terça-feira, 18 de março de 2014


CAIR EM SI

Desde os primórdios da evolução as perdas tem uma trajetória na psique humana, quando ocorreu a saída do paraíso, a perda da inocência, ante as  castrações culturais, religiosas, sociais, que geraram o mascaramento da necessidade sendo substituída pela dissimulação, dando dessa forma lugar ao surgimento dos primeiros sinais de insegurança e aos registros de criança ferida no indivíduo.

Embora reconhecendo-se problematizado, esse indivíduo foge ainda hoje da responsabilidade do enfrentamento das culpas e desafios, normalmente transferindo-a para os demais, injustamente considerados como inimigos  perturbadores da sua paz íntima. Será que realmente, alguém de fora, poderá criar embaraços ou sombrear a luz interna, a paz de cada qual, trabalhada na consciência tranquila em torno dos deveres retamente cumpridos? É claro, que não. Porém, fica mais fácil ao ego transferir responsabilidades do que enfrentar a sombra devastadora a que se habituou. O estágio da doença prolongada gera uma aceitação de circunstância com alguma alegria, porque o doente não trabalha, mas dá trabalho, não se preocupa  com as ocorrências deixa para que outro as assuma, continuando em estado infantil de dependência, de lagrimas e de queixas, com que se satisfaz, enquanto se aflige...

A conscientização da culpa, assim como das necessidades de serem saudáveis, são sempre retardadas pelos Espíritos enfermos, que se escondem nas faamosas fraquezas de que se dizem possuídos, atribuindo aos lutadores incansáveis forças que não lhes foram dadas, como se houvesse privilégio entre as criaturas, aquelas que desfrutam benesses imerecidas e as outras as castigadas pela vida, portanto, dignas de piedade e de amparo.

O desenvolvimento psicológico é contínuo, exceto quando impedido pela acomodação do ego dominador.

O Evangelho de Jesus, particularmente as parábolas contadas por Lucas, são, sem dúvida, um grande tratado de psicoterapias espirituais, morais, sociais e libertadoras para todos os indivíduos que as examinem em todos os tempos depois de escritas...

Falando por parábolas, Jesus utilizou-se dos mais importantes recursos orais que existem, porque os arquétipos vivenciados encontram-se em todos os indivíduos, ocultos ou não, e que, através dos diferentes períodos, são sempre atuaidade.

Na parábola do pai misericordioso, quando o filho ingrato experimenta miséria econômica, moral, social pelo desprezo de que é objeto, após reflexionar muito na situação de penúria em que se encontrava, caindo em si resolveu buscar o pai que atendia aos seus empregados com nobreza, optando por não mais ser aceito, nem sequer como filho, porque não o merecia, mas como servo... E assim o fez, sendo recebido, não como empregado, mas como filho de retorno ao coração afetuoso.

Foi necessário cair em si...

Cair em si foi o triste despertar de Judas ante a injunção da culpa, desertando mais lamentavelmente através do suicídio, num surto perverso de depressão...

Cair em si foi o momento em que Pedro conscientizou-se após as negações, redescobrindo o Amigo traído e abandonado, oferecendo, então, a existência inteira, a partir dali, consciente e lúcido para recuperar-se...

Cair em si foi a oportunidade que se permitiu a mulher equivocada de Magdala, que se transformou interiormente, a ponto de ser escolhida para ser a mensageira da ressurreição...

Cair em si deve ser o primeiro passo a ser dado por todos os doentes da alma, por aqueles que se comprazem nos conflitos e que se recusam as bênçãos da saúde real, que debatem-se no sofrimento escolhendo a piedade e comiseração ao invés do apoio do amor e da fraternidade...

A conquista da autoconsciência começa nesse cair em si, graças ao sofrimento experimentado que  desencadeia a necessidade de encontro, de autoencontro profundo. O sofrimento consciente que permite reflexões, convida, normalmente, à mudança de comportamento, porque expressa distonia na organização física, emocional ou psíquica que necessita de ajustamento. Essa experiência evolutiva conduz com segurança ao encontro com o Cristo interno, ajudando-o a ampliar as suas infinitas possibilidades de crescimento e de libertação.

Prisioneiro do egoísmo e vitima das paixões ancestrais, o homem de todos os tempos sofre a imposição da ignorância dos males que o visitam, que nele mesmo se encontram, buscando mecanismo de fuga e justificativas irreais, para evitar-se o enfrentamento, a busca real e necessária do Si.

