sexta-feira, 22 de novembro de 2013


O SIGNIFICADO DA GRATIDÃO 

A palavra gratidão vem do latim gratia que quer dizer  graça, gratus, agradável. Reconhecimento agradável por tudo que se recebe ou é concedido. 

O entendimento da gratidão surge como a mais elevada expressão do amadurecimento psicológico do indivíduo, que o leva à viver o sentimento enobrecido. 

Os hábitos de receber ajuda e proteção desde a concepção, passando pelo desenvolvimento fetal até a idade adulta, sem a consciência do que lhe servem ou recebe, constrói um ego interessado apenas em fruir sem  ter responsabilidades. 

Somando favores que o promovem, só tem a compreensão do que lhe é oferecido quando o discernimento apresenta-se na personalidade e o chama ou convida, para a contribuição pessoal. Não habituado a repartir, torna-se arrogante e presunçoso, acreditando-se com méritos que  ainda não conquistou. 

Quando os instintos abrem espaços para as emoções, o amor ensaia os primeiros passos pela  bondade, gentileza com os outros, exteriorizando o crescimento ético-moral. O amor mostra-se, pelo desejo de servir, de contribuir, de ser grato... 

Nessa fase, o significado existencial é muito importante, o que possibilita a mudança do comportamento egoísta e exteriorizando as primeiras expressões de amabilidade, de dedicação ao próximo desinteressada. 

O sentido de retribuição se expressa a medida que o sentimento afetivo se desenvolve.  

Inicia como uma emoção-dever, que contribui com a libertação da busca de acumular e reter. O que faz  se compreenda que no universo tudo é movimento, numa forma de dar e receber, conceder e retribuir, e que a conduta sem movimento é responsável pela instalação de enfermidades, desajustes e morte. 

A recompensa, maneira simples de retribuir, é primeiro passo no caminho da gratidão. 

Poucas vezes o adulto sente a emoção espontânea  de agradecer, de bendizer a todos que contribuíram de forma automática, é certo, mas também pela afetividade, para que ele estivesse hoje no patamar onde se encontra e movimenta. Quando se conscientiza dessa evocação, a alegria instala-se no seu ser. Não há exigência diante de qualquer carência ou reclamação por não ter usufruído  benefícios que antes pareciam muito importante. Pensa que age também por hábito em benefício de outras vidas, da ordem, do progresso, do bem, ou, infelizmente, pelos fenômenos perturbadores que invadem a sociedade... percebe-se no contexto social, sem definição, sem sentido existencial feliz, deixando-se levar pelos acontecimentos... 

O despertamento para a gratidão começa por uma forma de louvar a tudo e a todos. 

O santo seráfico de Assis, ao atingir o estado numinoso, logo glorificou no seu canto de gratidão, ora doce, ora suave, o hino por todas as criaturas: irmão Sol, irmã Lua, irmã chuva, vegetais, animais e tudo que vibra e glorifica a criação. 

Quanto mais exaltava o que a muitos parece insignificante ou sem valor, a sua riqueza gratulatória conseguia dignificar, exaltando-lhes as qualidades. 

Conforme um filósofo popular, a beleza da paisagem está nos olhos de quem a contempla. Não é exatamente assim o que ocorre, mas existe uma alta dose de razão no conceito, porque somente quem possui beleza e harmonia pode ver e sentir onde quer que se encontrem. Não havendo essa sensibilidade, não tem como distinguir-se o banal do especial, o grotesco do belo, e assim por diante. 

A gratidão, legítima, pede que na intimidade da criatura haja esse encanto pela vida, o que a torna preciosa em qualquer forma que se apresente, que se compreenda a magia do existir, percebendo-se as dádivas que se multiplicam em inúmeras expressões de intercâmbio.

E assim, o ingrato é aquele que se mantém no processo de primarismo, que ainda não percebe o objetivo essencial da existência. Criança maltratada que se detém na injuria e nas circunstancias iniciais do desenvolvimento ético e moral. Que se nega a crescer, guardando ressentimentos de acontecimentos de pequena ou grande monta, que encontraram aceitação emocional profunda, marcando com revolta o desenvolvimento emocional. Ninguém pode crescer emocionalmente se reage aos fatores que propiciam o mecanismo de maturação. É preciso deixar-se triturar pelos acontecimentos e superá-los pela autoestima e o autorreconhecimento. 

A gratidão é sempre com relação ao outro, aos fenômenos existenciais, nunca ao orgulho e à presunção. Como se pode ser reconhecido a si mesmo, sem cair no ego sem discernimento ou sem compreensão? Como ser grato ao ego, que ainda não conseguiu liberar o self, responsável pela grandeza do ser em aprimoramento? Tomemos como imagem para refletir a concha bivalve da ostra que não permite que se retire a pérola nela aprimorada. Para que tenha sentido real, rompe-se a crosta forte e esplende a gema pálida e notavelmente construída. 

Quase sempre é através da ruptura, da fissão que  se pode encontrar além do exterior a pérola adormecida na intimidade de tudo: o diamante mergulhado no carvão grosseiro, a estrela escondida além da nuvem e da poeira cósmica... 

Agradecer é inebriar-se de emoção lúcida e consciente da realidade existencial, mas não apenas pelo que se recebe, também pelo que se gostaria de conseguir e pelo que ainda não se é emocionalmente. 

Despojando-se da escravidão da posse, irisa-se o ser de bênçãos que esparze em sinfonia de gratidão.

Agradecer o bem que se frui como o mal que não aconteceu ainda, e, quando ocorra, fazer o mesmo, tendo em vista que somente ocorre o que é necessário para o crescimento espiritual, de acordo com o programado pela lei de causa e efeito. 

Gratidão é como luz na sua velocidade percorrendo os espaços e clareando o percurso, sem se dar conta, sem o propósito de diluir-se no facho incandescente da sua conquista. 

Uma das razões fundamentais para o surgimento e expressão da gratidão é o estímulo trazido pela humildade fazendo com que se compreenda o quanto se recebe, desde o ar que se respira gratuitamente até os fenômenos automáticos do organismo, que preserva a vida. 

Nessa percepção da humildade, ressuma o sentimento de alegria por tudo quanto é feito por outros, mesmo que sem ter ciência, em favor, em benefício dos demais. Essa identificação traz o amadurecimento psicológico, permitindo compreender-se que ninguém é autossuficiente a  ponto de não depender de nada ou de ninguém, numa soberba que mostra a fragilidade emocional. 

Sem esse sentimento de identificação das manifestações gloriosas do existir, a gratulação não vai além da presunção de devolver, de nada ficar-se devendo a outrem, de passar incólume pelos caminhos existenciais, sem débitos... 

Quando se é grato, alcança-se a individuação que liberta. Para se atingir, esse nível, o caminho é longo, atraente, fascinante e desafiador. 

Final da segunda leitura do texto. Do livro PSICOLOGIA DA GRATIDÃO, de Divaldo Franco/Joanna de Ângelis.

Postado dia 22/11/13.

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