quarta-feira, 2 de abril de 2014


O SER HUMANO PLENO

 
Frederico Nietzsche, dominado por terrível pessimismo, sofrendo contínuas crises de depressão e amargura, considerou o super-homem como aquele que venceria o niilismo e com a sua sede de poder tudo conquistar. Esse modelo dominante em muitos indivíduos, estimulando-os à conquista desse símbolo representado na personagem fictícia americana do Superman, é um sonho sofrido que não encontra apoio nos conteúdos psicológicos e somente tenha existência na imaginação.

Quando concebeu esse modelo, Nietzsche não imaginou o modelo ariano como ideal, que  detestava, mas alguém que superasse o homem morto, do Assim falava Zaratustra, pois podia não suportar os grandes conflitos à sua volta. Esse conceito por algum tempo gerou incompreensão em torno do autor, quando sua irmã, que com ele conviveu nos últimos tempos, deu a Hitler uma bengala que havia lhe pertencido, deixando transparecer simpatia do filosofo pelo nazismo...

Idealizar um super-homem é tentativa frustrada de desprezar-se o homem e as potências que se lhe encontram em germe.

Porque o seu processo de experiências é feito por etapas caracterizadas por incertezas e dificuldades, aspira-se, inconscientemente, à possibilidade mitológica de tornar-se alguém inacessível aos  sofrimentos, as angústias e a morte, de acordo com a compreensão a respeito do Superman.

A conquista dessa fortaleza e grandeza moral só é possível invertendo os valores, do mundo exterior como condutores de poder e de gloria,  adormecidos no Si-mesmo, que deve ser conquistado com decisão, em processos vigorosos de reflexão e ação iluminativa, de forma que nenhuma sombra consiga predominar na conquista da plenitude.

A conquista de humanidade conseguida pelo psiquismo após os bilhões de anos de modificações e estruturações, transformações e adaptações, favorece, nesse período da inteligência e da razão, a fantástica conquista do pensamento, essa força dinâmica do Universo que o sustenta e revigora constantemente.

Não foi sem sentido psicológico profundo que o astrofísico inglês Sir James Jeans disse: O universo parece mais um pensamento do que uma máquina, coroando-se com a declaração do nobre Eddington dizendo que: A matéria-prima do universo é o espirito.

Por isso, quando o ser humano autoexamina-se, percebe-se como um todo com possibilidades independentes de qualquer  condição externa, mas quando abre os olhos percebe o meio ambiente, as circunstâncias e as imposições sociais, fazendo parte do conjunto, com alguma independência. A partir daí surgem-lhe, as necessidades de autoafirmação, autorrealização, a integração no conjunto sem perda da sua identidade, da sua individualidade, do Si-mesmo.

Logo surgem as ambições pelo poder, pelo ter, que o levam a lutar, a vencer os obstáculos que se colocam na marcha, criando dificuldades para a conquista dos seus objetivos.

A sua insistência na luta fortalece-o ajudando-o a definir o caminho do progresso, para depois, conforme amadurece psicologicamente, percebe que aquelas conquistas do ego são interessantes, trazem comodidade, e prazeres, mas que não lhe plenificam plenificação.

Amadurecido, sem sofrer frustrações, mas  analisando as ocorrências e as posses descobre outra ordem de valores interiores, de aspirações mais importantes, de sentido mais lógico e importante para a vida, aspirando pela plenitude, esse estado de samadi, conservando o movimento de crescimento sem fim.

Considerando que a evolução é infinita, quanto mais consciente o ser humano, aspira sempre mais e melhores desejos trabalham-lhe o íntimo, porque o seu entendimento da realidade é abrangente e compensador.

Quem anda num vale tem a visão limitada, apesar da beleza da paisagem. Com empenho, inicia a subida montanha acima, amplia-se-lhe o horizonte visado, apesar da distancia dos contornos dos montes e dos abismos... Porém, quando atinge o ponto mais alto, percebe-se vencedor e pequeno frente a grandeza do que abarca visual e emocionalmente, não se satisfazendo apenas em  ver, mas quer também fazer parte significativa desse conjunto, que não havia para ele até o momento que passou a contemplar...

O observador existe quando detecta o que antes não tinha vida para ele, que, passa a ser observado pelo que observa.

No contexto dos conflitos existenciais, o  homem apequena-se e parece consumido pelas situações psicológicas que o envolve, como alguém num vale em sombras, sem perspectivas que lhe possibilitem horizontes de infinita alegria e bem estar.

Os sofrimentos cegam a razão, o egoísmo limita os passos, limitando as aspirações que querem abarcar tudo, sem ter possibilidade para fruí-lo, o que é lamentável, fazendo do  possuidor possuído pela posse possuidora...

Quando se liberta dos tentáculos que arrasta e atrai para o centro do ego, respira o oxigênio saudável da alegria inexprimível por se encontrar livre dos acontecimentos tormentosos do ter e do medo de perder, do ser admirado pelo que tem, não pelo que é, de ser visto como vencedor de fora, no que é admirado, mas dificilmente amado... Livre de qualquer  dependência factual do cotidiano das coisas, pode voar pela imaginação e pelos sentidos em qualquer direção, sem medo,  sem ansiedade, porque se encontra pleno.

A aventura existencial é uma saga, e a psicologia analítica, moderna, avançando com o progresso da Humanidade, vem trazendo os recursos para as conquistas interiores importantes, sem bengalas de apoio, mas  com a contribuição da lucidez e do autoconhecimento para atingir a vitória sobre as imposições da caminhada orgânica.

