quarta-feira, 19 de março de 2014


A coragem de prosseguir em qualquer circunstância 

A vida humana pode ser comparada ao curso de um rio que busca o mar. A sua nascente com aparente insignificância, muitas vezes, vai formando singelo curso que aumenta de volume conforme recebe a contribuição de afluentes, vencendo obstáculos, arrastando-os, seguindo a fatalidade que o espera, que é o mar ou oceano... 

As experiências da aprendizagem que ampliam a capacidade interior do discernimento e do conhecimento, são afluentes que contribuem com o crescimento individual do ser humano, conforme surgem dificuldades e problemas que não podem parar o fluxo. A força do seu volume, em forma de amadurecimento psicológico, proporciona a capacidade para superar as dificuldades de todo tipo  encontrados pela frente. 

Toda ascensão pede sacrifícios. A queda no caminho do abismo é quase normal, frente a lei da gravidade moral, enquanto que a elevação interior, a coragem de descer ao íntimo para subir ao entendimento, é um dos desafios existenciais mais complexos, pelo costume resultante da acomodação do já experienciado, do já conhecido, sem a aspiração que impulsiona para romper com a rotina e superar o estado de modorra em que se encontra. 

A busca e preservação da saúde é meta que deve priorizar, dando sentido psicológico à existência.  

E assim, as perdas impõem necessidade urgente do encontro dado os riscos naturais que toda viagem heroica pede. 

Mede-se a estrutura moral da criatura não apenas pelas vitórias alcançadas, mas pelo esforço na continuação das lutas desafiadoras, ferramentas responsáveis pelo crescimento ético-moral e espiritual ao alcance da vida. 

A busca do Cristo interior, nesse contexto ocupa um papel de grande importância, que é o esforço pela conquista da superconsciência. Quando se consegue essa integração com o ego, alcança-se a individuação. 

Conceituou-se, por muito tempo, que a saúde seria a falta de enfermidade, e que os indivíduos condutores desse requisito eram mais bem aquinhoados que os outros. Constatou-se, através das experiências, que a saúde não é apenas o efeito da harmonia orgânica, da lucidez mental e da satisfação psicológica, porque outros fatores, como os de natureza socioeconômica, tem também papel importante na sua conquista e preservação.  

Enquanto se movimenta na argamassa celular o Espírito vai estar sempre se deparando com as consequências das suas realizações passadas, que lhe impõem compromissos reparadores quando se equivocou, e estímulos de crescimento quando se manteve nos padrões do equilíbrio e do dever.

A harmonia, que deve haver entre todos os fatores, nem sempre é perceptível, apresentando-se em formas variáveis de achaques, de melancolias, de estresses, todos temporários, sem que se constituam problemas perturbadores, transtornos na saúde.  

Pode-se estar saudável, embora conduzindo-se disfunções orgânicas ou doenças em tratamento... 

O equilíbrio da emoção é responsável pelo comportamento quando acontecem as alterações celulares, as transformações que ocorrem em quase todos os órgãos resultante do seu funcionamento, das agressões internas e externas, sem que afetem o bem-estar geral que deve ser mantido. 

Outras vezes, instabilidades emocionais surgidas de expectativas naturais do processo de crescimento, preocupações a respeito das necessidades que formam o mapa da conduta social, aspirações idealísticas, dores morais internas, insatisfações com alguns resultados de empreendimentos sem êxito, contribuem para a ansiedade, porém sob controle da mente administradora, que prossegue estimulando a produção das monoaminas responsáveis pela alegria, pela felicidade: dopamina, serotonina, noradrenalina...
 
O vento que castiga o vegetal dá também resistência e vigor. 

Da mesma forma, que os fenômenos, às vezes, desagradáveis, que ocorrem na jornada humana, contribuem para vitalizar os sentimentos e fortalecer a coragem, proporcionando valores dignificantes. 

Ninguém, que se movimentando no corpo físico, não seja sujeito a tropeços e quedas, como também, ao soerguimento e à continuação da marcha. 

Como elemento vitalizador da luta evolutiva, o amor é de principal importância, mesmo quando proporciona preocupações e desencantos. É natural que se ame desejando algum retorno, diante da precariedade dos sentimentos ainda não desenvolvidos. Mas, será ideal que o amor se manifeste como efeito da alegria de viver e de expandir as emoções, os regozijos de que a pessoa se sente possuída, por descobrir esse dom precioso – a dracma perdida no desconhecimento – que é muito mais benéfico para quem o possui. 

O conceito, entretanto, vigente em torno do amor, é que ele aprisiona, reduz a capacidade de entendimento dos valores da vida, elege ídolos de pés de barro que não suportam o peso da própria jactância e arrebentam-se, destruindo o herói. O medo de amar ainda aprisiona muitas mentes e corações que se estiolam a distancia, fugindo desse impulso de vida que é vida. 

