quarta-feira, 5 de março de 2014


PERDER-SE E ACHAR-SE

O herói adormecido deve seguir adiante, buscar a sua identidade, sair da proteção do Pai misericordioso, para viver as próprias experiências. Talvez não seja necessária a forma como o filho pródigo tomou a decisão, mas uma escolha levada pela própria maturidade.
Quando se quebram os primeiros laços entre o filho e mãe a criança começa a dizer não. A sua personalidade se vai formando, nasce a sua identidade que carece de independência para amadurecer, para enfrentar os desafios.
O vínculo com o Pai, especialmente no sexo masculino, pode durar por muito tempo como submissão, medo, interesse pela herança, falta de iniciativa para suprir as próprias necessidades que tem sido atendidas sem  esforço de sua parte. Transferindo a responsabilidade dos seus atos ao Pai, o filho não cresce psicologicamente, vivendo numa espécie de paraíso infantil, onde se sente bem, embora não realizado.
A experiência libertadora é essencial ao crescimento interior e pessoal, e pode ser feita, sem traumas, sem culpas, nem danos.
Muitas vezes, nessa fantástica aventura de autoidentificação acontece o perder-se, para mais tarde achar-se.
A sombra em forma do eu-demônio apressa-se para que aconteça a ruptura, enquanto o eu-angélico perturba-se e introjeta a culpa, que ressumará do inconsciente quando o indivíduo perceber-se perdido e sofrido.
É comum ocorrer desenvolvimentos espontâneos e superiores na psique, quando chega a idade adulta, mas, nela existem fatores de compressão e de regressão fortes, mostrando o erro que cometeu, abrindo espaço para as reflexões mais sérias sem o ego, tornando possível a correção do erro, sem prejuízo das qualidades morais adquiridas. Mas, pelo contrario, graças a esses valores de enriquecimento interior, que ajudam no discernimento, que propiciam o crescimento e contribuem com as forças necessárias para a reabilitação.
O ser amadurecido pela dor redescobre que tem um Pai misericordioso, que nem sequer o censurou quando ele partiu ou dificultou a sua viagem, mas que, com certeza o espera na sua afeição não ultrajada.
Essa conquista da consciência do si-mesmo é a chave mágica para a decisão de voltar para casa, de retornar às experiências de identificação com a vida. Já não é uma volta à inocência, ela transformou-se em conhecimentos vários, em sofrimentos dignificadores, em discernimento entre raga (a paixão, a ilusão) e a realidade.
Não é suficiente ser trabalhados o ego e a persona, fortalecidos e construídos muitas vezes pelas experiências existenciais, mas o Self consciente. Quando se atinge a meia-idade essa reflexão é inevitável. Mas, o mesmo fenômeno ocorre também, na juventude, após alguns traumas e frustrações, desencantos e dissabores ante a realidade da vida.
Foi o que pensou e fez o Filho pródigo, no inferno em que estava. Ele sabia onde se encontrava o paraíso e necessitava do estímulo que veio na forma de fome e humilhação, com a consequente possibilidade de morrer.
Havendo perdido a própria identidade, todos os valores que lhe constituíam a raça, suas heranças, seus prejuízos e suas conquistas, ao trabalhar com porcos – animais imundos na sua crença – em servir a um pagão, pecando contra a fé religiosa – o seu Deus – a mais vergonhosa derrota tinha sido essa, a de natureza moral, cujos fatores de perturbação se lhe somaram como desonra, descrédito, abandono, miséria física e econômica, decorrentes daquela de natureza espiritual.
No processo de conquista da consciência, por desconhecimento da realidade, por presunção e fatuidade, muitos perdem-se e caminham imaturos no prazer, desperdiçando a juventude e os tesouros que lhe são pertinentes, até o momento em que surge uma seca, faltam as energias para continuar e o indivíduo cai em si, avaliando tudo que tinha e que não mais dispõe, sabendo que na terra longínqua onde vivia, tudo existe em abundância.
Não busca mais conquistar o que perdeu, porquanto há recursos que não voltam como: energia, juventude, pureza de sentimentos, mas outros podem ser restaurados tais: dignidade, trabalho, renovação, novos logros.
