quarta-feira, 5 de março de 2014


 

HERANÇAS AFLIGENTES

Os atavismos com raízes no processo antropossociopsicológico continuam no ser humano com a força dos velhos hábitos, com o predomínio dos instintos agressivo-defensivos, impedindo algumas aspirações nobres e dificultando a vivência das atitudes novas, caracterizadas pela razão, pelo sentimento, pelo ideal de servir e dignificar a sociedade. Entre esses atavismos pode-se destacar aquele que se refere à ingratidão, em primarismo do comportamento, que, estagiando ainda na fase do egocentrismo, não se valoriza a contribuição das outras pessoas, crendo-se merecedor de todos os serviços, sem  obrigação retributiva ou, pelo menos,  do respeito devido ao outro.

A sombra é o arquétipo dominador da conduta nessa fase da evolução psicológica do ser humano.

O predomínio do instinto de conservação da vida modela o caráter humano com tamanha força que sempre coloca o indivíduo em atitude defensiva, armando-o  contra tudo e contra todos, mesmo quando alguém se propõe a auxiliar.

Existe uma falsa impressão de que as outras pessoas são exploradoras, interesseiras, incapazes de sentir um afeto sincero, trazendo uma atitude, disfarçada ou não de tirar proveito de todos os esforços empregados. Mesmo que os fatos mostrem o contrário, existe uma insegurança afetiva muito forte nesse indivíduo, que considera os demais de acordo com os seus próprios padrões de conduta, incapaz segundo se sente de ser útil, de auxiliar sem recolher os frutos imediatos desse procedimento.

Conforme acontece o desenvolvimento do self e diminui o predomínio do ego, que passa a compreender melhor a finalidade da vida terrestre, amplia-lhe a capacidade de sentir amizade, de corresponder as expectativas, de contribuir pelo bem-estar alheio, que sempre traz satisfação pessoal, embora esse não seja o objetivo imediato.

O certo é que qualquer atitude dignificante que abrange o grupo social inicialmente  beneficia aquele que a pratica.

Da mesma forma, sempre que se coloca obstáculo no processo de crescimento da sociedade, sofre a sua compressão inevitável, aprisionando-se nas paredes sombrias da prepotência.

Motivado por esses diferentes estágios evolutivos, surgiram os dominadores dos outros, os ditadores impiedosos, as classes poderosas consequente do status econômico, os presunçosos que se acreditam superiores, iludidos pelo conceito da raça ou etnia em que renasceram no corpo, da astúcia herdeira que é do instinto felino e não efeito da inteligência ...

Allan Kardec, analisa com clareza, esse comportamento no livro Obras póstumas, no capítulo “As aristocracias”, estudando os vários níveis ou alternativas da humanidade, com relação ao espiritismo, que traz recursos surpreendentes da iluminação, portanto da perfeita integração do eixo ego-self como indispensável para a harmonia pessoal, o reconhecimento amoroso à vida por tudo quanto possui e frui, a infinita gratidão pela honra da existência terrena.

Para o codificador a verdadeira aristocracia, é aquela de natureza intelecto-moral, na qual a inteligência e o sentimento unem-se, abrindo espaço à sabedoria, à libertação das paixões primárias, à superação das heranças negativas e dos atavismos perturbadores.

O velho conceito de aristocrata, pelo sangue, pelos títulos nobiliárquicos conquistados por meios nem sempre dignificantes, que caracterizaram o passado da sociedade, propiciando os privilégios dos desmandos da mesma forma o sórdido direito divino dos reis, como se não fossem formados pela mesma argamassa em que transitam os camponeses e o poviléu, detestados pelos iludidos terrestres, encontra-se em decadência total.

Vamos encontrá-los em todas as épocas da História, desde as lamentáveis classes sociais da Índia, no passado, e talvez no presente, embora não legais, mais sempre infelizmente morais, aos faraós egípcios... e mesmo os chefes tribais, nem sempre valorosos e dignos para exercerem o mandato de comando do grupo étnico ou do país sob seu governo.

Também, por outro lado as religiões,  aproveitaram-se das circunstâncias e criaram as suas aristocracias privilegiadas pelo poder temporal em nome da fé que deve estar acima das questões da vaidade humana...

Na interpretação dos ensinamentos religiosos de todas as nuances, os indivíduos incumbidos das chamadas responsabilidades pelo rebanho fazem uma adaptação da mensagem, dela retirando a essência superior e apresentando as suas paixões que as transferem para Deus. Através desse mecanismo de temor submetem os crédulos a sua vontade, dominando-os e mantendo os menos evoluídos a continuarem na revolta ou no egoísmo.

Se apresentassem a grandeza do amor  que revestem todas as doutrinas religiosas, conseguiriam libertar com mais facilidade aqueles que se encontram aprisionados no primarismo, levando-os aos elevados patamares da iluminação.

Jesus convocou a todos com os mesmos direitos e os mesmos deveres, oferecendo oportunidade de trabalho e de evolução aos diferentes seguimentos sociais,  respeitoso com relação aos poderosos do seu tempo, que o buscavam, assim como à ralé, à qual preferia por motivos óbvios da sua missão iluminativa e libertadora.

O inevitável progresso moral vem diminuindo aquele perverso comportamento, anulando o poder das classes dominadoras por circunstancias adversas e ancestrais, abrindo espaço para os direitos humanos, ampliando as possibilidades de igualdade entre todas as pessoas, pouco importando as posses, a hereditariedade, e sim valorizando as suas qualidades de inteligência e de sentimento, as suas conquistas morais que os destacam no cenário humano.

Motivado pelo processo evolutivo que é inevitável, essas heranças abriram espaço às outras, às nobres que as sucederam e que, no momento próprio, passarão a ressurgir com a força ética da solidariedade e do amor entre todos os seres, incluindo a natureza.

Apesar desse fenômeno irreprimível que é o progresso, muitos indivíduos tentam resistir aos seus comandos, escolhendo o lamentável estado de infelizes, causado pela sombra que os subordina aos caprichos da inferioridade.

Porém a Divindade, tem mecanismos que impõe favoravelmente ao desenvolvimento das faculdades morais do ser, através das expiações nas quais expurgam os miasmas que os asfixiam na inferioridade, sem que percam as conquistas preciosas das experiências vivenciadas.

Desse modo, o processo de crescimento em relação à própria plenitude é inadiável e dele ninguém foge, por fazer parte dos instrumentos universais do amor divino.

Serão sinais de demonstração da sua presença, quando surgirem os primeiros choros de compaixão e de ternura, de amizade desinteressada e o desejo de retribuição, pelo menos de parte daquilo que amealha. A solidariedade é, com essa compreensão, a maneira de expressar a alegria de viver e de desenvolver os relacionamentos que constroem os sentimentos ou os despertam quando se encontram adormecidos.

A gratidão é a impressão digital do desenvolvimento intelecto-moral do Espírito, que se liberta das heranças afligentes.

Texto trabalhado do livro, Psicologia da Gratidão, escrito por Divaldo Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado, 05/03/2014.

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