Um grande número de problemas emocionais que se encontram na criança ferida, que se sente, mesmo na idade adulta, desamada e injustiçada, pode ser corrigido quando o sofrimento deixa de ser manifestação de revolta para tornar-se viagem na direção da autoconsciência, através da qual consegue compreender as ocorrências humanas sem acusações nem desforços. Provavelmente, os pais ou educadores responsaveis por conduzir e orientar os passos iniciais da criança, foram, por sua vez, vítimas da mesma situação decorrente da ignorância dos seus ancestrais, que se comportaram com impiedade ou indiferença negligenciando os deveres e deles exigindo demasiadamente... Não será justo que o mesmo quadro de amarguras seja transferido para outra geração, nesse círculo vicioso que tem de ser interrompido pelo despertar da consciência. Para que isso aconteça, é necessário que cada qual caia em si, analisando com tranquilidade as suas dificuldades emocionais e trabalhando-as com dedicação, a fim de serem reformuladas e revivenciadas. Outras vezes, quando a ferida é muito profunda, torna-se necessária a psicoterapia especializada, a fim de levar o paciente a reviver os momentos angustiosos que foram asfixiados pelo medo, submetidos aos impositivos da prepotência dos adultos, perturbando o desenvolvimento psicológico. Pela análise de cada sombra dominadora, será projetada a luz do Self na busca da integração, favorecendo o amadurecimento emocional do paciente e dando-lhe oportunidade de recuperação e de alegria de viver.

Essa psicoterapia levará à catarse de todos os conflitos que encontram-se ditatorialmente governando a existência quase fanada, facultando que, por intermédio das associações, abram-se horizontes adormecidos e surja o sol do bem-estar e da harmonia interior.

Já não lhe será necessário o refúgio infantil da lamentação nem da acusação, mas a lucidez para compreender o sucedido, facultando-se renovação e entusiasmo nos enfrentamentos que proporcionam a descoberta da alegria.

A tristeza que, periodicamente, assalta a casa emocional do ser humano não é negativa, quando se apresenta em forma de melancolia, por falta de algo, por desejo de conseguir-se alguma coisa não conquistada... Essa expressão da emoção vibrante caracteriza o bom estado de saúde mental, porque é uma fase de curta duração, abrindo campo para novas percepções dos valores mais elevados que não estão sendo considerados e logo se transformam em recursos portadores de bem-estar. Nada obstante, a experiência deve ser de breve duração ou vigência, a fim de não criar um clima psicológico doentio que venha a transformar-se em condição patológica. Somente as pessoas normais, em equilíbrio, experimentam as várias emoções que constituem o painel da sua realidade emocional. Saúde e bem-estar sustentam-se nos alicerces das experiências diversificadas vividas pelo individuo  em equilíbrio e harmonia.

Ninguém espere felicidade como uma horizontal assinalada somente por alegrias e ocorrências satisfatórias, que não existem de maneira permanente, mas como uma grande estrada sinuosa, com altibaixos, sendo que a próxima descida jamais deve atingir o nível inicial de onde se começou a marchar...

Nas duas parábolas das perdas da ovelha e da dracma, enfrenta-se uma situação muito delicada, que é, no primeiro caso, deixar-se todo o rebanho, a fim de ir-se buscar a extraviada, ou preocupar-se, no segundo caso, exclusivamente com a moeda que desapareceu...

Quando ocorre um problema no comportamento emocional, como se fosse uma ovelha que se desgarra do conjunto psicológico, a necessidade de trabalhar-se a sua falta e encontrar-se a melhor solução, não exige que se distraia das outras faculdades, de modo a não vir o desfalecimento do entusiasmo e da alegria de viver.

As demais ovelhas no deserto, normalmente estão guardadas por cães pastores que se encarregam de mantê-las unidas, enquanto não chega o condutor...

            

De igual maneira, é necessário que a vigilância interior, o cão atuante, esteja cuidando dos demais valores, a fim de que a harmonia do conjunto não seja perturbada, e, ao encontrar o perdido,  realmente o ser se permita invadir pelo regozijo, a todos comunicando, mesmo que, sem palavras, o júbilo de que se encontra possuído.

 

Todos necessitam de vivenciar, vez que outra, alguma perda, a fim de melhor valorizar o que possui. Enquanto se encontram em ordem os valores, as emoções seguem o curso harmônico das ocorrências, o Self acomoda-se à sombra e às injunções do momento. Um choque, um acontecimento representativo de perda produz uma reação emocional correspondente à qualidade do perdido, ensejando a busca, a reconquista do que se possuía e agora se transforma num valor cuja qualidade não era conhecida, porque existia e estava à disposição.

 

É comum afirmar-se com certa razão, que somente se valoriza algo quando se o perde. É certo que há exceções, no entanto, diante dos problemas humanos, os apegos às coisas levam o indivíduo a desconsiderar todos os tesouros que possui e, momentaneamente, não lhes concede o mérito devido, a qualidade que possuem.

 

Uma organização física saudável, em que os sentidos sensoriais atuam com automatismo, constitui um precioso recurso que muitos somente consideram quando vitimados por qualquer problemática em algum deles. Enquanto isso não se apresenta, utiliza-lhe a função sem a real consideração que merece.

 

O mesmo sucede com a bela imagem da dracma, em considerando o seu valor para a subsistência da mulher e a manutenção da sua dignidade social.

 

Os Espíritos frágeis na luta, os enfermos emocionalmente, deixam-se vencer pela perda de muitos bens emocionais, sem fazer o menor esforço pela sua preservação ou mesmo reconquista, deixando que o tempo se encarregue  de solucionar aquilo que lhes diz respeito, complicando, cada vez mais, a sua saúde comportamental. A negligencia a esse respeito é muito grande e, por isso, a maioria dos padecentes emocionais somente busca ajuda quando se encontram experimentando a fome das algarobas duras e raras, caindo, então, em si, quanto à própria situação em que se encontra. É nesse momento, que eles se recordam que tem um pai misericordioso, e somente o buscam porque têm necessidade, já que o sentimento de amor e de respeito não foi levado em conta.

