terça-feira, 7 de janeiro de 2014


PREDOMÍNIO DA SOMBRA

A presença da sombra no comportamento humano facilita a fragmentação da psique, nos dois eus, com isso o paciente perde a identificação entre os arquétipos do bem e do mal, certo e do errado.

Herdeiro dos instintos agressivos, que lhe predominam na natureza íntima, o ser humano caminha entre revoltado e temeroso em consequência das condutas passadas.

A necessidade de preservação da vida leva-o ao imediatismo, a sensação do prazer, ao  desconhecimento dos valores ético-morais, ou ainda que os conheça, desconsidera os que podem levar ao sacrifício, à luta nobre, à abnegação...

Conduzido para esse prazer dos sentidos, grosseiro, as emoções elevadas originadas nos sentimentos da beleza, do idealismo são descartadas pelo pouco significado que lhe é atribuído ou pela falta do hábito de as vivenciar.

Nessa fase os sonhos, são tumultuados e os símbolos que os envolvem expressam as heranças perturbadoras e os sofrimentos sexuais, que se tornam condutas psicológicas doentias para logo serem somatizadas apresentando-se como disfunções orgânicas de nomes variados.

Na parábola de Jesus, o ego do filho é perverso e ingrato.

Quando busca a herança que diz pertencer-lhe, inconscientemente está buscando a morte do pai, que seria o acontecimento legal para adquirir a posse dos bens sem ter problema. Mascara o conflito com a justificativa de desfrutar a juventude,  considerando que mesmo na idade avançada, o genitor não morria...

Em seguida, indo para um país longínquo busca ou quer arrancar as raízes existenciais, as marcas, destruir a origem desagradável, continuando na ignorância de si mesmo, fugindo para o Éden onde parecia feliz.

Qualquer conflito traz sua carga psicológica de alta tensão nervosa destruidora.

O eu filial que percebe a necessidade de ficar no lar – aqui representado o domicílio carnal, o Paraíso – abre espaço emocional ao outro eu, o da fragmentação da psique, a sombra, leviano e longínqua dos sentimentos que enobrecem que ainda se encontram adormecidos no Self.

permitindo-se esgotar pelas ambições e prazeres, o leviano é surpreendido, mais tarde, pela solidão – a miséria econômica, a fuga dos companheiros que o exploraram, em resumo os excessos que agora o deixam abatido – logo unido à culpa que o censura, sugerindo-lhe refletir, portanto, a volta à segurança do lar que abandonou...

Sempre será imperioso a volta às origens, para que ocorra o autoencontro.

Dominado, pelo instinto de autodestruição torna-se um chiqueiro moral a caminho da degradação máxima, do suicídio, quando tem um insight e reflexiona na generosidade do pai, o Self, - o si, o eu profundo - em despertamento, resolve pela volta, o que lhe constitui o primeiro passo para a autorrealização, a autoconscientização, para uma possível integração das duas partes da fissura dolorosa da mente.

Essa fuga para um país estrangeiro e longínquo, equivale a uma arquetípica busca do princípio da individuação, se surgisse de algum ideal, como diminuir a carga do pai, e não de querer, ainda que de maneira inconsciente a morte.

Há, nesse conflito, o mundo do pai, o mundo do filho, o mundo do irmão, como sombras perturbadoras, efeito da fissura da psique em relação ao ego.

Jesus deixa transparecer na parábola o caráter terapêutico, no momento em que o filho volta em busca da paz (e da saúde), embora humilhado, mas certo de que será recebido.

O Self que se unifica em relação ao ego é o caminho seguro para a autocura, para o estado numinoso de tranquilidade e bem-estar.

A viagem para longe é uma busca arquetípica de heroísmo, da conquista do desconhecido, de infinito, que não se concretiza porque o objetivo consciente era o prazer, a não-responsabilidade, a violência do abandono ao pai idoso, a exuberância do egotismo e o desprezo do irmão mais velho que trabalha.

A viagem de volta ao lar que faz o filho mais jovem não é por amor ao pai, nem por um outro sentimento nobre, e sim porque passa fome e tem a certeza de que, no lar, terá mais conforto e alimento, da mesma forma como ocorre com os empregados da fazenda... A sua sombra interesseira vem do ego sofrido que não conseguiu a união com o Self.

De outra forma, a sombra dolorosa no irmão que ficou torna ele um miserável que inveja a sorte do outro irmão despudorado, que tem ciúme da atenção que o pai lhe dá, que se revolta, vivenciando o conflito de inferioridade e as torturas no psiquismo.

