O
SIGNIFICADO DA GRATIDÃO
A
palavra gratidão vem do latim gratia que
quer dizer graça, gratus, agradável. Reconhecimento
agradável por tudo que se recebe ou é concedido.
O
entendimento da gratidão surge como a
mais elevada expressão do amadurecimento psicológico do indivíduo, que o leva à
viver o sentimento enobrecido.
Os
hábitos de receber ajuda e proteção desde a concepção, passando pelo
desenvolvimento fetal até a idade adulta, sem a consciência do que lhe servem
ou recebe, constrói um ego interessado apenas em fruir sem ter responsabilidades.
Somando
favores que o promovem, só tem a compreensão do que lhe é oferecido quando o
discernimento apresenta-se na personalidade e o chama ou convida, para a contribuição
pessoal. Não habituado a repartir, torna-se arrogante e presunçoso, acreditando-se
com méritos que ainda não conquistou.
Quando
os instintos abrem espaços para as emoções, o amor ensaia os primeiros passos pela
bondade, gentileza com os outros, exteriorizando
o crescimento ético-moral. O amor mostra-se, pelo desejo de servir, de
contribuir, de ser grato...
Nessa
fase, o significado existencial é muito importante, o que possibilita a mudança
do comportamento egoísta e exteriorizando as primeiras expressões de amabilidade,
de dedicação ao próximo desinteressada.
O
sentido de retribuição se expressa a medida que o sentimento afetivo se
desenvolve.
Inicia
como uma emoção-dever, que contribui com a libertação da busca de acumular e
reter. O que faz se compreenda que no
universo tudo é movimento, numa forma de dar e receber, conceder e retribuir, e
que a conduta sem movimento é responsável pela instalação de enfermidades,
desajustes e morte.
A
recompensa, maneira simples de retribuir, é primeiro passo no caminho da
gratidão.
Poucas
vezes o adulto sente a emoção espontânea de agradecer, de bendizer a todos que
contribuíram de forma automática, é certo, mas também pela afetividade, para
que ele estivesse hoje no patamar onde se encontra e movimenta. Quando se
conscientiza dessa evocação, a alegria instala-se no seu ser. Não há exigência diante
de qualquer carência ou reclamação por não ter usufruído benefícios que antes pareciam muito importante.
Pensa que age também por hábito em benefício de outras vidas, da ordem, do
progresso, do bem, ou, infelizmente, pelos fenômenos perturbadores que invadem
a sociedade... percebe-se no contexto social, sem definição, sem sentido
existencial feliz, deixando-se levar pelos acontecimentos...
O despertamento para a
gratidão começa por uma forma de louvar a tudo e a todos.
O
santo seráfico de Assis, ao atingir o estado numinoso, logo glorificou no seu canto de gratidão, ora doce, ora suave,
o hino por todas as criaturas: irmão Sol, irmã Lua, irmã chuva, vegetais,
animais e tudo que vibra e glorifica a criação.
Quanto
mais exaltava o que a muitos parece insignificante ou sem valor, a sua riqueza gratulatória conseguia dignificar, exaltando-lhes as qualidades.
Conforme
um filósofo popular, a beleza da paisagem está nos olhos de quem a contempla.
Não é exatamente assim o que ocorre, mas existe uma alta dose de razão no
conceito, porque somente quem possui beleza e harmonia pode ver e sentir onde
quer que se encontrem. Não havendo essa sensibilidade, não tem como
distinguir-se o banal do especial, o grotesco do belo, e assim por diante.
A gratidão,
legítima, pede que na intimidade da criatura haja esse encanto pela vida, o que
a torna preciosa em qualquer forma que se apresente, que se compreenda a magia
do existir, percebendo-se as dádivas que se multiplicam em inúmeras expressões
de intercâmbio.
E
assim, o ingrato é aquele que se mantém no processo de primarismo, que ainda
não percebe o objetivo essencial da existência. Criança maltratada que se detém
na injuria e nas circunstancias iniciais do desenvolvimento ético e moral. Que
se nega a crescer, guardando ressentimentos de acontecimentos de pequena ou
grande monta, que encontraram aceitação emocional profunda, marcando com revolta
o desenvolvimento emocional. Ninguém pode crescer emocionalmente se reage aos
fatores que propiciam o mecanismo de maturação. É preciso deixar-se triturar
pelos acontecimentos e superá-los pela autoestima e o autorreconhecimento.
A
gratidão é sempre com relação ao outro, aos fenômenos existenciais, nunca ao
orgulho e à presunção. Como se pode ser reconhecido a si mesmo, sem cair no ego
sem discernimento ou sem compreensão? Como ser grato ao ego, que ainda não conseguiu
liberar o self, responsável pela grandeza do ser em aprimoramento? Tomemos como
imagem para refletir a concha bivalve da ostra que não permite que se retire a
pérola nela aprimorada. Para que tenha sentido real, rompe-se a crosta forte e
esplende a gema pálida e notavelmente construída.
Quase
sempre é através da ruptura, da fissão que
se pode encontrar além do exterior a pérola adormecida na intimidade de
tudo: o diamante mergulhado no carvão grosseiro, a estrela escondida além da
nuvem e da poeira cósmica...
Agradecer
é inebriar-se de emoção lúcida e consciente da realidade existencial, mas não apenas
pelo que se recebe, também pelo que se gostaria de conseguir e pelo que ainda
não se é emocionalmente.
Despojando-se
da escravidão da posse, irisa-se o ser de bênçãos que esparze em sinfonia de
gratidão.
Agradecer
o bem que se frui como o mal que não aconteceu ainda, e, quando ocorra, fazer o
mesmo, tendo em vista que somente ocorre o que é necessário para o crescimento
espiritual, de acordo com o programado pela lei de causa e efeito.
Gratidão
é como luz na sua velocidade percorrendo os espaços e clareando o percurso, sem
se dar conta, sem o propósito de diluir-se no facho incandescente da sua
conquista.
Uma
das razões fundamentais para o surgimento e expressão da gratidão é o estímulo trazido pela humildade fazendo com que se
compreenda o quanto se recebe, desde o ar que se respira gratuitamente até os fenômenos
automáticos do organismo, que preserva a vida.
Nessa
percepção da humildade, ressuma o sentimento de alegria por tudo quanto é feito
por outros, mesmo que sem ter ciência, em favor, em benefício dos demais. Essa
identificação traz o amadurecimento psicológico, permitindo compreender-se que
ninguém é autossuficiente a ponto de não
depender de nada ou de ninguém, numa soberba que mostra a fragilidade
emocional.
Sem
esse sentimento de identificação das manifestações gloriosas do existir, a gratulação não vai além da presunção
de devolver, de nada ficar-se devendo a outrem, de passar incólume pelos
caminhos existenciais, sem débitos...
Quando
se é grato, alcança-se a individuação que liberta. Para se atingir, esse nível,
o caminho é longo, atraente, fascinante e desafiador.
Final
da segunda leitura do texto. Do livro PSICOLOGIA
DA GRATIDÃO, de Divaldo Franco/Joanna de Ângelis.
Postado
dia 22/11/13.
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