 

Cair em si, portanto, é uma forma de conversão, de voltar-se para algo novo ou redescobrir o valor do que possuía e desperdiçou.

 

Ninguém pode assumir uma postura madura e equilibrada sem o contributo da reflexão profunda que lhe permite mergulhar no Si, valorizá-lo e entregar-se com coragem, rastreando os caminhos percorridos e retificando as anfractuosidades que ficaram na retaguarda.

 

A coragem de autodescobrir-se, identificando os erros que se permitiu, e o desejo real por uma nova conduta facultam que o Self aceite a sombra e integre-a harmoniosamente, facultando-se a alegria da recuperação.

 

Como Psicoterapeuta invulgar, ao narrar as duas parábolas Jesus tomou como exemplo um homem e uma mulher, colocando em igualdade psicológica o anima-us,  para demonstrar que as necessidades e emoções são iguais, embora as diferenças de sexo.

 

O pastor, que sai à procura da ovelha desgarrada, é estimulado pela sua anima, e quando a encontra, condu-la maternalmente, com carinho ao rebanho, rejubilando-se como a galinha que agasalha todos os pintainhos sob a sua segurança...

 

Por sua vez, a mulher que perdeu a dracma é automaticamente comandada pelo seu animus, que a leva a varrer a casa, acender uma candeia para conseguir luz e põe-se afanosamente a procurá-la até o momento em que a encontra, e então, funde-se-lhe o anima-us,e exultante, a todos notifica o acontecimento.

 

Para muitos pacientes, libido é a alma da vida, utilizando-se de toda sua pujança para a autorrealização que não ocorre dessa forma. Quando, porém, qualquer circunstancia gera um conflito e os mesmos têm a impressão de a haverem perdido, transtornam-se e a tudo abandonam somente pensando no retorno da sua função, da sua aspiração preponderante...

 

Essa atitude pode parecer muito bem com a do pastor, diferindo em essência, quando este ultimo ama a todas as suas ovelhas com igualdade, não desejando, como é natural, perder nenhuma.

 

O paciente, no entanto, valoriza, à exorbitância, essa energia que expressa vida, e logo faz o quadro depressivo, considerando-se indigno e incapaz de viver. A busca é ansiosa e assinalada pelos tormentos da incerteza, enquanto o pastor estava consciente do êxito do empreendimento.

 

A existência terrena, portanto, deve ser considerada em conjunto, em totalidade, de modo que todos os valores que constituem a sua realidade mereçam igual interesse e valorização.

 

Nenhuma função é mais relevante do que outra, porquanto, na harmonia da organização fisiológica devem prevalecer o bem-estar psicológico e a claridade mental. Em razão disso, os fenômenos orgânicos acontecem como resultado do bem elaborado projeto psíquico responsável pela marcha evolutiva.

 

Qual de vós? Interrogou Jesus, demonstrando que todos os seres humanos experimentam as mesmas angústias e ansiedades, buscam as mesmas realizações e, quando convidados ao sofrimento, sentem necessidade de paz e de renovação. Não importa se tem haveres ou se vivem com carências, porque, mesmo no desvalimento sempre se possuem outros recursos de natureza emocional e moral, que lhes são de alto significado, não abdicando, por exemplo do orgulho, da presunção, do egoísmo... Não é difícil encontrar-se na miséria econômica os indivíduos dominados por sentimentos de rancor ou de mágoa, vencidos pela sombra, que tema em preservá-los no primitivismo... Esses sentimentos inferiores constituem tesouros para muitos afligidos, que não se incomodam de sofrer, desde que não se vejam impulsionados à mudança interior de atitude perante a vida. Quando possuírem outros bens, considerados de alto significado, a eles apegando-se, tornam-se mais déspotas, vingativos e desditosos. Se perdem algo, aturdem-se, deblateram e revoltam-se, considerando-se injustiçados pela vida, até o momento em que o sofrimento os leva a cair em si,  quando tem começo a sua renovação. A partir desse momento, atiram-se na busca da ovelha ou da dracma perdidas, rejubilando-se ao reencontrá-las.

 

Há muitos valores morais em jogo na existência e no seu curso, alguns quando correndo perigo fogem para o deserto ou perdem-se na sala do próprio lar...

 

A saúde real consiste no encontro e na assimilação desses bens indispensáveis à paz interior e ao equilíbrio emocional, sem perdas, sem prejuízos gerados por culpas ora superadas.

 

Nessa circunstancia, a criança ferida que existe em cada pessoa está renovada, sem cicatrizes nem marcas dos transtornos passados, vivenciando a individuação.

 

Trabalho elaborado com base no livro Em Busca da Verdade, escrito por Divaldo Pereira Franco ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado dia 18/03/2014.

 

 

 

 

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