quarta-feira, 13 de novembro de 2013


 

OS SOFRIMENTOS NO MUNDO 

A dinâmica da vida estrutura-se nas experiências que capacitam o Self à sua plenificação.

Nesse sentido o fenômeno dos sofrimentos faz parte inevitável da conjuntura existencial, constituindo mecanismo de valorização do equilíbrio interior como diretriz de segurança para a vivência do bem-estar.

Acreditar-se na ausência dos sofrimentos no mundo constitui utopia elaborada pela ilusão decorrente do mito a respeito do paraíso perdido, onde tudo contribuía para a felicidade que, certamente, após vivenciada por longo período se tornaria fastidiosa, desinteressante, pela falta de estímulos para novas conquistas e realizações.

O ser humano tem necessidade de constantes desafios que lhe facultam o desenvolvimento de recursos não conhecidos, que despertam sob os estigmas do desconforto pessoal, das dores, das incertezas, das lutas propiciadoras de conquistas novas.

A ânsia de liberdade plena, por si mesma, é geradora de sofrimento quando da impossibilidade existente de eleger-se apenas o bem em detrimento do mal, em face dos impulsos primários e das circunstancias hostis da convivência social, que permanecem ínsitos no inconsciente individual assim como no coletivo...

A estabilidade orgânica, igualmente, é portadora de relatividade muito expressiva, porquanto altera-se a cada momento, pelo processo da renovação celular, das injunções emocionais, dos fatores existenciais e reencarnatórios, produzindo os inevitáveis sofrimentos. Ei-los, portanto, de natureza física, emocional, mental, social, econômica e de outras expressões.

Foi a observância desse sofrimento que levou o príncipe Sidarta Gautama, o Buda, à reflexão de que tudo no mundo é sofrimento, apresentando as suas Quatro nobres verdades, estudando as suas causas e consequências, os mecanismos de libertação e as técnicas da harmonia integral.

Descobrindo a presença da sombra inaceitável para a grande maioria dos seres humanos, ele propôs a compreensão da mesma e sua aceitação, trabalhando o eixo ego-Si mesmo de maneira a diluí-la, quando causada pelo sofrimento ou do sofrimento gerada.

É normal que o indivíduo se pergunte se é livre para eleger a maneira de viver apenas o bem e, claro, que logo defronta com a resposta em torno dos limites dessa liberdade, como efeito das circunstâncias em que transita no corpo. A opção negativa apresenta o efeito do sofrimento hoje como o recurso para a conquista do equilíbrio mais tarde. O denominado mal é uma presença natural no psiquismo, como as experiências negativas do primarismo, que se inscreveram no cerne do ser, definindo os rumos que normalmente se alteram quando a dor se instala e a necessidade de ser feliz apresenta-se em caráter de urgência.

 Aí se originam as experiências reencarnacionistas, mediante as quais, em uma existência se reparam os erros da anterior, transformando em conquista o que antes fora prejuízo, aprimorando os sentimentos e desenvolvendo o intelecto, de modo a enriquecer o Self e predispô-lo à real individuação.

Muitos obstáculos, no entanto, surgem, nesse cometimento, derivados da sombra e de outros arquétipos que são construídos durante a vilegiatura evolutiva.

Nesse sentido, a criatura maltratada que permanece no ser, continua necessitando do colo da mãe, de apoio, de compreensão, a fim de encontrar a libertação que somente existe no esforço pessoal de cada um ou através da orientação lúcida dos estudiosos do comportamento humano, conhecedores da injunção da sombra, do conflito do anima-us, do ego insatisfeito nos processos psicoterapêuticos especializados...

Enquanto permanecem as ambições infantis, disfarçadas de aspirações do amadurecimento psicológico, os sofrimentos no mundo prosseguem dominando as criaturas em todos os seguimentos da sociedade, porque o falso conceito de que bem-estar é ausência de preocupações, de responsabilidades e de enfermidades, predispõe à perda de identidade dos objetivos essenciais à existência, substituídos pelo prazer do imediatismo fisiológico.