Ao Filho pródigo, um lugar entre os trabalhadores lhe era o bastante, mas ele foi restaurado pelo pai que o reabilitou, vestindo-o e calçando-o com nobreza, lhe pondo o anel de distinção e de união.
Tudo isso porque ele estava perdido e foi encontrado, estava morto e vivia.
Considere-se o fato, como o do amor de Deus, em relação às suas criaturas, Seus filhos rebeldes que Lhe abandonam a casa paterna e fogem para o país longínquo da loucura e da ingratidão, entregando-se à ilusão, esquecendo-se da sua origem divina, dispersando as forças elevadas que lhe são concedidas para o desenvolvimento espiritual, moral e intelectual, entregando-se ao servilismo com os animais imundos – as paixões primitivas – disputando  as bolotas – insistindo no primarismo ancestral – porque está perdido, mas podendo autoencontrar-se .
Como parte da trilogia dos perdidos – a ovelha, a dracma e o filho pródigo – essa parábola também compõe a tríade do encontro, da esperança, da misericórdia, do júbilo.
Achar-se é mais importante do que achar.
Achamos coisas, animais e pessoas perdidos, mas, achar-se, quando se está perdido em si mesmo e não no espaço-tempo, é de grande importância psicológica, de verdadeira cura, de reabilitação, de autoencontro, de amadurecimento para o estado numinoso.
É preciso, nesse instante, trazer a ímago Dei na consciência como referencia  a fim de sair do ego  extravagante e ditador, lembrando do Pai misericordioso que sempre espera e que, reencontrando o que estava perdido, alegra-se, propõe e faz uma festa, conservando a união que foi perdida quando o irresponsável fugiu para longe...
A persona está sempre mudando no processo existencial porque ela é resultado das conquistas psicológicas e morais, embora o ego se demore na sua dominação, enquanto conquista recursos para interagir com as novas conquistas. Nos períodos de mudança biológica, conforme colocado anteriormente, essas mudanças ocorrem com naturalidade, atingindo seu ponto culminante na fase adulta-velhice, quando o período é saudável.
Vive-se hoje na Terra, não mais o ciclo das culturas da vergonha e da culpa, mas o do narcisismo, do exibicionismo, da falta de censo e de pudor, da extravagância, do poder...
Mesmo assim, a psique mantém a herança da culpa e da vergonha no inconsciente individual e ainda quando anestesiada por situações e acontecimentos casuais, locais, sociológicas, são sempre de duração rápida, porque vem a tona e se expressam de forma patológica com transtornos de comportamento e síndromes de doenças originadas por somatização.
Compreende-se que o necessário sair de casa para fazer-se herói, não tem que passar pelo insucesso, mas que depende, da maneira escolhida para essa experiência.
Achar-se é uma necessidade do si-mesmo para vivenciar a alegria de viver, não caindo em distúrbios de conduta, lamentáveis e dolorosos.
Quando se pensa que o Cosmo possui um sistema de natureza moral, organizador, percebe-se com alegria que a vida oferece processos evolutivos que levam ao engrandecimento pessoal e à plenitude ou individuação.
Pode ser alcançado esse crescimento sem se passar obrigatoriamente pelo insucesso do ego pelas incertezas do Self, fazendo a viagem de volta a casa, com alegria.
Jesus concebeu e expôs a Parábola do Filho pródigo, e mais as duas outras, as dos perdidos, para mostrar que Ele veio para esses sofredores e desorientados, que Ele encontraria e os reconduziria às suas origens, na doce expressão do Pai misericordioso, no que conseguiu com vitória retumbante, demonstrando, aos seus antagonistas que, de alguma forma, eles estavam perdidos, mas que também estavam sendo encontrados, tendo a oportunidade de voltar à casa paterna...
O desafio de Jesus continua na atualidade com as mesmas características, representadas no Seu chamamento à consciência de felicidade, naturalmente para aqueles que a perderam ou não a tiveram, ante o crivo dos novos fariseus presunçosos e enganados com relação à vida e ao seu determinismo.
São, por enquanto, Filhos pródigos saindo da casa paterna, para desfrutar as heranças divinas no país longínquo.
Trabalho executado com base no livro Em Busca da Verdade, escrito por Divaldo Franco, Espírito Joanna de Ângelis. Postado dia 04/03/2014.

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