domingo, 30 de março de 2014


 

A GRANDE CRISE EXISTENCIAL 

Apesar dos conflitos que a fé religiosa produziu em muitas vidas, principalmente nos  dias da idade média, em que prevaleciam a ignorância, o temor e o absolutismo do poder clerical, o arquétipo espiritual tem sido uma necessidade para o desenvolvimento psicológico do ser. Infelizmente, personalidades psicopatas, na sua maioria, temerosas da vida e condutoras de conflitos refugiam-se nas doutrinas religiosas, como noutras áreas da sociedade, mas especialmente nas primeiras, ocultando os seus dramas e medos, ao tempo que, em nome da salvação, castram os valores intelectuais e a sensibilidade dos crentes, submetendo-os aos seus caprichos e insânia.  

Proíbem tudo que possa trazer alegria de viver, liberdade de pensamento, ampliação do sentido da vida, dignificando a experiência humana, porque estão conturbados e invejam os saudáveis. Condenam tudo que é sofrimento, pela covardia diante do autoenfrentamento, preferindo a sombra à plenitude do Self. 

Toda religião, no seu significado profundo, busca religar a criatura ao seu Criador, o que representaria estabelecer o eixo pleno ego-Self, o ser aparente com o real, trazendo-lhe condições de saúde e de paz. 

Ao invés disso, as mentes sofridas e mal desenvolvidas, os Espíritos angustiados, autosupliciando-se, como se os seus corpos fossem os responsáveis pelos pensamentos e conflitos resultantes da fissão da psique no anjo e no demônio, com predomínio do último, diante das tendências ao sofrimento não ultrapassadas, evitavam o mundo e o odiavam em conduta masoquista. 

É natural que o desenvolvimento da sociedade e as conquistas da inteligência, a partir do período industrial, da revolução inevitável imposta pelo progresso, passassem a combater esse parasitismo emocional e retrocesso cultural, abrindo portas a novas experiências e desmistificando as fantasias das condenações infernais e das punições divinas. 

Com segurança aos poucos, as filosofias do positivismo, do existencialismo e do niilismo  apresentaram o lado agradável da vida, as belezas que existe em tudo e por toda parte, as concessões do prazer e do ter, as novas experiências do conhecimento, conquistando as multidões. 

Ao mesmo tempo, a ampliação dos conceitos  sobre o universo e sua grandeza, afastou os antigos fregueses das religiões dos arraias da fé para a convivência com outro tipo de realidade que desmentia suas afirmações, agora fáceis de ser comprovadas, abrindo espaço ao cepticismo, à crítica dos seus textos e dogmas, bem como ao abuso originados pelos excessos. 

A hipocrisia religiosa não pode suportar a realidade dos comportamentos humanos quebrando os limites que foram colocados no passado, lançando-se com excessiva sede nos usos que se transformaram em abusos com consequências também nocivas. 

Os avanços da ciência apoiada na tecnologia dignificou a vida, trazendo uma visão otimista e encantadora da vida humana, aumentando o seu poder até chegar aos extremos de tornar-se onipotentes, de tal forma, que nada se faz sem a sua contribuição, chegando-se a considerá-las os novos deuses do universo cultural da atualidade. 

A era industrial revolucionou os padrões de comportamento vigentes, e o ser humano aos poucos submeteu-se às máquinas que concebeu e criou, tornando-se servos obedientes. 

A ganancia de ter mais ampliou o seu desempenho, encantando os governos das nações poderosas que enlouqueceram pelo fascínio de mais conquistar, submetendo, pouco a pouco, os outros povos ao seu domínio arbitrário, disfarçado ou não, por meio das falsas ajudas aos países em desenvolvimento, explorando-os e escravizando-os, utilizando política arbitrária e  mecanismos perversos de controle através de agencias de espionagem e de corrupção, alcançando culminâncias de glórias e  recursos, como ilhas fantásticas no meio de oceanos de miséria à sua volta. Como também, com habilidade e sem escrúpulo, provocar as guerras de extermínio, em nome de suas raças prepotentes, ditas superiores pela cor da epiderme, pelo sangue, pela tradição... 

O ser psicológico é livre, mesmo quando submetido a circunstancias e situações indignas e escravistas. A sombra predomina na conduta, mas o Si-mesmo é orquestrado pela esperança e pelas aspirações de liberdade e de triunfo. 

Pode-se observar essa situação conflitiva nos campos de concentração de trabalhos forçados e de extermínio, quando judeus, colocados como kapos, para vigiarem seus irmãos de raça, apresentavam, muitas vezes, mais crueldade do que a dos seus indignos comandantes. 

Conta-se um desses momentos, quando um kapo luta fortemente com um pai, para que esse lhe dê o filho que seria levado à câmara de gás. No esforço feito pelo pai da vítima, esse gritou-lhe: - Você não tem filho, para ter uma ideia do que é perder-se um de forma tão malvada? E ele respondeu, trêmulo: - Sim, é claro que tenho. Por isso sou obrigado a eleger cinco crianças para a câmara, conforme solicitaram-me, ou o meu filho irá no lugar vazio... 

A sombra enlouquecida não tem a dimensão da loucura e o ego torna-se de uma crueldade sem limite. 