Os sofrimentos encontram-se no mundo, porque os Espíritos que o habitam ainda permanecem no período de desenvolvimento ético-moral em que a dor lhes constitui uma necessidade psicológica. Proceder bem, para não sofrer, cumprir os deveres, a fim de não ser penalizado, trabalhar pelo progresso da sociedade para fruir benefícios, tornou-se uma transferência do Deus-temor ancestral pelo negocismo interesseiro, mediante o qual Deus retribui em bênçãos tudo quanto se faz de bom, punindo severamente quando se pratica o mal.

 O mal como o bem são relativos, não podendo ter um caráter de conceituação absolutista, em face dos seus próprios significados, facultando ao discernimento as boas ações como frutíferas para aqueles que as praticam, em razão da satisfação pelo praticá-las e não apenas pelos interesses pessoais em jogo. Quem conduz perfume impregna-se, da mesma forma como ocorre com aquele que carrega putrefação...Quando se opera em termos de saúde emocional e significado psicológico, satisfações profundas ressumam do inconsciente e tomam conta da realidade consciente, estimulando à continuação do comportamento e da plena sintonia com  a imago Dei, ampliando o raio de pensamento na direção de Deus.

Nesse acrisolar do arquétipo divino em si-mesmo, estabelece-se um canal com a Causa Absoluta, proporcionando a conquista do Reino do Céus, portanto, o não-sofrimento, porque, mesmo um desconforto, uma perda, os prejuízos de uma ou de outra natureza deixam de ter a significação que lhes é atribuída, tendo-se em vista o essencial para a psique, que são as aspirações do belo, do quase inatingível, do transcendente...

Os sofrimentos no mundo, portanto, defluem dos dramas existenciais dos indivíduos em desajuste e em carência afetiva, tresmalhados do rebanho, aguardando que o pastor deixe as demais ovelhas para buscá-los. É nessa fase conflitiva que o herói adormecido assume a postura do filho pródigo que parte para um país distante, que são as experiências inusitadas, muitas vezes transformando-se em sofrimentos que trazem de volta ao regaço do pai misericordioso que o aguarda, sempre olhando a estrada que ele deverá percorrer no retorno ao lar.

Por outro lado, podem-se considerar os sofrimentos como talentos que são concedidos para dignificar os seus possuidores que os deverão aplicar de maneira produtiva mantendo a resignação e a coragem, qual aconteceu no mito de Jó, quando esse, testado e espoliado pela Divindade, permaneceu-Lhe totalmente fiel e confiante. Ele amava a Deus, não pelo que dEle havia recebido, mas pelo efeito da Sua paternidade. Apostando com Satã, esse outro mito arquetípico do inconsciente humano, Deus resolveu experimentar Jó para provar que ele Lhe era fiel, e o servo tornou-se digno de receber a recompensa que o levou de volta à paz e a alegria de viver.

Esse Deus, naturalmente antropomórfico, na visão Junguiana, é um tremendum, pelo aspecto aterrador que assumiu, quando, na sua antinomia, apresentou a outra face, a da misericórdia e do amor, recompensando aquele que permanecera confiante, mesmo quando o sofrimento alcançara limites quase insuportáveis.

Compreende-se, desse modo, a resistência de muitos indivíduos que, em si encontrando sob tormentos e aflições inomináveis, permanecem confiantes e seguros da misericórdia divina, em face da certeza de que jamais estão abandonados.

Os mártires de todos os tempos, as vítimas dos holocaustos de todas as épocas deram esse testemunho de Jó, mantiveram o Self, na fragmentação individual da Divindade mesma, harmonizando-se e permanecendo em vinculação com Deus.

Encontramos essa antinomia nos dois Testamentos: no Velho, Deus é inclemente e gosta de ser temido, enquanto que no Novo, é misericordioso e compreensivo, desejando somente ser amado na condição de Pai. Eis, pois, que se encontra presente no Self essa fissão da psique, aguardando a ocorrência da fusão mediante a superação da sombra pela presença do amor.

Aqui interrompo a transcrição do texto por ser um texto longo, porém na próxima postagem estarei concluindo o mesmo, solicito que fiquem atentos. Obrigada.

Postado dia 13/11/13

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