A
TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL
Durante
muito tempo, a tradição, essa transmissão oral da cultura, dos hábitos, passada
de geração a geração, constituía um princípio ético que se deveria respeitar a
qualquer preço, pelo fato de pertencer ao pretérito, havendo-se tornado um
paradigma da evolução. No entanto, nem tudo que a tradição tem transmitido
merece a consideração que lhe era atribuída, sem uma avaliação, empírica, pelo
menos, do seu significado.
O
valor dos conceitos morais não pode ser atribuído a uma tradição que se baseia
na castração e na violência à liberdade de pensamento, de expressão, de
idealismo, submetendo todas as questões ao crivo do aceito e tido como digno de
respeito.
Na educação
doméstica, por exemplo, o temor a Deus e aos pais tornou-se uma tradição que a
experiência científica da psicopedagogia erradicou da sociedade, porquanto toda
forma de submissão pelo medo é punitiva e destruidora, produzindo inimagináveis
danos naqueles que a isso se submetem.
Sendo
a educação o processo de criar hábitos saudáveis, não se pode permitir o
direito de tornar-se virulenta na observação dos seus preceitos, castigando e
impondo-se para ser considerada como legítima. Pelo contrário, deve conquistar
o educando por meio dos recursos poderosos de que se forma, especialmente pelo
sentido de amor e de dignidade de que se reveste.
Por outro
lado, no mesmo campo educacional, o respeito aos pais, aos mestres, aos mais velhos era estabelecido pela
tradição como a obediência a todas e quaisquer imposições, por mais absurdas
que fossem, sem direito a discussão, a análise, a observação racional.
O respeito
é uma conquista que cada um consegue pela maneira como se comporta, pelos atos
e palavras, pela convivência e forma de conquistar os demais. Toda vez que se estabelecem
normas de imposição, violenta-se o livre-arbítrio, o direito de optar-se pela
aceitação do outro com todas as maneiras absurdas que lhe são características. Certamente,
não libera a rebeldia, nem a repulsa, nem a animosidade que resulte da
presunção ou da prepotência daquele que se deseja impor. Mas impõe-se o direito
de considerar os valores reais que formam o caráter de cada qual.
Desse
modo, no imenso elenco de tradições morais, está embutida sempre a submissão
irracional, a aceitação ilógica, violentando a personalidade do outro, daquele
que deve ceder sempre.
Há,
entretanto, tradições morais, sociais, religiosos, culturais louváveis, credoras
da melhor simpatia, que merecem ser experienciadas pelos significados de que se
revestem.
Exemplifiquemos
aquela que diz respeito ao amor que deve existir entre os membros de uma mesma
família. Essa propositura deseja estabelecer o clima de amizade e de
consideração que se faz necessário no clã familiar, de modo que se preparem os
indivíduos para a convivência geral com as demais pessoas pertencentes aos mais
diferentes grupos e etnias. O treinamento no lar, mesmo com aqueles que são inamistosos
por motivos diversos, inclusive pelas injunções de contingencias pregressas,
vividas em existências anteriores, auxilia o comportamento racional para as dificuldades
que sempre surgem no grupo social e para a real compreensão dos problemas que
afligem outras pessoas, tornando-as incapazes para uma convivência produtiva.
Sendo
o lar um laboratório para a formação da personalidade, do caráter, dos sentimentos,
a proposta da afeição recíproca entre os membros da família contribui para o
equilíbrio emocional de todos, mesmo que se registrando diferenças de conduta,
de companheirismo, de fraternidade, o que não se pode transformar em campo de
batalha, reduto de ódios recíprocos, desenvolvimento de emoções reativas de uns
contra os outros.
O exercício
da tolerância que reveste a amizade em predominando entre os familiares supera
as antipatias, por acaso existentes, terminando por gerar um clima de respeito
entre todos, cada qual com a sua maneira de ser.
Em outros
aspectos, igualmente há tradição de conduta que valem a pena analisar-se para
lhes dar expansão, mas não generalizando-as somente porque são remanescentes do
passado, quando os valores éticos possuem outra significação.
Desse
modo, as tradições absurdas que violentam a personalidade e que ainda se mantém
nos redutos mais severos e engessados da sociedade, seja por motivos religiosos
ou políticos, de moral suspeita ou de outra natureza, respondem pela perda do
significado existencial de muitos indivíduos que desde a infância recalcam os
sentimentos, as aspirações, e anelam pela liberdade, pelo momento de poderem
viver conforme os seus padrões ou o daqueles que são observados fora do seu circulo
familiar.
Cada
vez se torna inadiável a conduta do indivíduo que deve ligar-se a si mesmo,
demorando-se em análise dos seus recursos e aplicando-os, ampliando o circulo
das suas aspirações e lutando, avançando sobre os impedimentos com a tenacidade
de quem os vencerá ou os contornará, a fim de encontrar a sua missão, a sua
vida, descobrindo a própria transcendência, o significado em relação a outra
vida, a outras pessoas, ao mundo em que se encontra. A preocupação aparente
consigo próprio tem o sentido de crescimento interior e de desenvolvimento das
suas possibilidade para os colocar a serviço dos demais, não se detendo em si,
mas avançando na direção do grupo, no rumo da humanidade. Deve ir além do ego,
para ultrapassar os limites estreitos da sua realidade. Assim procedendo, será
fácil o encontro com a transcendência, com a realidade existencial, podendo
lutar com denodo e sem descanso, mas emoldurado por fascinante alegria de
viver.
Quem
assim não procede enfurna-se na autocomiseração, buscando a falsa autorrealização
de sentido egoísta.
A vida
vale pelo que se lhe acrescenta de bom, de belo, de útil, sem a valorização
demasiada do empenho para consegui-lo.
O individuo
necessita de um comportamento rico de religiosidade, isto é, de convicção
interior, não de uma religião formal que muitas vezes o entorpece na ritualística
ou na presunção de ser eleito em detrimento dos outros. Pelo contrário, é
necessário estimulá-lo a desenvolver a consciência de que todo serviço
dignificante e operoso é ato de religiosidade, de entrega emocional
compensadora pela alegria de agir e de produzir.
Se lhe
é possível vincular esse comportamento a uma religião que o impulsione ao
crescimento ético e à liberdade de ação fraternal sem impedimento ou
preconceito, mais fácil será a conquista dessa transcendência que responde pelo
sentido existencial.
Enriquecido
de emoções que se renovam em alegria e bem-estar, uma imensa gratidão por
existir, por estar apto a servir, por poder contribuir em favor de todos,
assoma do íntimo e o veste, iluminando-o, dando-lhe brilho ao olhar e
entusiasmo para viver, rompendo-lhe todos os limites, embora anele pelo
infinito.
Nesse
esforço fascinante ocorre a perfeita integração do eixo ego-self, o desaparecimento dos resíduos
ancestrais, numa renovação que faz lembrar a transformação da lagarta lenta que
se arrasta na borboleta leve e colorida que flutua no ar suave da natureza,
após o sono que lhe proporciona a histólise e a histogênese...
No processo
da transcendência, não poucas vezes ocorre esse letargo: um desinteresse pelo
convencional, pelos impositivos das tradições, uma insatisfação interior
incomoda em torno dos padrões vivenciais, para logo ter lugar um processo de
histólise psicológica a fim de alcançar a histogênese emocional e libertar-se
do mecanismo pesado que sempre retém o idealista na dificuldade para discernir
e encontrar o sentido existencial da vida...
Final
do texto, A TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL, porém o cap.8, a gratidão como terapêutica existencial, do livro Psicologia da Gratidão,
escrito por Divaldo Pereira Franco Espírito Joanna de Ângelis.
Postado
dia,22/10/13.
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