sexta-feira, 28 de março de 2014


PSICODINAMICO  

Acrescentamos ao nosso título o processo psicodinâmico para valorizar justamente este movimento que a psique vivencia, uma evolução continuada através da modificação, em oposição ao processo estático de tirar uma coisa ruim e colocar outra boa, como se transformação moral fosse uma simples troca.
Psicodinâmico, segundo o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, quer dizer “próprio ou relativo a qualquer sistema psicológico, que busca explicação do comportamento em termos de motivos” (HOUAISS, 2001, verbete).
O termo dinâmico foi atribuído ao inconsciente pela sua ação permanente em relação à sua consciência, exigindo uma força contrária, que também se mantém permanente, como uma interdição, uma resistência à conscientização.
Segundo o Vocabulário de Psicanálise, dinâmico é “qualificação de um ponto de vista que considera os fenômenos psíquicos como resultantes do conflito e da composição de forças que exerce uma certa pressão” (LAPLANCHE e PONTALIS, 1996, verbete). Embora não nos atenhamos ao movimento pulsional como estudava Freud, nos referimos a um movimento do psiquismo que precisa ser compreendido, pois é este movimento que, a nosso ver, conduz à transformação moral.
O que é rejeitado exerce uma pressão constante no sentido da motilidade, de se fazer visto, e consumindo energia para isso.  Segundo Fenichel (1981), quase todos os sintomas neuróticos são derivados, no sentido de algo que não está bem dentro de nós, e que encontra uma forma de se expressar.
Dessa forma, entende-se que é impossível eliminar algo que não esteja bem ou “adequado”, sejam defeitos ou qualquer conteúdo que desagrade. O que a psique fará é conduzi-lo ao inconsciente tirando dele a energia que se direcionará a outros objetos, encontrando outra forma de se fazer presente, e com isso, alimentando a sombra humana.
Dentro de uma perspectiva junguiana, Whitmont (2008) explica que a sombra se refere à parte da personalidade que foi reprimida em benefício do algo ideal.
Apenas remove-se este opositor da consciência, mas como orienta Joanna, (2009a) na magnífica obra, Em Busca da Verdade,  este comportamento castrador de supressão, redunda em grande fracasso, permanecendo apenas disfarçado pela aparência que se adquire.
A principal consequência desta repressão é que aquele disfarce faz com que o indivíduo (e apenas ele) acredite que está adequado, correto, e que já se transformou, enganando-se e perdendo seu tempo.
Tudo aquilo que não é aceito, acolhido ou assimilado pelo ego, de nossa personalidade, constituirá a sombra:
A sombra, portanto, consiste nos complexos, nas características pessoais que repousam em impulsos e padrões de comportamento, os quais são uma parte ‘escura’ definida da estrutura da personalidade. Em muitos casos são facilmente observáveis pelos outros. Apenas nós não conseguimos vê-los. (WHITMONT, 2008,p. 146)
Joanna de Ângelis, no livro, O Ser Consciente, afirma que o ego resiste  à aceitação da realidade profunda e por isso elabora diferentes mecanismos escapistas como forma de preservar o seu domínio na pessoa: a compensação, o deslocamento, a projeção,  introspecção e a racionalização.
Utilizar-nos-emos deles e de outros mecanismos listados nas obras psicanalíticas para avaliarmos as diferentes formas de escamoteamento  de nós mesmos e as alternativas imaturas que o ser humano encontra de não se  aprofundar nesta realidade, evadindo-se do processo de efetiva transformação moral.
Um dos mecanismos bastante comuns nas comunidades religiosas é denominado de intelectualização. Segundo Laplanche e Pontalis (1996), uma das finalidades principais da intelectualização é manter distancia dos afetos, como se o sujeito procurasse dar uma formulação discursiva aos seus conflitos e às suas emoções, de modo à dominá-los. A intelectualização é um conceito empregado principalmente para designar, em psicanalise, uma modalidade de resistência ao tratamento.
