PSICODINAMICO
Acrescentamos ao nosso
título o processo psicodinâmico para
valorizar justamente este movimento que a psique vivencia, uma evolução
continuada através da modificação, em oposição ao processo estático de tirar
uma coisa ruim e colocar outra boa, como se transformação moral fosse uma simples
troca.
Psicodinâmico,
segundo
o Dicionário Houaiss da Língua Portuguesa, quer dizer “próprio ou relativo a
qualquer sistema psicológico, que busca explicação do comportamento em termos
de motivos” (HOUAISS, 2001, verbete).
O termo dinâmico foi
atribuído ao inconsciente pela sua ação permanente em relação à sua consciência,
exigindo uma força contrária, que também se mantém permanente, como uma
interdição, uma resistência à conscientização.
Segundo o Vocabulário de
Psicanálise, dinâmico é “qualificação
de um ponto de vista que considera os fenômenos psíquicos como resultantes do
conflito e da composição de forças que exerce uma certa pressão” (LAPLANCHE e
PONTALIS, 1996, verbete). Embora não nos atenhamos ao movimento pulsional como
estudava Freud, nos referimos a um movimento do psiquismo que precisa ser
compreendido, pois é este movimento que, a nosso ver, conduz à transformação
moral.
O que é rejeitado exerce uma
pressão constante no sentido da motilidade, de se fazer visto, e consumindo
energia para isso. Segundo Fenichel
(1981), quase todos os sintomas neuróticos são derivados, no sentido de algo
que não está bem dentro de nós, e que encontra uma forma de se expressar.
Dessa forma, entende-se que
é impossível eliminar algo que não esteja bem ou “adequado”, sejam defeitos ou
qualquer conteúdo que desagrade. O que a psique fará é conduzi-lo ao
inconsciente tirando dele a energia que se direcionará a outros objetos,
encontrando outra forma de se fazer presente, e com isso, alimentando a sombra
humana.
Dentro de uma perspectiva
junguiana, Whitmont (2008) explica que a sombra se refere à parte da
personalidade que foi reprimida em benefício do algo ideal.
Apenas remove-se este
opositor da consciência, mas como orienta Joanna, (2009a) na magnífica obra, Em
Busca da Verdade, este comportamento
castrador de supressão, redunda em grande fracasso, permanecendo apenas
disfarçado pela aparência que se adquire.
A principal consequência
desta repressão é que aquele disfarce faz com que o indivíduo (e apenas ele)
acredite que está adequado, correto, e que já se transformou, enganando-se e
perdendo seu tempo.
Tudo aquilo que não é
aceito, acolhido ou assimilado pelo ego, de nossa personalidade, constituirá a
sombra:
A sombra, portanto, consiste
nos complexos, nas características pessoais que repousam em impulsos e padrões
de comportamento, os quais são uma parte ‘escura’ definida da estrutura da
personalidade. Em muitos casos são facilmente observáveis pelos outros. Apenas nós
não conseguimos vê-los. (WHITMONT, 2008,p. 146)
Joanna de Ângelis, no
livro, O Ser Consciente, afirma que
o ego resiste à aceitação da realidade
profunda e por isso elabora diferentes mecanismos escapistas como forma de
preservar o seu domínio na pessoa: a compensação, o deslocamento, a
projeção, introspecção e a racionalização.
Utilizar-nos-emos deles e de
outros mecanismos listados nas obras psicanalíticas para avaliarmos as
diferentes formas de escamoteamento de
nós mesmos e as alternativas imaturas que o ser humano encontra de não se aprofundar nesta realidade, evadindo-se do
processo de efetiva transformação moral.
Um dos mecanismos bastante
comuns nas comunidades religiosas é denominado de intelectualização. Segundo Laplanche e Pontalis (1996), uma das
finalidades principais da intelectualização é manter distancia dos afetos, como
se o sujeito procurasse dar uma formulação discursiva aos seus conflitos e às
suas emoções, de modo à dominá-los. A intelectualização é um conceito empregado
principalmente para designar, em psicanalise, uma modalidade de resistência ao
tratamento.
