terça-feira, 22 de outubro de 2013


A TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL

Durante muito tempo, a tradição, essa transmissão oral da cultura, dos hábitos, passada de geração a geração, constituía um princípio ético que se deveria respeitar a qualquer preço, pelo fato de pertencer ao pretérito, havendo-se tornado um paradigma da evolução. No entanto, nem tudo que a tradição tem transmitido merece a consideração que lhe era atribuída, sem uma avaliação, empírica, pelo menos, do seu significado.
O valor dos conceitos morais não pode ser atribuído a uma tradição que se baseia na castração e na violência à liberdade de pensamento, de expressão, de idealismo, submetendo todas as questões ao crivo do aceito e tido como digno de respeito.
Na educação doméstica, por exemplo, o temor a Deus e aos pais tornou-se uma tradição que a experiência científica da psicopedagogia erradicou da sociedade, porquanto toda forma de submissão pelo medo é punitiva e destruidora, produzindo inimagináveis danos naqueles que a isso se submetem.
Sendo a educação o processo de criar hábitos saudáveis, não se pode permitir o direito de tornar-se virulenta na observação dos seus preceitos, castigando e impondo-se para ser considerada como legítima. Pelo contrário, deve conquistar o educando por meio dos recursos poderosos de que se forma, especialmente pelo sentido de amor e de dignidade de que se reveste.
Por outro lado, no mesmo campo educacional, o respeito aos pais, aos mestres, aos mais velhos era estabelecido pela tradição como a obediência a todas e quaisquer imposições, por mais absurdas que fossem, sem direito a discussão, a análise, a observação racional.
O respeito é uma conquista que cada um consegue pela maneira como se comporta, pelos atos e palavras, pela convivência e forma de conquistar os demais. Toda vez que se estabelecem normas de imposição, violenta-se o livre-arbítrio, o direito de optar-se pela aceitação do outro com todas as maneiras absurdas que lhe são características. Certamente, não libera a rebeldia, nem a repulsa, nem a animosidade que resulte da presunção ou da prepotência daquele que se deseja impor. Mas impõe-se o direito de considerar os valores reais que formam o caráter de cada qual.
Desse modo, no imenso elenco de tradições morais, está embutida sempre a submissão irracional, a aceitação ilógica, violentando a personalidade do outro, daquele que deve ceder sempre.
Há, entretanto, tradições morais, sociais, religiosos, culturais louváveis, credoras da melhor simpatia, que merecem ser experienciadas pelos significados de que se revestem.
Exemplifiquemos aquela que diz respeito ao amor que deve existir entre os membros de uma mesma família. Essa propositura deseja estabelecer o clima de amizade e de consideração que se faz necessário no clã familiar, de modo que se preparem os indivíduos para a convivência geral com as demais pessoas pertencentes aos mais diferentes grupos e etnias. O treinamento no lar, mesmo com aqueles que são inamistosos por motivos diversos, inclusive pelas injunções de contingencias pregressas, vividas em existências anteriores, auxilia o comportamento racional para as dificuldades que sempre surgem no grupo social e para a real compreensão dos problemas que afligem outras pessoas, tornando-as incapazes para uma convivência produtiva.
Sendo o lar um laboratório para a formação da personalidade, do caráter, dos sentimentos, a proposta da afeição recíproca entre os membros da família contribui para o equilíbrio emocional de todos, mesmo que se registrando diferenças de conduta, de companheirismo, de fraternidade, o que não se pode transformar em campo de batalha, reduto de ódios recíprocos, desenvolvimento de emoções reativas de uns contra os outros.
O exercício da tolerância que reveste a amizade em predominando entre os familiares supera as antipatias, por acaso existentes, terminando por gerar um clima de respeito entre todos, cada qual com a sua maneira de ser.
Em outros aspectos, igualmente há tradição de conduta que valem a pena analisar-se para lhes dar expansão, mas não generalizando-as somente porque são remanescentes do passado, quando os valores éticos possuem outra significação.
Desse modo, as tradições absurdas que violentam a personalidade e que ainda se mantém nos redutos mais severos e engessados da sociedade, seja por motivos religiosos ou políticos, de moral suspeita ou de outra natureza, respondem pela perda do significado existencial de muitos indivíduos que desde a infância recalcam os sentimentos, as aspirações, e anelam pela liberdade, pelo momento de poderem viver conforme os seus padrões ou o daqueles que são observados fora do seu circulo familiar.
Cada vez se torna inadiável a conduta do indivíduo que deve ligar-se a si mesmo, demorando-se em análise dos seus recursos e aplicando-os, ampliando o circulo das suas aspirações e lutando, avançando sobre os impedimentos com a tenacidade de quem os vencerá ou os contornará, a fim de encontrar a sua missão, a sua vida, descobrindo a própria transcendência, o significado em relação a outra vida, a outras pessoas, ao mundo em que se encontra. A preocupação aparente consigo próprio tem o sentido de crescimento interior e de desenvolvimento das suas possibilidade para os colocar a serviço dos demais, não se detendo em si, mas avançando na direção do grupo, no rumo da humanidade. Deve ir além do ego, para ultrapassar os limites estreitos da sua realidade. Assim procedendo, será fácil o encontro com a transcendência, com a realidade existencial, podendo lutar com denodo e sem descanso, mas emoldurado por fascinante alegria de viver.
Quem assim não procede enfurna-se na autocomiseração, buscando a falsa autorrealização de sentido egoísta.
A vida vale pelo que se lhe acrescenta de bom, de belo, de útil, sem a valorização demasiada do empenho para consegui-lo.
O individuo necessita de um comportamento rico de religiosidade, isto é, de convicção interior, não de uma religião formal que muitas vezes o entorpece na ritualística ou na presunção de ser eleito em detrimento dos outros. Pelo contrário, é necessário estimulá-lo a desenvolver a consciência de que todo serviço dignificante e operoso é ato de religiosidade, de entrega emocional compensadora pela alegria de agir e de produzir.
Se lhe é possível vincular esse comportamento a uma religião que o impulsione ao crescimento ético e à liberdade de ação fraternal sem impedimento ou preconceito, mais fácil será a conquista dessa transcendência que responde pelo sentido existencial.

Enriquecido de emoções que se renovam em alegria e bem-estar, uma imensa gratidão por existir, por estar apto a servir, por poder contribuir em favor de todos, assoma do íntimo e o veste, iluminando-o, dando-lhe brilho ao olhar e entusiasmo para viver, rompendo-lhe todos os limites, embora anele pelo infinito.
Nesse esforço fascinante ocorre a perfeita integração do eixo ego-self, o desaparecimento dos resíduos ancestrais, numa renovação que faz lembrar a transformação da lagarta lenta que se arrasta na borboleta leve e colorida que flutua no ar suave da natureza, após o sono que lhe proporciona a histólise e a histogênese...
No processo da transcendência, não poucas vezes ocorre esse letargo: um desinteresse pelo convencional, pelos impositivos das tradições, uma insatisfação interior incomoda em torno dos padrões vivenciais, para logo ter lugar um processo de histólise psicológica a fim de alcançar a histogênese emocional e libertar-se do mecanismo pesado que sempre retém o idealista na dificuldade para discernir e encontrar o sentido existencial da vida...
Final do texto, A TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL, porém  o cap.8, a gratidão como terapêutica existencial, do livro Psicologia da Gratidão, escrito por Divaldo Pereira Franco Espírito Joanna de Ângelis.

Postado dia,22/10/13.

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