O
BEM E O MAL
Desde quando a razão e a
consciência começaram a desenvolver-se no ser humano, a dicotomia do bem e do
mal se apresentou de maneira conflitiva.
Antes, no período da vivência
no mitológico Jardim do Éden, a inocência não pôde identificar o que
significava o bem, o que representava o mal, em razão do estado paradisíaco de
total ignorância moral. No momento em que os impulsos, especialmente os da
sexualidade, quebraram a harmonia existente, impondo-se, tudo era natural, porque
defluente das necessidades biológicas. Lentamente, porém, os sentimentos e o
discernimento apresentaram-se para estabelecer o que era edificante em relação
ao que se fazia perturbador e destrutivo. Nesse surgimento do Self, percebeu-se a necessidade de estabelecer-se critérios,
iniciando-se pela condenação do incesto, proibindo-se e impedindo-se
comportamentos que se consideravam perniciosos, dando lugar ao claro-escuro da
fronteira entre o bem e o mal.
Com a sucessão do tempo,
estabeleceram-se diretrizes definidoras do que representa um como o outro
valor.
As diversas doutrinas
religiosas do oriente e as filosofias do ocidente apresentaram normativas de
significação para a felicidade e a vivencia do que se considerava o bem em
detrimento dos comportamentos que produzem o mal.
O maniqueísmo, por exemplo,
criado por Manés, nascido na Pérsia, no século lll d.C. depois do aparecimento de um anjo, por duas vezes, levou-o
a selecionar os princípios de algumas doutrinas orientais existentes, do
zoroastrismo e do cristianismo, estabelecendo que o bem e o mal estão presentes
na vida de todos os indivíduos e que o mundo encontra-se dividido
exclusivamente nessas duas constantes, sendo o objetivo da existência a vitória
da luz contra a treva, da verdade contra a impostura...
O maniqueísmo espalhou-se
com muita facilidade pelo mundo de então, apresentado os dois lados do comportamento
em forma de sombra e de claridade, no qual os justos, que a tudo renunciassem,
lograriam a plenitude.
Embora o cristianismo, muito
antes, mantivesse, de certo modo, a mesma observância, o conceito de Jesus a
esse respeito é mais amplo, demonstrando que todas as experiências humanas
contribuem para o processo de libertação do ser, da ignorância que nele
predomina, sendo o mal uma conjuntura transitória, na qual somente o bem tem
prevalência. O apóstolo Paulo, por sua vez, prescreveu que se deve vencer o mal com o bem.
Essas propostas, especialmente
a maniqueísta, ainda em voga, são portadoras de comportamentos fanáticos,
definitivos, gerando graves conflitos na cultura, na sociedade, porque, aquilo
e aquele que são bons, que representam o bem para determinado segmento humano,
são maus para outro...
Condutas consideradas
aceitas e dignas em um povo recebem reproche de outro, que as tem em condição
de agressividade e de primitivismo.
Esses conceitos, portanto,
não podem ser considerados de modo absoluto.
O que significa, porém, o
bem? Tudo aquilo que contribui em favor da vida, do seu desenvolvimento ético e
moral, a sua construção edificante e propiciadora de satisfações emocionais, é
considerado como o bem. Necessário, no entanto, evitar confundir o de natureza
física com a emoção de harmonia, de equilíbrio interior, de felicidade que se
adquire por meio de pensamentos, palavras e ações dignificantes, não geradoras
de culpa.
O mal, por sua vez, é tudo
quanto gera aflição, que se transforma em problema, que trabalha pelo prejuízo
de outrem e do grupo social, levando ao desconforto moral, à destruição... Entretanto,
do ponto de vista educacional, se for observada criteriosamente essa ocorrência,
poder-se-á constatar que muito mal de determinado momento, administrado
corretamente pode transformar-se em grande bem. Por outro lado, o que pode
parecer um mal para determinado indivíduo, proporciona-lhe o despertar da consciência,
o caminho que o levará ao autodescobrimento.
A dificuldade, muitas vezes,
em diferenciar-se no íntimo, o que é bem e o que é mal, dá origem à sombra, que também tem raízes no ego dominador e arbitrário.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, interrogou os
Espíritos superiores, conforme a questão de nº 630:
Como
se pode distinguir o bem do mal?
E eles responderam:
“O bem é tudo o que é
conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é
proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”
O ser humano é portador de fenômenos
lógicos, que nem sempre sabe discernir, que se apresentam conscientes e
inconscientes. Inicialmente, no processo evolutivo era todo instinto e paixão
adquirindo através do desenvolvimento antropológico da evolução a consciência de
si, a conquista da razão, dentro de uma área restrita, que ainda não pode
abarcar a totalidade das ocorrências interiores e emocionais, auxiliando-o no comportamento
mais compatível com o estágio de lucidez alcançada.
No seu íntimo estão os
desejos do prazer ou gozo e a realidade, conforme as conclusões do eminente
Freud. Esses impulsos dominadores têm, no entanto que enfrentar a cultura de
cada época, os hábitos estabelecidos, os códigos impostos, dando lugar a que as
pulsões fossem erradamente
consideradas como manifestações demoníacas, forças que o arrastariam para o
sofrimento, mais tarde decodificado como o Inferno das religiões castradoras.
Para superar o mal que nele
existe, vem-se tornando necessário que estabeleça variados símbolos de transferência
ou de projeção, para superar a situação incomoda em que transita. Por essa razão, os sentimentos
perversos do ódio, dos desejos irrefreáveis, dos ciúmes, das ambições desmedidas
levam-no a transferi-los para outros indivíduos que passam a figurar como as representações
demoníacas ou satânicas, suas adversárias. É certo que esse mecanismo ocorre de
maneira inconsciente, em forma de fuga da situação vigente para a transformação
dirigida ao bem que busca inconscientemente.
Nessa visão torpe e insensata,
surge a luta feroz, mediante a qual o bem deve destruir o mal, na qual se devem
envidar todos os esforços, mesmo os mais infames para a vitória, que não passa
de derrota interior, porque os mecanismos de batalha são nefastos, portanto,
igualmente maus...
Aqui damos uma pausa no
texto, prometendo na próxima postagem retomar o mesmo. Fiquem atentos pois o tema
é bastante interessante.
Postado dia 11/11/13.
Nenhum comentário:
Postar um comentário