CONVIVER
E SER
Cap. 5 do livro, EM BUSCA DA VERDADE
Divaldo Franco/Joanna de
Angelis
É inegável que o Evangelho
de Lucas possui uma beleza especial, que o torna um dos mais belos livros que
jamais se escreveram.
Quando Jesus se dirigia a
Jerusalém, nessa subida narrou 19 parábolas, que representam um dos mais belos e
atuais estudos do comportamento humano diante da consciência enobrecida e dos
deveres para o próximo.
É chamado de O Evangelho da misericórdia e da compaixão.
Misericórdia e compaixão constituem
desafiadores termos da equação existencial humana. Misericórdia, porém, que
seja mais do que piedade, também alegria no júbilo do outro, satisfação ante a vitória
do lutador e tudo quanto se puder fazer, que seja realizado com paixão, com um devotamento superior
rico de bondade e de enternecimento...
O capítulo XV, que tem
merecido nossas reflexões na presente obra, narra as três parábolas dos perdidos, em uma análise das necessidades emocionais
do ser diante das ocorrências do cotidiano, dos aparentes insucessos e perdas,
que devem constituir motivo de coragem e de busca, jamais de recuo ou de desistência.
...E Ele narrou-as, porque,
acossado pela hipocrisia farisaica dos seus ferrenhos inimigos, que O acusavam
de conviver com os miseráveis: meretrizes, ébrios, poviléu, doentes e excluídos, não teve outra alternativa,
senão tentar despertar as suas consciências ignóbeis adormecidas para o bem e
para a solidariedade.
Caluniado de beberrão e comilão, porque se alimentava
com os infelizes, jamais se justificou, isto porque não tinha sombra, era numinoso. Entretanto, fazia-se mister legar-lhes o tesouro terapêutico
da misericórdia, a fim de que entendessem que também eram esfaimados de luz e
de amor, debatendo-se nos conflitos hediondos em que se refugiavam.
Preferiam não entender que
Ele é a luz do mundo e, à semelhança
do Sol que oscula a corola da flor sem perfumar-se, assim como o pântano
apodrecido sem macular-se, pairava acima das humanas misérias, erguendo os
tombados e evitando que descessem a abismos mais profundos, aqueles que se lhes
encontravam à borda...
Preocupavam-se, os seus
infelizes acusadores, em manter os hábitos e a tradição, sempre exteriores, com
o mundo íntimo em trevas, comprazendo-se em vigiar os outros, descarregar as
culpas e mesquinhezes naqueles que invejavam porque não eram capazes de se
assemelhar ou pelo menos de aproximar-se-lhes moralmente...
Captando-lhes os pensamentos
hostis e despeitados, ouvindo-lhes as acusações, o Homem Integral,
compadecendo-se da sua incúria, expôs a Sua tese, através de interrogações sábias
e respostas adequadas: Qual de vós é o
homem que, possuindo cem ovelhas e tendo perdido uma delas, não deixa as
noventa e nove no deserto, e não vai em busca da que se havia perdido até achá-la?
Quando a tiver achado, põe-na cheio de júbilo sobre os seus ombros e, chegando
a casa, reúne os seus amigos e vizinhos e diz-lhes: Regozijai-vos comigo,
porque achei a minha ovelha que se havia perdido. Digo-vos que assim haverá maior
júbilo no céu por um pecador que se arrepende, do que por noventa e nove justos,
que não necessitam de arrependimento. E prosseguiu intimorato e intemerato:
Qual a mulher que, tendo dez dracmas e
perdendo uma, não acende a candeia, não varre a casa e não a procura diligentemente
até acha-la? Quando a tiver achado, reúne as suas amigas e vizinhas, dizendo:
Regozijai-vos comigo, porque achei a dracma que eu tinha perdido. Assim,
digo-vos, há júbilo na presença dos anjos de Deus por um pecador que se
arrepende. (versículos 4 a 10)
As profundas parábolas dos perdidos e achados são o prólogo da extraordinária
narrativa do Pai que tinha dois filhos...