É importante lembrar outro doloroso momento de crueldade e infâmia no período em que a Polônia sofria o drama do holocausto, quando os sicários pediram a um rabino do gueto que escolhesse expressivo número de judeus para as câmaras de gás, e ele, ameaçado, optou pelo suicídio na difícil situação, não se tornando algoz dos seus irmãos. A outro, que o substituiu, foi feita a mesma absurda proposta, e ele viu-se na contingencia de eleger os que seriam assassinados, percebendo depois que foi enganado pelos agentes da crueldade... 

São difíceis as soluções em circunstancias dessa natureza, quando o Self perde a dimensão da sua espiritualidade e deixa-se dominar pelo ego da sobrevivência física  comandado pela sombra e os arquétipos da esperança, da felicidade e do significado passadas aquelas horas intermináveis... 

A perda do sentido espiritual e religioso produziu seres insensíveis, cruéis e sem  compromisso com a vida e os valores transcendentais, trazendo como resultado a situação deplorável da falta de respeito por si mesmos, pelos demais e por tudo, incluindo a Natureza. 

Esse desvario, num crescendo alucinado, proclama o prazer pessoal acima de todas as circunstancias, apelando para a morte, quando aparentemente surge qualquer ameaça ao seu ego exacerbado, que exige prazer até a exaustão. 

Não é outro o fenômeno que diz respeito ao aborto provocado, como instrumento de libertação da responsabilidade e do trabalho, embora sabendo-se que a coabitação sexual, como é natural, leva à concepção que poderia ser evitada pelas pessoas egoístas que não querem responsabilidade e se enganam, pensando sempre no eu insensível, até o momento futuro da solidão e da amargura. 

Assim também, o crime da eutanásia, quando o paciente não quer viver o processo degenerativo, os fatores vindos das enfermidades, as situações purificadoras pelo sofrimento, exigindo a interrupção da própria existência, em terríveis atos suicidas assistidos, ou quando a família resolve interromper a vida de um dos seus membros que lhe esgota os recursos com os procedimentos médicos de alto custo... 

Junto com esses carrascos psicológicos da sociedade contemporânea, que sofre os efeitos dessas amargas decisões, o suicídio aumenta em estatística, motivado pelo niilismo que tudo aponta à consumpção da vida pela morte. 

Uma sociedade que mata fetos indefesos, idosos e enfermos irrecuperáveis e justifica-se, como pode tornar-se fraterno e solidário? Como quebrar esse gelo emocional de mulheres e de homens interessados apenas no momento passageiro pelo qual passam, sem pensar na própria situação, logo mais? 

Não se estranhe a tragédia do cotidiano, a crise existencial que toma conta dos indivíduos e da sociedade. 

Uma nova religião psicológica, sem cultos nem dogmas aos poucos surge, a partir da visão holística de Jung, que vivenciou inúmeras experiências mediúnicas com a jovem prima Helena Preiswerk, na intimidade do lar, na personificação que o dominava uma vez ou outra, revendo-se como alguém do século anterior. 

O Espiritismo, doutrina positivista, fundamentada nas experiências sociológicas e transpessoais da imortalidade do ser, do seu triunfo sobre a morte, da multiplicidade das existências, respondendo pelo conhecimento arquivado no inconsciente coletivo, oferece as certezas para o avanço do ser que se é, o verdadeiro imago Dei, no rumo de Deus... 

Com certeza, aquele que está acima das descrições bíblicas, que somente dão uma pálida ideia arquetípica da Sua realidade que supera a conceituação antropomórfica, abarcando o Universo como Causalidade e fatalidade de tudo e de todos. 

Jung afirmou com ênfase: - “Através da minha experiência, eu conheço um poder maior do que meu próprio ego. Deus – é o nome que dou a esse poder autônomo”, portanto, fora dele e dominante nele. 

Para que a culpa apareça, é necessária a presença de Deus na consciência, mesmo que sem dar-se conta, porque é através da Sua transcendência que o individuo possui o padrão interno do que é certo e do que é errado. Ei-lO, ínsito no mais profundo abismo do Si-mesmo. 

Na sua obra monumental, o Aion, ainda se refere o admirável mestre: - “Cristo é o homem interior a que se chega pelo caminho do autoconhecimento.”  

Esse Cristo ou estado crístico alcançado por Jesus, como Médium de Deus, foi alcançado por Paulo o apostolo, e por muitos discípulos que se Lhe entregaram em totalidade, e ainda pode ser conseguido quando se atinge o estado numinoso, tornando-se livre dos processos reencarnatórios, das imposições penosas do corpo, das circunstancias impositivas da evolução. 

Auxiliar na conquista desse estado, é missão da psicoterapia profunda, trabalhando o ser integral, rompendo a concha grosseira onde a sombra muitas vezes se esconde, evitando ser identificada.

Dessa crise existencial que desestrutura o ser humano, transformado em máquina de prazer, que logo se desgasta e decompõe, surgirá uma nova proposta de humanização do ser que se erguerá da decadência para a valorização do divino que nele existe, dos sentimentos que engrandecem, que elevam moralmente e dão real significado existencial, trabalhando-o para que, como célula social, ao transformar-se para melhor contribua para o conjunto. 

Será, então, possível acreditar no mundo melhor, saudável e abençoado, onde seja possível amar e ser amado, construir para sempre sem medo e sem perda, conquistando o infinito que está ao alcance... 

Texto trabalhado com base no livro Em Busca da Verdade, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado no dia 30/03/2014.

 

 

 

 

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