Podemos tangenciar este conceito
e refletir sobre o movimento espírita. interessa-nos a abordagem que Kardec faz
na obra A Gênese: os milagres e as
predições segundo o Espiritismo, intuindo a intelectualização como um mecanismo
de defesa. Neste livro, considerado por muitos como uma obra científica e de
difícil leitura, encontraremos as palavras simples do codificador nos alertando
que:
O progresso intelectual realizado
até o presente, nas mais largas proporções, constitui um grande passo e marca
uma primeira fase no avanço geral da Humanidade; impotente, porém, ele é para
regenerá-la. (...) Somente o progresso moral pode assegurar aos homens a
felicidade na Terra. (KARDEC, 1995, p.414)
Não estamos com isso
minimizando a importância do desenvolvimento intelectual, pois o
desenvolvimento moral acompanha o primeiro. No entanto, ao lermos as palavras
do codificador, percebemos seu cuidado como se pudéssemos sobrepor o primeiro ao
segundo, como se para alguns a intelectualidade fosse um fim em si mesma, uma
finalidade última, sem vistas à aplicação.
Ainda em A Gênese ele alerta, “ já não é somente
de desenvolver a inteligência o de que os homens necessitam, mas de elevar o sentimento.”
(KARDEC, 1995, p.404)
Não apenas no consultório psicoterapêutico
mas, também nos grupos de estudos e cursos, percebemos que a intelectualiação
pode ser utilizada como tentativa de silenciamento dos sentimentos e, portanto,
como fuga da moralização, num processo de escamoteamento de nossa
personalidade.
A intelectuaização pode ser
utilizada como um artifício para não falarmos de nós mesmos, como uma forma de
fuga nos mantendo dentro de uma situação modelo, evitando lidar com aquilo que
desconhecemos ou que foge ao próprio controle. É como se mantivesse um controle
superficial sem que o soubesse. A intelectualização pode nos conduzir à
profundidade dos conceitos, mas sem outras habilidades jamais chegaremos até a
profundidade de nós mesmos, regenerando nosso planeta através da nossa própria
transformação.
A intelectualidade sem a
reflexão pessoal gera neurose, a ponto de alguns autores afirmarem, como o
analista junguiano Luiz Paulo Grinberg o
faz, que “a psicoterapia em grande parte vai lidar com aquilo que o sujeito faz
ou deixa de fazer com seus instintos.” (GRINBERG, 2003, p.90)
O autor quer dizer que um
número muito grande de pessoas procura a psicoterapia porque sabe muitas coisas
(vivência puramente intelectualizada e, podemos acrescentar, na maioria das
vezes mal conduzida religiosamente) e não sabe como lidar com seus instintos,
com seus desejos, com o que sente, pois o sentimento não obedece ao raciocínio.
Neste percurso, comumente chega um momento da vida em que a pessoa é tomada por
eles, como uma compulsão sexual, quadros de ansiedade, angústia, etc. ou
perde-se o controle de si mesma sem conseguir fazer uso da vontade, como ocorre
em muitos transtornos de humor, como a depressão. (É extremamente comum ouvir
de pacientes depressivos em meio a sofrimentos e incompreensões, a afirmativa
de que levavam uma vida normal, que nunc imaginariam se encontrar no estado
atual, e que achavam, assim como os outros agora acham, que depressão é sinônimo
de frescura ou que bipolaridade é simples falta de limites.)
Quando não conseguimos
desenvolver a intelectualidade tão habilmente a ponto de podermos nos esconder atrás,
de tanto que falamos, pensamos, argumentamos, discutimos, palestramos...Podemos
nos deparar com outras formas de fuga.
Para efeitos didáticos vamos
enunciar quatro comportamentos distintos e que se complementam, como outros
mecanismos de defesa do ego: negar algo para si próprio; repreender e combater
no outro justamente aquilo que incomoda em si; agir de maneira oposta tentando
provar para si mesmo que é diferente; copiar comportamentos de alguém idealizado
para ter a sensação são iguais.
Vejamos cada um desses
movimentos psicológicos com mais detalhes.(na próxima postagem do mesmo livro).
Texto escrito por Marlon
Reikdal, no livro REFLETINDO A ALMA. Postado
no dia 28/03/2014.
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