Nas três narrativas, o inconsciente coletivo libera inúmeros
arquétipos ocultos que se fazem presentes, de maneira clara, como acompanhamos
no texto, quando o homem e a mulher são apresentados, respeitando o anima-us, para servir de base ao estudo
psicológico do ser humano que, embora a diferença de sexo, as emoções se
equivalem, as aspirações são idênticas, as ansiedades e alegrias são características
do seu comportamento.
A saúde, a paz de espírito,
o equilíbrio emocional e psicológico, a harmonia doméstica, a confiança, a
alegria de viver podem ser considerados ovelhas
e dracmas valiosas que todos
estimam e lutam por preservar. Nada obstante, as circunstancias do transito
carnal, não poucas vezes, criam situações difíceis e perdem-se alguns desses
valores ou, pelo menos, um deles, essencial à vitória e ao bem-estar. È sábio
que, não considerando os outros tesouros, empenha-se por buscar o que foi
perdido, lutando com tenacidade até encontrá-lo e, ao tê-lo novamente, quanto
júbilo que o invade! Irrompem-lhe a satisfação imensa, o desejo de anunciar a
todos: amigos, vizinhos e conhecidos a alegria de que se encontra tomado pela
recuperação do que havia perdido e voltou a fazer parte da sua existência.
Todos os indivíduos conduzem
no inconsciente individual a sua criança ferida,
magoada, que lhe dificulta a marcha de segurança na busca da paz interior,
da saúde e da vitória sobre as dificuldades.
Essa criança ferida é o ser humano perdido no deserto, ou na casa, que necessita
ser varrida, a fim de retirar as camadas de ressentimentos que impedem a claridade
da razão, do discernimento.
Mediante a reflexão e a
psicoterapia equilibrada, a criança
ferida, libera o adulto encarcerado que não se pode desenvolver e ocorre
uma integração entre a sombra e o ego, proporcionando alegrias inenarráveis
ao Self, que aspira à perfeita junção
das duas fissuras da psique.
Jesus conhecia essa ocorrência,
identificava os opositores internos, e por isso trabalhava com as melhores ferramentas
da bondade e da compaixão, que Lhe constituíam recursos psicoterapêuticos para
oferecer à massa dos sofredores e, ao mesmo tempo, aos adversários soezes que O
não conseguiam perturbar.
As três parábolas da esperança, que são os tesouros arquetípicos
existentes no inconsciente de todos os indivíduos, têm urgência de ser
vencidas, seja num mergulho de reflexão em torno da existência de cada qual,
seja pela observação dos acontecimentos naturais do dia-a dia, trabalhando os
conflitos que decorrem das perdas para que sirvam de alicerces para as resistências
na busca para o encontro.
A sociedade é constituída em
todos os tempos por pessoas como aquelas às quais Jesus deu prioridade, comendo
e bebendo com eles, isto é, sentando-se à mesa da fraternidade, alimentando-se
sem alarde e sem preocupações exteriores das observâncias israelitas,
demonstrando sua preocupação maior com o interior, com a psique, do que com o exterior, o ego, a aparência dissimuladora.
O numero de transtornados
psicologicamente é muito grande, em face da preservação da criança ferida em cada um, dos complexos narcisistas e de
inferioridade, do egoísmo e da presunção que impedem o indivíduo de
autorrealizar-se. Sempre está observando o que não tem, o que ainda não
conseguiu, deixando-se afligir pela imaginação atormentada, fora da realidade
objetiva, perdendo-se...
O encontro somente será factível quando se resolver por
autopenetrar-se, por buscar identificar a raiz do drama conflitivo e
encorajar-se a lutar em favor da libertação, regozijando-se com cada encontro,
cada realização dignificante.
Quem teme o avanço e somente
observa a estrada, permanece impossibilitado de conquistar espaços e alcançar o
cume da montanha dos problemas desafiadores. Passo a passo, etapa a etapa, vão
ficando para trás os marcos das vitórias, pequenas umas, significativas outras,
facultando a integração da própria na Consciência Cósmica sem a perda da sua
individualidade.
Final do texto, porém o
cap.5 CONVIVER E SER continuará na próxima postagem.
Postagem do dia 30/09/2013.