segunda-feira, 31 de março de 2014


 

A TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL

Por muito tempo, a tradição, que é a transmissão oral da cultura, dos hábitos, transmitida de geração a geração, era um princípio ético que se deveria respeitar a qualquer preço, por pertencer ao pretérito,  tornou-se um paradigma da evolução. Porém, nem tudo que a tradição vem transmitindo merece a consideração que lhe era dada, sem uma avaliação, empírica, do seu significado.

O valor dos conceitos morais não pode ser atribuído a uma tradição que se baseia na castração e na violência à liberdade de pensamento, de expressão, de idealismo, submetendo todas as questões ao crivo do aceito e considerado digno de respeito.
Na educação doméstica, por exemplo, o temor a Deus e aos pais tornou-se uma tradição que a experiência científica da psicopedagogia erradicou da sociedade, porquanto toda forma de submissão pelo medo é punitiva e destruidora, produzindo incalculáveis prejuízos nas pessoas que se submetem.
A educação como processo de criar bons hábitos, não tem o direito de tornar-se virulenta na observação dos seus preceitos, castigando e impondo-se para ser considerada  legítima. Mas, conquistar o educando com os recursos poderosos de que se forma, especialmente pelo sentido de amor e dignidade que a envolve.
Por outro lado, no mesmo campo educacional, o respeito aos pais, aos mestres, aos mais velhos era estabelecido pela tradição como obediência a todas e quaisquer imposições, por mais absurdas que fossem, sem direito a discussão, a análise, a observação racional.
O respeito é uma conquista que cada um consegue pela maneira como se comporta, pelos atos e palavras, pela convivência e forma de conquistar os demais. Toda vez que se estabelecem normas de imposição, violenta-se o livre-arbítrio, o direito de optar-se pela aceitação do outro com todas as maneiras absurdas que lhe são características. Certamente, não libera a rebeldia, nem a repulsa, nem a animosidade que resulte da presunção ou da prepotência daquele que se deseja impor. Mas impõe-se o direito de considerar os valores reais que formam o caráter de cada qual.
Desse modo, no imenso elenco de tradições morais, está embutida sempre a submissão irracional, a aceitação ilógica, violentando a personalidade do outro, daquele que deve ceder sempre.
Porém há, tradições morais, sociais, religiosas, culturais louváveis, credoras da melhor simpatia, que merecem ser experienciadas pelos significados de que se revestem.
Como aquela que se refere ao amor que deve haver entre os membros de uma mesma família. Essa proposta busca estabelecer o clima de amizade e consideração necessário no clã familiar, para que se preparem os indivíduos para a convivência geral com as demais pessoas pertencentes aos diferentes grupos e etnias. O treinamento no lar, mesmo com os inamistosos por vários motivos, inclusive pelas imposições de circunstancias anteriores, vividas em existências passadas, auxilia o comportamento racional diante das dificuldades que sempre surgem no grupo social além de favorecer com uma real compreensão dos problemas que afligem outras pessoas, tornando-as incapazes para uma convivência produtiva.
Sendo o lar um laboratório para a formação da personalidade, do caráter, dos sentimentos, a proposta da afeição recíproca entre os membros da família contribui para o equilíbrio emocional de todos, mesmo que se registrando diferenças de conduta, de companheirismo, de fraternidade, o que não se pode transformar em campo de batalha, reduto de ódios recíprocos, desenvolvimento de emoções reativas de uns contra os outros.
O exercício da tolerância que envolve a amizade em predomínio entre os familiares supera as antipatias, que possam existir, criando um clima de respeito entre todos, cada um com a sua maneira de ser.
Também existe tradição de conduta que  importa seja analisada para lhes dar expansão, não generalizando-as apenas por haverem existido no passado, quando os valores éticos tinham outro significado.
Então, as tradições absurdas que violentam a personalidade e que são consevadas nos grupos mais severos e engessados da sociedade, por motivos religiosos ou políticos, de moral suspeita ou de outra ordem, são responsáveis pela perda de significado existencial de indivíduos que desde a infância reprimem os sentimentos, as aspirações, e desejam a liberdade, o momento de poderem viver conforme os seus padrões ou o daqueles  observados fora do seu circulo familiar.
Cada vez se torna inadiável a conduta do indivíduo que deve ligar-se a si mesmo, demorando-se em analise dos seus recursos e aplicando-os, ampliando o circulo das suas aspirações e lutando, avançando sobre as dificuldades com a persistencia de quem os vencerá ou os contornará, para encontrar a sua missão, a sua vida, descobrindo a sua transcendência, o significado com relação a outra vida, a outras pessoas, ao mundo em que se encontra. A preocupação aparente consigo mesmo tem o sentido de crescimento interior e de desenvolvimento das suas possibilidade para os colocar a serviço dos demais, não se detendo em si, mas avançando para o grupo, no direção da humanidade. Deve ir além do ego, para ultrapassar os imites estreitos da sua realidade. Assim agindo, será fácil encontrar com a transcendência, com a realidade existencial, podendo lutar com firmeza e sem descanço, mas envolvido por fascinante alegria de viver.
Quem não age assim mergulha na autocomiseração, buscando a falsa autorrealização de sentido egoísta.
A vida vale pelo que se lhe soma de bom, de belo, de útil, sem a valorização exagerada do esforço para consegui-lo.
O individuo necessita de um comportamento rico de religiosidade, ou seja, de convicção interior, não de uma religião formal que muitas vezes o entorpece na ritualística ou na presunção de ser eleito em detrimento dos outros. Pelo contrário, é necessário estimulá-lo a desenvolver a consciência de que todo serviço dignificante e operoso é ato de religiosidade, de entrega emocional compensadora pela alegria de agir e de produzir.
Se lhe é possível vincular esse comportamento a uma religião que o impulsione ao crescimento ético e à liberdade de ação fraternal sem impedimento ou preconceito, mais fácil será a conquista dessa transcendência responsavel pelo sentido existencial.
Enriquecido de emoções que se renovam em alegria e bem-estar, uma imensa gratidão por existir, por estar apto a servir, por poder contribuir em favor de todos, assoma do íntimo e o veste, iluminando-o, dando-lhe brilho ao olhar e entusiasmo para viver, rompendo-lhe todos os limites, embora anele pelo infinito.
Nesse esforço fascinante ocorre a perfeita integração do eixo ego-self, o desaparecimento dos resíduos ancestrais, numa renovação que  lembra a transformação da lagarta lenta que se arrasta na borboleta leve e colorida que flutua no ar suave da natureza, após o sono que lhe proporciona a histólise e a histogênese...
No processo da transcendência, muitas vezes ocorre esse letargo: um desinteresse pelo convencional, pelos impositivos das tradições, uma insatisfação interior incômoda em torno dos padrões vivenciais, para logo ter lugar um processo de histólise psicológica a fim de alcançar a histogênese emocional e libertar-se do mecanismo pesado que sempre retém o idealista na dificuldade para discernir e encontrar o sentido existencial da vida...
Texto trabalhado com base no livro Psicologia da Gratidão, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.
Postado no dia 31/03/2014.

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