Porém, apenas através do amor, ou seja, a serviço dele, é que se estruturam os ideais edificantes e enobrecedores da sociedade. O amor não aprisiona, mas sim a insegurança do indivíduo que transfere para o outro os seus medos, as suas inquietações, as suas ansiedades, esperando  resolve-los sem o esforço necessário para isso. 

Quando se instaura o sentimento de amor e de amizade entre duas ou varias pessoas, há um enriquecimento interior muito grande porque o ego se expande, dilui-se, e o sentimento da fraternidade solidária alcança o Self,  trazendo o bem-estar, no qual o indivíduo sente-se realizado, operando cada vez mais em favor do grupo, sem olvido de si mesmo. 

Nesse expandir de sentimento afetivo, há valorização sem exorbitância do Si-mesmo, que passa a merecer consideração emocional, libertando-se das traves que lhe impedem o desenvolvimento. Quanto mais se ama, muito mais se ampliam os seus horizontes afetivos.  

É através do amor que a Divindade penetra a consciência humana, por meio dos seus desdobramentos em forma de interesse pelo próximo, pela vida, do labor em favor de melhores condições para todos, incluindo o planeta ora quase exaurido... 

Esse Deus está muito além da superada manifestação antropomórfica, sendo a inteligência suprema e a causa primeira do Universo. Não necessita de qualquer tipo de culto externo, de manifestações formais, das celebrações que deslumbram, dos comportamentos extravagantes... Deus encontra-se na atmosfera, que é a fonte de vida, nutrindo tudo quanto existe, mas também nos ideais, e mais além, em toda parte, nos sacrifícios, na abnegação de santos e de mártires, de cientistas e de trabalhadores, de intelectuais e de idiotas, em todas e quaisquer expressões de vida, desde o protoplasma ao complexo humano. É através d’Ele que se alcança o processo de individuação. 

Supõe-se que a individuação apenas ocorrerá por meio dos momentos exitosos, das vitórias sobre a sombra, da autoconsciência conseguida. É verdade, que assim ocorre, mas também, nesse processo de individuação, surgem períodos muito difíceis, vindos das alterações orgânicas, diante do avanço da idade, de conjunturas psicológicas, algumas aflitivas, de inquietações mentais, porém, instrumentos importantes para o amadurecimento interior, para a visão correta em torno da existência, para o trabalho de autoburilamento. 

A individuação não é uma conquista fácil, tranquila, ela é resultado de contínuos esforços, algumas vezes, passando por fazes de sacrifícios e  renuncias. Ninguém consegue uma vida de bem-estar sem passar por contínuas doações de dor e de coragem, enfrentando todas as situações com estoicismo, sem queixas, porque, é como alguém que alcança uma elevação, conforme se esforça para consegui-lo, beneficia-se do ar puro, do melhor oxigênio.  

A individuação é o oxigênio puro de manutenção do ser.
 
A conquista desse estado numinoso pode ser comparada a uma nova forma de religiosidade, na qual se consegue a harmonia entre a vida na Terra e no céu.

Anteriormente, por não existir a psicologia analítica, a religião abraçava todas as necessidades humanas e a confissão auricular trazia efeito psicoterápico na liberação da culpa, no entanto conservava o indivíduo irresponsável, que achava muito fácil errar e ser perdoado, ferir e ser desculpado, sem realizar o seu processo de autoiluminação. 

Graças, à visão nova de Jung, os mitos religiosos podem ser substituídos pelos arquétipos e os conflitos, ao invés de recalcados e desculpados, devem merecer catarse, diluição, enfrentamento e reparação dos prejuízos que tenham causado. 

São os arquivos do inconsciente que conduzem o indivíduo e não o seu ego sujeito às alternativas dos interesses imediatos. 

Nesse grande arquivo do Espírito, o ego pode e deve dialogar com o Self para tomar conhecimento  dos seus conteúdos e melhor conduzir os equipamentos de que dispõe na sua proposta de vida. 

É percebendo o erro que se aprende a melhor maneira de não o repetir. O que chamamos erro,  é na realidade uma experiência incorreta, que ensina a não mais agir naqueles parâmetros, transformando-se numa importante contribuição à evolução. 

O ser humano, portanto, é algo maior do que as expressões exteriores, os êxitos momentâneos, sendo de toda a sua história que registra insucessos e vitórias, tristezas e alegrias, produzindo-lhe o equilíbrio que o segura e mantem na direção certa. 

O pastor que resgata a ovelha perdida, torna-se mais vigilante em relação à mesma, assim como às demais, evitando-se excesso de confiança, porque, à medida que o rebanho avança, existem desvios e abismos perigosos... 