Sente-se rejeitado, embora tenha sido devotado, talvez pelo interesse de ficar com toda a herança, e não o de contentar-se em estar com o pai, já que se queixa que nunca recebeu um cabrito para festejar com os seus amigos.

Uma projeção inconsciente da raiva que guardou pelo abandono sentido quando o irmão fugiu, apresenta-se agora como desforço, não querendo participar da festa de boas-vindas.

O ego deve adquirir estrutura para conquistar consciência da sua realidade não permitindo conflito com o Self que o direciona, única maneira de libertar a sombra .

Na parábola, que é um arquétipo coletivo representando os interesses imediatos em detrimento dos valores que libertam das paixões primárias, frente ao egoísmo do filho jovem, o pai generoso não reclama, não deixa perceber mágoa, embora se encontre sofrendo.

É dessa forma que as criaturas escapam da proteção segura da psique integrada que abre espaço ao ego daninho, da fragmentação, retardando o tempo de serem felizes.

A experiência, porém, no país longínquo – desejo inconsciente de não ser encontrado, nem sequer saber-se onde reside o fugitivo – redunda em desastre, porque toda extravagância acaba em prejuízo e toda malversação de valores, em perdas parciais ou totais, como no caso do jovem presunçoso.

A sua sombra indu-lo ao gozo do prazer, da irresponsabilidade, da incontinência moral, porque os deveres na lavoura dos sentimentos desagradam-no.

A firmeza moral do irmão mais velho, trabalhando sem demonstrar cansaço nem aborrecimento, produz-lhe antipatia e faz que o deteste, deixando ao lado do pai idoso, sem considerar os laços de família, numa participação mística coletiva simbolizando a sociedade como um todo.

A totalidade da psique, representada pelo pai e o filho mais velho que cumpre o dever, incomoda o egoísta que vive insatisfeito porque quer cortar o vínculo, ser livre, cair no abismo de si mesmo conforme acontecerá.

Como as experiências propiciam o despertar da iluminação, ele cai em si refletindo que no lar, mesmo os servidores menos importantes usufruem de apoio, alimento e segurança, enquanto ele não pode desfrutar com os porcos as alfarroubas que não lhe dão, decidindo voltar.

Busca o mundo íntimo fragmentado e tem o insight de como agir.

O arrependimento é o alívio da culpa, reconhecendo que pecou contra o céu e contra ti (o pai), seguro de ser bem recebido, mesmo que não fosse digno de ter o nome de seu filho.

O indivíduo comum, não iluminado, perdido na ilusão, pode ser comparado ao Filho Pródigo, leviano e insensato, que apenas convive com buscas de prazer pessoal e interesse mesquinho, afastado das propostas éticas e dos deveres morais.

Vítima da libido exagerada, entrega-se ao gozo na ilusória conduta de que não se acaba e as suas forças exaustas logo se renovam...

Esse arquétipo também pode aparecer nos indivíduos inseguros, instáveis, solitários, que em ninguém confiam, perdendo preciosas oportunidades de crescimento pela interiorização e reflexão, superando as heranças prejudiciais do processo evolutivo anterior.

De temperamento facilmente perturbado, vive com ressentimentos e invejas, enfermo interiormente, que se nega o tratamento por crer que não precisa, já que considera os outros responsáveis por sua situação psicológica, masoquistamente considerando-se incompreendido e perseguido.

Esse desejo de fugir dos outros é também o sofrimento da fuga de si mesmo, pela dificuldade que tem de autoenfrentar-se, de reconhecer a inferioridade e ser levado a trabalhá-la para conseguir a vitória.

Fica mais fácil jogar tudo para o alto (ou para baixo) numa atitude de libertação e seguir o sofrimento, para voltar andrajoso, imundo, humilhado...

O ego presunçoso acorda aos poucos da sombra para o estado numinoso, que deve ser conquistado sob os instrumentos do sofrimento, que são os importantes recursos para a vitória.

Quando o genitor pede ao servo que lhe traga o anel, confirma psicologicamente o arquétipo da antiga Aliança de Deus com os homens, pelo Arco-Íris, demonstrando vinculação e amor.

As roupas limpas e novas, o novilho nutrido para a festa são os formidáveis arquétipos que se encontram em todos os mitos, particularmente no panteão grego, quando os deuses comungavam com os homens e banqueteavam-se, chegando, algumas vezes, ao descontrole pelos excessos que se permitiam.

O gesto do pai abraçando o filho de volta é a luz do amor que nele dilui a pesada sombra em que ele se debate.

Trabalho baseado no livro Em busca da verdade pelo espírito Joanna de Ângelis, psicografado por Divaldo Pereira Franco.. 

Postado em 07-01-2014