Podemos tangenciar este conceito e refletir sobre o movimento espírita. interessa-nos a abordagem que Kardec faz na obra A Gênese: os milagres e as predições segundo o Espiritismo, intuindo a intelectualização como um mecanismo de defesa. Neste livro, considerado por muitos como uma obra científica e de difícil leitura, encontraremos as palavras simples do codificador nos alertando que:
O progresso intelectual realizado até o presente, nas mais largas proporções, constitui um grande passo e marca uma primeira fase no avanço geral da Humanidade; impotente, porém, ele é para regenerá-la. (...) Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a felicidade na Terra. (KARDEC, 1995, p.414)
Não estamos com isso minimizando a importância do desenvolvimento intelectual, pois o desenvolvimento moral acompanha o primeiro. No entanto, ao lermos as palavras do codificador, percebemos seu cuidado como se pudéssemos sobrepor o primeiro ao segundo, como se para alguns a intelectualidade fosse um fim em si mesma, uma finalidade última, sem vistas à aplicação.
Ainda em A Gênese ele alerta, “ já não é somente de desenvolver a inteligência o de que os homens necessitam, mas de elevar o sentimento.” (KARDEC, 1995, p.404)
Não apenas no consultório psicoterapêutico mas, também nos grupos de estudos e cursos, percebemos que a intelectualiação pode ser utilizada como tentativa de silenciamento dos sentimentos e, portanto, como fuga da moralização, num processo de escamoteamento de nossa personalidade.
A intelectuaização pode ser utilizada como um artifício para não falarmos de nós mesmos, como uma forma de fuga nos mantendo dentro de uma situação modelo, evitando lidar com aquilo que desconhecemos ou que foge ao próprio controle. É como se mantivesse um controle superficial sem que o soubesse. A intelectualização pode nos conduzir à profundidade dos conceitos, mas sem outras habilidades jamais chegaremos até a profundidade de nós mesmos, regenerando nosso planeta através da nossa própria transformação.
A intelectualidade sem a reflexão pessoal gera neurose, a ponto de alguns autores afirmarem, como o analista junguiano  Luiz Paulo Grinberg o faz, que “a psicoterapia em grande parte vai lidar com aquilo que o sujeito faz ou deixa de fazer com seus instintos.” (GRINBERG, 2003, p.90)
O autor quer dizer que um número muito grande de pessoas procura a psicoterapia porque sabe muitas coisas (vivência puramente intelectualizada e, podemos acrescentar, na maioria das vezes mal conduzida religiosamente) e não sabe como lidar com seus instintos, com seus desejos, com o que sente, pois o sentimento não obedece ao raciocínio. Neste percurso, comumente chega um momento da vida em que a pessoa é tomada por eles, como uma compulsão sexual, quadros de ansiedade, angústia, etc. ou perde-se o controle de si mesma sem conseguir fazer uso da vontade, como ocorre em muitos transtornos de humor, como a depressão. (É extremamente comum ouvir de pacientes depressivos em meio a sofrimentos e incompreensões, a afirmativa de que levavam uma vida normal, que nunc imaginariam se encontrar no estado atual, e que achavam, assim como os outros agora acham, que depressão é sinônimo de frescura ou que bipolaridade é simples falta de limites.)
Quando não conseguimos desenvolver a intelectualidade tão habilmente a ponto de podermos nos esconder atrás, de tanto que falamos, pensamos, argumentamos, discutimos, palestramos...Podemos nos deparar com outras formas de fuga.
Para efeitos didáticos vamos enunciar quatro comportamentos distintos e que se complementam, como outros mecanismos de defesa do ego: negar algo para si próprio; repreender e combater no outro justamente aquilo que incomoda em si; agir de maneira oposta tentando provar para si mesmo que é diferente; copiar comportamentos de alguém idealizado para ter a sensação são iguais.

Vejamos cada um desses movimentos psicológicos com mais detalhes.(na próxima postagem do mesmo livro).
Texto escrito por Marlon Reikdal, no livro REFLETINDO A ALMA. Postado no dia 28/03/2014.

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