Ante a ovelha que foge, a atitude do pastor é o socorro maternal, embora, às vezes, o animal rebelde liberta-se dos braços protetores e novamente desaparece, optando pelo desvão no qual se oculta... Em tal situação, em seu benefício, o pegureiro assume o seu animus e, vigoroso, aplica-lhe o cajado ou atiça-lhe o cão, encaminhando-o de volta ao aprisco. 

Inadiável é o dever de continuar no compromisso relevante sob qualquer custo, em qualquer situação. 

A insistência de que se dá provas, quando se escolhe a situação doentia, os caminhos de comportamento sem responsabilidade, leva a consciência – o pastor vigilante – a impor sofrimentos que se responsabilizam de apontar o caminho correto, de encontrar-se o que se está extraviando ou foi deixado para traz... 

O ocidental acostumou-se com os limites da emoção e adaptou-se aos prazeres da sensação de tal modo, que tudo que o convida à inversão desse comportamento parece-lhe de difícil aplicação e, por tal razão, evita viver a proposta de olhar para si mesmo, para dentro, de autopenetrar-se para descobrir os incomparáveis tesouros da alegria íntima, da vivência elevada, sem cansaço, sem ansiedades nem expectativas. Tal esforço apenas é realizado quando não existe outra alternativa e quando se encontra cansado do conhecido gozo dos sentidos. 

Precisa passar por todas essas experiências, vivenciar dificuldades e acertos, sofrer perseguições e ser eleito, por fazer parte da constituição arquetípica da evolução, e ninguém pode viver um estagio sem ter passado pelo outro. 

Essas necessárias capacitações desenvolvem os sentimentos, aprimoram a visão em torno da vida, amadurecem o ser psicologicamente, trabalhando-lhe o Self, para que os seus valores profundos abram-se em benefício da individuação. 

Normalmente as criaturas queixam-se das cruzes que carregam e as fazem sofrer, parecendo-lhes injusto ter que as conduzir com dificuldades, vivendo em situações difíceis e ásperas. De alguma forma, o conceito e peso da cruz estão muito vinculados ao complexo da infância que se encarregou de dar a visão do mundo. Conforme a educação que recebe a criança passa a ter conceitos da vida que são herdados dos pais. Por isso é que o que, para uns é um fardo, para outros é importante aprendizado. 

A pessoa deve aprender desde cedo a enfrentar os fenômenos existenciais como parte do seu programa evolutivo, que significa que, percebendo a própria sombra não a deve transferir para outro, mas procurar dilui-la, com a compreensão dos acontecimentos. A sombra tem uma roupagem moral em permanente enfrentamento com a personalidade-ego, solicitando, por isso, grande esforço com a mesma grandeza moral, para conscientizar-se, compreendendo e aceitando os fenômenos perturbadores que lhe acontecem como inevitáveis. 

Mas a maioria, não a aceita como inerente, elemento que constitui todos os seres, presente em todas as vidas.

Rejeitar ou ignorar a sombra é candidatar-se a conflitos contínuos que poderiam ser evitados, caso reconhecesse a ocorrência desse fenômeno próprio do ser humano. Ela faz parte do ser, assim como o ego, o Self e todos os demais arquétipos, que são as heranças do largo trânsito da evolução.
 
Na história mítica da Criação, quando Adão comeu o fruto oferecido por Eva, teve que enfrentar a realidade da sua e da nudez em que ela se encontrava, reagindo automaticamente, buscando um arbusto para esconder-se, surgindo aí o discernimento do ético, do bem e do mal, da malícia e do desejo, resultando na fissão da psique, o anjo e o demônio, cuja harmonia deve ser conquistada pelo enfrentamento de ambos, num processo psicoterapêutico de consciência lúcida. 

Assim também, a sombra ali originada continua fazendo parte do complexo psicológico do ser exercendo o seu papel como herança ancestral do conflito inicial. 

A inocência bíblica das duas personagens é referencial mítico escondendo as funções edificantes da sexualidade, que a castração religiosa considerou como manifestação da inferioridade e de tormento. 

Como qualquer outro órgão, o sexo tem as suas exigências que devem ser atendidas com a dignidade e o respeito que lhe são próprios. Quando o indivíduo se permitiu a corrupção de qualquer natureza, ela também se fez refletir no comportamento sexual, que se torna válvula de escape para fugir da responsabilidade moral. 

Dessa forma, os desafios da sombra merecem  observação carinhosa para que  consiga a sua integração no Self, não mais separando o indivíduo do ser divino que ele traz dentro de si. 

Trabalho elaborado com base no livro EM BUSCA DA VERDADE, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado dia 19/03/2014.

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