GRATIDÃO COMO CAMINHO PARA A
INDIVIDUAÇÃO
Toda a existência humana é
uma jornada formosa que capacita o indivíduo para a conquista dos elevados
objetivos psicológicos a que se propõe.
Uma vida sem significado psicológico
é uma existência destituída de sentido e de busca. Reduz-se ao amontoado de
fenômenos fisiológicos, em que os automatismos funcionam com mais vigor do que
os sentimentos e as expressões da razão, do discernimento, que, embora ainda
adormecidos, surgem e desaparecem, não logrando ser aplicados pelo self.
A predominância do ego é
caracterizada pelos interesses mesquinhos, num estágio de consciência de sono,
sem imediatos vislumbres da realidade.
Não havendo ideais
relevantes, o sentido existencial é tímido, contentando-se com as satisfações
orgânicas e os prazeres dos instintos, encarcerados nas sensações. Faltando a
capacidade da estesia e da estética, da emotividade superior, a sombra mantém-se
vigilante e ativa, elegendo apenas aquilo que lhe basta, fazendo o ser humano transitar
entre as alegrias sensoriais e os desencantos físicos. Enquanto, porém,
consegue manter os gozos, tudo segue bem e lhe é suficiente até o instante em
que outros fenômenos inevitáveis, aqueles que atingem o corpo no processo degenerativo,
tais como as enfermidades, os transtornos emocionais, as dificuldades sociais e
a perda daquilo em que se compraz, transformam a caminhada terrestre num
martírio, num verdadeiro sofrimento em que a revolta e a queixa se instalam
perversamente.
A lei de progresso, já
referida, encarrega-se de impulsionar o Espirito, mesmo quando negligente e
irresponsável, a outras experiências que o despertem para o vir a ser. O sofrimento
de qualquer matiz é normalmente o instrumento de que a vida se utiliza para
demonstrar ao inadvertido que a existência física não é uma viagem agradável
exclusivamente, ao desfrutar dos contentamentos imediatos, sem nenhum respeito
pelo esforço pessoal, pelas lutas e mesmo pelas reflexões afligentes que alteram
a percepção da realidade.
Na claridade dos dias de júbilos,
o discernimento ainda embrionário não consegue romper as algemas do primarismo
para entender a necessidade do crescimento ético e da real conquista da saúde. Esse
trânsito do adormecimento para o despertar sempre se apresenta quando se é obrigado
a caminhar pela noite escura da alma, conforme
acentuava São João da Cruz, que a viveu demoradamente até conseguir a
crucificação do ego e das suas paixões, morrendo
em holocausto pessoal, para ressuscitar
em madrugada de bênçãos e de conhecimentos da verdade, perfeitamente lúcido e
feliz.
Quase sempre, porém, quando
se é convidado a transitar por essa noite,
aqueles que ainda não se adaptaram aos processos de mudança dos estágios
inferiores, nos quais as necessidades são
fisiológicas em predominância, para outros menos orgânicos e mais emocionais e
psíquicos, em vez do esforço pelo conseguir, esse paciente rebela-se, entrega-se
aos queixumes, transforma as experiências em rosário de lamentações, de
infelicidade.
Nele permanece a criança maltratada, sempre ansiosa por
apoio e carinho, negando-se ao crescimento psicológico, ao desenvolvimento dos
valores espirituais que existem no seu interior assim como em todos os seres
humanos.
O amadurecimento psicológico
exige não raro muita aflição e cansaço da situação de comodidade que perde o encantamento,
na razão direta em que é vivenciada, produzindo saturação emocional no gozador.
Certo genitor laborioso e
dedicado ao dever tinha um filho que, ao contrário, era fútil, vivendo como
parasita explorador do pai. Aplicava o tempo nos gozos materiais e na consumpção
das energias morais, mesmo que escassas.
O pai, maduro e sábio,
sempre o advertia e lhe explicava que, pelo fenômeno natural da vida, seria o
primeiro a morrer, e que os haveres, por mais abundantes, quando gastos sem
renovação tendiam para o desaparecimento, para a extinção.
Informava-o que os amigos
que o cercavam não lhe tinham a menor estima, antes se interessavam pelos
recursos de que dispunha e, quando esses escasseassem, também desapareceriam...
Os conselhos soavam como
velha balada conhecida e recusada.
Oportunamente, o idoso
trabalhador mandou construir nos fundos da propriedade um celeiro, colocando no
seu interior uma forca, tendo fixada uma placa informativa com os seguintes dizeres:
”Eu jamais ouvi os conselhos do meu pai”.
Posteriormente, quando tudo
estava concluído, chamou o filho, levou-o ao celeiro e explicou-lhe:
- Filho, encontro-me velho, cansado
e enfermo. Quando eu falecer, tudo que me pertence passará à sua propriedade. Caso
você fracasse, porque atirará fora todos os bens que lhe transfiro, peço-lhe
que me prometa que usará esta forca, como medida de reparação do mal que nos
fez a ambos.
O moço, sem entender
exatamente o que o pai desejava dizer-lhe, silenciou, a fim de o não
contrariar.
O genitor desencarnou tempos
depois e o jovem herdou-lhe os bens, passando a dissipá-los com mais
extravagancias e desperdícios. Pouco tempo transcorrido, deu-se conta de que
havia malbaratado todos os negócios e recursos, e estava reduzido à miséria, à
solidão, até mesmo porque os falsos amigos abandonaram-no.
Recordou-se do pai e chorou
copiosamente. No pranto, recordou-se da promessa que lhe fizera, de que se
enforcaria após o fracasso. Trêmulo de emoção desordenada, dirigiu-se ao
celeiro e lá encontrou a forca assim como os dizeres terríveis. Teve uma iluminação,
concluindo que essa seria a única vez na sua existência em que poderia agradar
ao homem nobre que fora seu pai e sempre vivera decepcionado com a sua conduta.
Subiu então na forca,
colocou o laço no pescoço e atirou-se ao ar...
O braço da engenhoca era oco
e partiu-se caindo dele diversas joias: diamantes, rubis, esmeraldas, uma
verdadeira fortuna com um bilhete, que informava: “Esta é a sua segunda chance.
Eu o amo de verdade. Seu pai...”
A partir dali sua vida tomou
novo rumo e ele mudou completamente a maneira de encarar a oportunidade.
Quando a existência é vã e inútil,
sempre surge uma segunda chance, mas o melhor será que cada um cresça com o
esforço pessoal e saiba aproveitar o processo de amadurecimento, a fim de que
não se veja forçado à mudança após situações desesperadoras.
É inevitável o amadurecimento
psicológico do ser humano, mesmo quando se imponha impedimentos momentâneos.
O filho, como é compreensível,
poderia ter evitado o período de sofrimento e de amargura, caso houvesse
atendido ao pai, agradecido a tudo quanto recebia sem credito ou mérito e
atirava ao desprezo.
Se houvesse cultivado o mínimo
de gratidão, compreenderia que o esforço do genitor, cansado e sempre
trabalhador, merecia pelo menos respeito de sua parte.
A gratidão pode expressar-se como respeito e
consideração pelo que os outros fazem, oferecem e a que se dedicam de
enobrecedor.
A sua ausência dá lugar a um
tipo de cupim emocional que devora interiormente o ser, qual ocorre com aquele
inseto de vida social que se nutre da planta viva ou morta, alimentando-se com
voracidade, enquanto a consome.
Final do texto, porém o cap.
11 parágrafo terá sua continuação na próxima postagem.
Postado dia 06/11/13
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