os destacam no
cenário humano.
Certamente, em razão do processo
evolutivo que é inevitável, essas heranças cederam lugar às outras, às nobres
que as sucederam e que, no momento próprio, passarão a ressumar com a força
ética da solidariedade e do amor entre todos os seres, incluindo a natureza.
Apesar desse fenômeno incoercível que
é o progresso, muitos indivíduos tentam resistir aos seus impositivos, optando
pela deplorável condição de infelizes, em razão da sombra que os submete aos
caprichos da inferioridade.
A Divindade, porém, dispõe de
mecanismos que se impõem favoravelmente ao desenvolvimento das faculdades
morais do ser, através das expiações nas quais expurgam os miasmas que os
asfixiam na inferioridade, sem que percam as conquistas preciosas das experiências
vivenciadas.
Desse modo, o processo de crescimento
em relação à própria plenitude é impostergável e dele ninguém se evade, por
fazer parte dos instrumentos universais do amor divino.
Serão sinais demonstrativos da sua
presença, quando surgirem os primeiros vagidos de compaixão e de ternura, de
amizade desinteressada e o desejo de retribuição, pelo menos de parte daquilo
que amealha. A solidariedade é, desse modo, a maneira de expressar a alegria de
viver e de desenvolver os relacionamentos que edificam os sentimentos ou os
despertam quando se encontram adormecidos.
A gratidão é a impressão digital do
desenvolvimento intelecto-moral do Espírito, que se liberta das heranças afligentes.
Final
do texto, porém o cap.6 continuará na próxima postagem.
Postado
no dia 07/10/2013,
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