Os avanços e as conquistas provavelmente não são conseguidas de uma só vez, mas aos poucos, mesmo porque aquele que salta rapidamente no topo do monte, usando veículo aéreo, sente a diferença atmosférica, o ar rarefeito, acostumando-se de forma lenta para poder beneficiar-se.

Psicologicamente, as mudanças interiores  também são oxigenadas pelas experiências conseguidas em fases anteriores, nos passos iniciais de sustentação das futuras conquistas, somando recursos para conquistas mais audaciosas.

Despojar-se dos instrumentos de que o ego se vem utilizando para manter-se, de um para outro momento, causa-lhe transtorno inevitável, por isso a integração com o Self deve acontecer naturalmente, para que haja equilíbrio, um perfeito estado de individuação.

Existem pessoas que buscam o sacrifício, o holocausto, num êxtase de fé religiosa para aproximar-se mais de Deus.

Não se creia que Deus assim o deseje, pois sendo a Sua a mensagem de amor, o autoamor faz parte da Sua agenda de evolução para todos.

Acontecendo de forma não buscada, é oportunidade de sublimação, em que o ego abre espaço ao divino que nele existe. Mas, o sacrifício pode também ser visto como o abandono das coisas, dos apegos que  agradam, trocando-os pela espiritualização libertadora, e o holocausto refere-se ao desprezo pelas paixões inferiores, pelos vícios que dão prazer, pelas pequenezes a que muitos se prendem, tornando-se de grandiosa e de grande valor.

Com sabedoria, Allan Kardec, no O Evangelho Segundo o Espiritismo, no capítulo XVII, item3, faz um perfil psicológico de O homem de bem, que traduz com perfeição a conquista do ser pleno.

Diz o Codificador do Espiritismo:

O verdadeiro homem de bem é o que cumpre a lei de justiça, de amor e de caridade, na sua maior pureza. Se ele interroga a consciência sobre seus próprios atos, a si mesmo perguntará se violou essa lei, se não praticou o mal, se fez todo o bem que podia, se desprezou voluntariamente alguma ocasião de ser útil, se ninguém têm qualquer queixa dele; enfim, se fez a outrem tudo o que desejara lhe fizessem.

Deposita fé em Deus, na Sua bondade, na Sua justiça e na Sua sabedoria. Sabe que sem a sua permissão nada acontece e se Lhe submete à vontade em todas as coisas.
 
Tem fé no futuro, razão por que coloca os bens espirituais acima dos bens temporais.

Sabe que todas as vicissitudes da vida, todas as dores, todas as decepções são provas ou expiações e as aceita sem murmurar.

Possuindo o sentimento de caridade e de amor ao próximo, faz o bem, sem esperar paga alguma, retribui o mal com o bem, toma a defesa do fraco contra o forte e sacrifica sempre seus interesses à justiça.

Encontra satisfação nos benefícios que espalha, nos serviços que presta, no fazer ditosos os outros, nas lágrimas que enxuga, nas consolações que prodigaliza aos aflitos. Seu primeiro impulso é para pensar, nos outros, antes de pensar em si, é para cuidar dos interesses dos outros antes do próprio interesse. O egoísta, ao contrário, calcula os proventos e as perdas decorrentes de toda ação generosa...

...O homem de bem é bom, humano e benevolente para com todos, sem distinção de raças, nem de crenças, porque em todos os homens vê irmãos seus...

...Não alimenta ódio, nem rancor, nem desejo de vingança; a exemplo de Jesus, perdoa e esquece as ofensas e só dos benefícios se lembra, por saber que perdoado lhe será conforme houver perdoado.

É indulgente para as fraquezas alheias, porque sabe que também necessita de indulgencia e tem presente esta sentença do Cristo: - Atire-lhe a primeira pedra aquele que se achar sem pecado.

Não se compraz em rebuscar os defeitos alheios, tampouco em evidenciá-lo. Se a isso se vê obrigado, procura sempre o bem que possa atenuar o mal.

Estuda suas próprias imperfeições e trabalha incessantemente em combatê-las. Todos os esforços emprega para poder dizer, no dia seguinte, que alguma coisa traz em si de melhor do que na véspera.

Não procura dar valor ao seu espírito, nem aos seus talentos, a expensas de outrem; aproveita, ao revés, todas as ocasiões para fazer ressaltar o que seja proveitoso aos outros...

...Usa, mas não abusa dos bens que lhe são concedidos, porque sabe que é um depósito de que terá de prestar contas e que o mais prejudicial emprego que lhe pode dar é o de aplicá-lo a satisfação de suas paixões...

...Finalmente, o homem de bem respeita todos os direitos que aos seus semelhantes dão as leis da Natureza, como quer que sejam respeitados os seus... (52ª, edição da FEB)

Raramente se pode desenhar um ser humano pleno, conforme o notável educador lionês o fez, como notável psicólogo não acadêmico, mas Espírito incomum que conseguiu a individuação, tornando a sua existência um mundo luminoso para todos quantos se lhe acercaram, permanecendo a claridade dos seus ensinamentos como diretriz de libertação de consciências e de perfeita identificação dos mitos na realidade do ser, assim como o perfeito equilíbrio na vivencia de inúmeros arquétipos, proporcionando sabedoria e paz..

Texto trabalhado com base no livro EM BUSCA DA VERDADE, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado no dia 01/04/2014.

Nenhum comentário: