PREDOMÍNIO DA SOMBRA
A presença da sombra
no comportamento humano facilita a fragmentação da psique, nos dois
eus, com isso o paciente perde a identificação entre os arquétipos do bem e do
mal, do certo e do errado.
Herdeiro dos instintos
agressivos, predominantes na sua natureza
íntima, o ser humano segue entre revoltado e medroso, herança das condutas
passadas.
A preservação da vida leva
ao imediatismo, a sensação do prazer, ao
desconhecimento dos valores ético-morais, ou ainda que os conhecendo, não considera
aqueles que representam sacrifício, luta nobre,
abnegação...
Levado ao prazer sensorial,
assevaljado, as emoções superiores dos sentimentos, da beleza, do idealismo são
dispensadas por não valorizar ou até pela falta do hábito de as vivenciar.
Nessa fase os sonhos, são
tumultuados e os símbolos de que se revestem expressam as heranças
perturbadoras e os sofrimentos sexuais, que se tornam condutas psicológicas
doentias, ou somatizam em disfunções orgânicas com vária denominações.
Na parábola de Jesus, o ego
do filho é perverso e ingrato.
Ao pedir a herança que diz
pertencer-lhe, inconscientemente está buscando a morte do pai, acontecimento
legal para adquirir a posse dos bens sem problema. Mascara o conflito dizendo
que seria para aproveitar a juventude, já que mesmo envelhecido, o pai não
morria...
Indo para um país longínquo querendo arrancar as
raízes existenciais, as marcas, destruir a sua origem desagradável, ficando na
ignorância de si mesmo, fugindo para o Éden onde parecia feliz.
O conflito traz uma carga
psicológica de alta tensão nervosa destruidora.
O eu filial que percebe a
necessidade de ficar no lar – aqui representado no domicílio carnal, o Paraíso
– abre espaço emocional ao outro eu, o da fragmentação da psique, a sombra,
leviano e distante dos sentimentos que enobrecem que ainda se encontram
adormecidos no Self.
Esgotado pelas ambições e
prazeres, o leviano se surpreende, mais tarde, pela solidão – a miséria econômica,
a fuga dos companheiros que o exploraram, os excessos que agora o deixam
abatido – somando à culpa que o censura, propondo reflexão, ou, a volta à
segurança do lar que abandonou...
Para que ocorra o
autoencontro sempre será imperioso vltar às origens, para o autoencontro.
Tomado, pelo instinto de
autodestruição transforma-se em chiqueiro moral em direção da degradação
máxima, do suicídio, quando tem um insight e pensa na generosidade do pai, o
Self, em despertamento, decide então voltar, sendo esse
o primeiro passo para a autorrealização, a autoconscientização, uma possível
integração das duas partes da fissura dolorosa da mente.
Essa fuga para um país
estrangeiro e longínquo seria uma arquetípica busca do princípio da
individuação, se surgisse de algum ideal, como diminuir a carga do pai, e não
de desejar-lhe, ainda que inconsciente a morte.
Há, nesse conflito, o mundo
do pai, o mundo do filho, o mundo do irmão, como sombras perturbadoras,
efeito da fissura da psique com relação ao ego.
Jesus deixa transparecer na
parábola o seu caráter terapêutico, no momento em que o filho volta buscando a
paz (e a saúde), embora humilhado, mas certo de que será recebido.
O Self que se unifica em
relação ao ego é o caminho seguro para a autocura, para o estado numinoso de
tranquilidade e bem-estar.
Viajar para longe é uma
busca arquetípica de heroísmo, da conquista do desconhecido, de infinito, que
não se concretiza porque o objetivo consciente era o prazer, a não-responsabilidade,
a violência do abandono ao pai idoso, a exuberância do egotismo e o desprezo do
irmão mais velho que trabalha.
A viagem de volta ao lar que
faz o filho mais jovem não é por amor ao pai, nem por qualquer sentimento
nobre, mas porque passa fome e sabe que, no lar, terá mais conforto e alimento,
assim como ocorre com os empregados da fazenda... A sua sombra interesseira vem
do ego sofrido que não conseguiu unir-se ao Self.
Já, a sombra dolorosa no
irmão que ficou faz dele um miserável que inveja o irmão jovem despudorado, que tem
ciúme da atenção que o pai lhe dá, que se revolta, experimentando o conflito de
inferioridade e as torturas no psiquismo.
Sente-se rejeitado, apesar
de ter sido devotado, talvez para ficar com toda a herança, e não por ficar com o
pai, já que se queixa que nunca recebeu um cabrito para festejar com os amigos.
Uma projeção inconsciente da
raiva que guardou pelo abandono que sentiu quando o irmão fugiu, surge agora
como desforço, recusando-se a participar da festa de boas-vindas.
O ego deve adquirir
estrutura para conquistar consciência da sua realidade não permitindo conflito
com o Self que o direciona, única maneira de libertar a sombra .
Na parábola, tem-se um
arquétipo coletivo representando os interesses imediatos em prejuízo dos
valores que libertam das paixões primárias, diante do egoísmo do filho jovem, o
pai generoso não reclama, não transmite mágoa, embora sofrendo.
Assim é que as criaturas
escapam da proteção segura da psique integrada que abre espaço ao ego daninho, da fragmentação, retardando
a oportunidade para serem felizes.
A experiência, no país
longínquo – desejo inconsciente de não ser encontrado, nem saber-se onde se encontra
o fugitivo – acaba em desastre, porque toda extravagância acaba em prejuízo e
toda malversação de valores, em perdas parciais ou totais, como no caso do
jovem presunçoso.
A sua sombra leva-o ao gozo
do prazer, da irresponsabilidade, da incontinência moral, porque os deveres nos
cuidados dos sentimentos lhe desagradam.
A firmeza moral do irmão
mais velho, trabalhando sem demonstrar cansaço nem aborrecimento, produz-lhe
antipatia e faz que o deteste, deixando ao lado do pai idoso, sem considerar os
laços de família, numa participação mística coletiva simbolizando a sociedade
como um todo.
A totalidade da psique,
representada pelo pai e o filho mais velho que cumpre o dever, incomoda o
egoísta que vive insatisfeito porque quer cortar o vínculo, ser livre, cair no
abismo de si mesmo como ocorrerá.
Como as experiências oferecem
o despertar da iluminação, ele cai em si refletindo que no lar, até os
servidores mais simples usufruem de apoio, alimento e segurança, enquanto ele nem
com suínos pode desfrutar as alfarrobas
que não lhe dão, resolvendo retornar.
Busca o mundo íntimo
fragmentado e tem o insight de como
agir.
O arrependimento é o alívio
da culpa, reconhecendo que pecou contra o
céu e contra ti (o pai), seguro
de ser bem recebido, mesmo que não fosse digno de ter o nome de seu filho.
O indivíduo comum, não
iluminado, perdido na ilusão, pode ser comparado ao Filho Pródigo, leviano e
insensato, que apenas convive em busca de prazer pessoal e interesse mesquinho,
afastado das propostas éticas e dos deveres morais.
Vítima da libido exagerada,
entrega-se ao gozo na ilusória conduta de que nada se acaba e que as suas
forças exaustas se renovam...
Esse arquétipo também pode surgir
nos indivíduos inseguros, instáveis, solitários, que em ninguém confiam,
perdendo grandes oportunidades de crescimento pela interiorização e reflexão,
superando as heranças prejudiciais do processo evolutivo anterior.
De temperamento facilmente
perturbado, vive com ressentimentos e invejas, enfermo interiormente, que não
aceita o tratamento acreditando que não precisa, já que considera os outros
responsáveis por sua situação psicológica, masoquistamente dizendo-se
incompreendido e perseguido.
O querer fugir dos outros também
é o sofrimento da fuga de si mesmo, pela dificuldade de autoenfrentar-se, de
reconhecer a inferioridade e ser levado a trabalhá-la para conquistar a
vitória.
Fica mais fácil jogar tudo
para o alto (ou para baixo) numa atitude de libertação e seguir o sofrimento,
para voltar andrajoso, imundo, humilhado...
O ego presunçoso acorda aos
poucos da sombra para o estado numinoso,
que precisa ser conquistado sob os instrumentos do sofrimento, que são os
importantes recursos para a vitória.
Quando o genitor pede ao
servo que lhe traga o anel, confirma psicologicamente o arquétipo da antiga Aliança de Deus com os homens, pelo Arco-Íris, demonstrando vinculação e
amor.
As roupas limpas e novas, o
novilho nutrido para a festa são os arquétipos que se encontram nos mitos,
particularmente no panteão grego, quando os deuses comungavam com os homens e
banqueteavam-se, chegando, algumas vezes, ao descontrole pelos excessos.
O pai abraçando o filho de
volta é a luz do amor que nele dilui a sombra em que ele se debate.
Do livro em Busca da
Verdade, de Divaldo Pereira Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis. Postado
dia, 27/08/2014.