segunda-feira, 7 de outubro de 2013


HERANÇAS AFLIGENTES

Texto do cap.6, A GRATIDÃO COMO RECURSO PARA A AQUISIÇÃO DA PAZ, do livro: Psicologia da Gratidão de Divaldo Franco/Joanna de Ângelis.

Os atavismos defluentes do processo antropossociopsicológico remanecem no ser humano com a força dos velhos hábitos, com toda a predominância dos instintos agressivo-defensivos, mutilando algumas aspirações enobrecidas e dificultando a vivência das atitudes novas, caracterizadas pela razão, pelo sentimento, pelo ideal de servir e dignificar a sociedade. Dentre esses destaca-se muitas vezes o que diz respeito à ingratidão, num estado de primarismo do comportamento, mediante o qual, ainda se estagiando na fase do egocentrismo, não se valoriza a contribuição das demais pessoas, acreditando-se merecedor de todos os serviços, sem nenhuma obrigação retributiva ou, pelo menos,  de respeito pelo outro.

A sombra é o arquétipo dominador da conduta nessa fase da evolução psicológica do ser humano.

O predomínio do instinto de conservação da vida modela o caráter humano com tal vigor que sempre coloca o indivíduo em atitude defensiva, armando-o invariavelmente contra tudo e contra todos, mesmo quando alguém se propõe a auxiliar.

Permanece a suposição falsa de que as demais criaturas são exploradoras, interesseiras, incapazes de vivenciar o afeto legítimo, mantendo sempre uma atitude, disfarçada ou não, de retirar proveito de todos os esforços empregados. Mesmo que os fatos demonstrem o contrário, há uma insegurança afetiva muito forte nesse indivíduo, que considera os demais conforme os seus próprios padrões de conduta, incapaz segundo se sente de ser útil, de auxiliar sem colher os imediatos frutos desse procedimento.

À medida que ocorre o desenvolvimento do self e diminui a predominância do ego, que passa a compreender melhor a finalidade da existência terrestre, amplia-se a capacidade de sentir amizade, de corresponder as expectativas, de contribuir em favor do bem-estar alheio, que sempre redunda em satisfação pessoal, embora não seja esse o objetivo imediato.

Ocorre que toda atitude dignificante que abrange o grupo social inicialmente é benéfica àquele que a assume.

De igual maneira, toda vez que alguém opõe obstáculo ao processo de crescimento da sociedade, padece a sua constrição inevitável, encarcerando-se nas paredes sombrias da prepotência.

Em razão desses diferentes estágios evolutivos, surgiram os dominadores dos outros, os ditadores impiedosos, as classes poderosas em consequência do status econômico, os presunçosos que se acreditam superiores, iludidos pelo conceito da raça ou etnia em que renasceram no corpo, da astúcia que é uma herança do instinto felino e não efeito da inteligência ...

Allan Kardec, com clareza, faz uma bela análise desse comportamento no livro Obras póstumas, no capítulo intitulado “As aristocracias”, analisando os diversos níveis ou alternativas da humanidade, em relação ao espiritismo, que oferece os recursos surpreendentes da iluminação, portanto da perfeita integração do eixo ego-self como indispensável para a harmonia pessoal, o reconhecimento amoroso à vida por tudo quanto possui e frui, a infinita gratidão pela honra da existência terrena.

A verdadeira aristocracia, refere-se o nobre Codificador, é aquela de natureza intelecto-moral, na qual a inteligência e o sentimento unem-se, dando lugar à sabedoria, à libertação das paixões primevas, à superação das heranças negativas e dos atavismos perturbadores.

O velho conceito de aristocrata, pelo sangue, pelos títulos nobiliárquicos adquiridos por meios nem sempre dignificantes, que caracterizaram o passado da sociedade, ensejando os privilégios dos descalabros assim como o hediondo direito divino dos reis, como se não fossem constituídos pela mesma argamassa em que transitam os camponeses e o poviléu, sempre detestados pelos iludidos terrestres, encontra-se em decadência total.

Encontramo-los em todas as épocas da História, desde as lamentáveis classes sociais da Índia, no passado, e possivelmente no presente, embora não legais, mais sempre infelizmente morais, aos faraós egípcios...e mesmo os chefes tribais, nem sempre valorosos e dignos para exercerem o mandato de comando do grupo étnico ou do país sob a sua governança.

As religiões, por sua vez, aproveitaram-se das circunstâncias e criaram também as suas aristocracias privilegiadas pelo poder temporal em nome da fé que deve estar acima das questões da vaidade humana...

Na interpretação dos ensinamentos religiosos de todos os matizes, os indivíduos investidos das denominadas responsabilidades pelo rebanho adaptam a mensagem, dela retirando a essência superior e apresentando as próprias paixões que transferem para Deus. Através desse mecanismo de temor submetem os crédulos ao seu talante, dominando-os e mantendo aqueles que são menos evoluídos a permanecerem na revolta ou no egoísmo.

Apresentassem a grandeza do amor de que se revestem todas as doutrinas religiosas, e mais facilmente conseguiriam libertar os aprisionados no primarismo, conduzindo-os aos elevados patamares da iluminação.

Jesus a todos convocou com os mesmos direitos e com os mesmos deveres, oferecendo oportunidade de trabalho e de evolução aos mais diferentes seguimentos sociais, sendo respeitoso aos poderosos do seu tempo, que o buscavam, assim como à ralé, à qual preferia por motivos óbvios da sua missão iluminativa e libertadora.

O inevitável progresso moral vem diminuindo o perverso comportamento, anulando o poder das classes dominadoras por circunstancias adversas e ancestrais, abrindo espaço para os direitos humanos, ampliando as possibilidades de igualdade entre todas as pessoas, pouco importando as posses, a hereditariedade, antes valorizando as suas qualidades de inteligência e de sentimento, as suas conquistas morais que os destacam no cenário humano.

Certamente, em razão do processo evolutivo que é inevitável, essas heranças cederam lugar às outras, às nobres que as sucederam e que, no momento próprio, passarão a ressumar com a força ética da solidariedade e do amor entre todos os seres, incluindo a natureza.

Apesar desse fenômeno incoercível que é o progresso, muitos indivíduos tentam resistir aos seus impositivos, optando pela deplorável condição de infelizes, em razão da sombra que os submete aos caprichos da inferioridade.

A Divindade, porém, dispõe de mecanismos que se impõem favoravelmente ao desenvolvimento das faculdades morais do ser, através das expiações nas quais expurgam os miasmas que os asfixiam na inferioridade, sem que percam as conquistas preciosas das experiências vivenciadas.

Desse modo, o processo de crescimento em relação à própria plenitude é impostergável e dele ninguém se evade, por fazer parte dos instrumentos universais do amor divino.

Serão sinais demonstrativos da sua presença, quando surgirem os primeiros vagidos de compaixão e de ternura, de amizade desinteressada e o desejo de retribuição, pelo menos de parte daquilo que amealha. A solidariedade é, desse modo, a maneira de expressar a alegria de viver e de desenvolver os relacionamentos que edificam os sentimentos ou os despertam quando se encontram adormecidos.

A gratidão é a impressão digital do desenvolvimento intelecto-moral do Espírito, que se liberta das heranças afligentes.

Final do texto, porém o cap.6 continuará na próxima postagem.

Postado no dia 07/10/2013,

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