O SER HUMANO PERANTE A SUA CONSCIÊNCIA
5º
Capítulo do livro Psicologia da Gratidão
Divaldo
P. Franco/Joanna de Ângelis, p.111-115
DESDE
O MOMENTO QUANDO OCORREU a fissão da psique dando lugar ao surgimento dos
arquétipos ego e self, os pródromos da consciência começaram a ensaiar o
despertamento das emoções de variado teor e significado psicológico.
As
manifestações iniciais do medo e da ira abriram as possibilidades para as
demais expressões dos sentimentos adormecidos, propondo a continuação dos
instintos de conservação e de reprodução da vida orgânica, facultando a
superação daqueles outros agressivo-defensivos, ou pelo menos o seu eficaz
direcionamento, elegendo preferencialmente aqueles que proporcionam prazer e harmonia
em detrimento daqueloutros que geram sofrimento e desequilíbrio...
A
dor brutal do princípio começou ceder às manifestações menos grosseiras, culminando
na presença dos fenômenos morais afligentes que o conhecimento tem o dever de
lenir, à medida que a consciência adquire os níveis superiores a que está
destinada.
No
Oriente, o discernimento que proporcionou o surgimento da consciência é
encontrado na tradição do Bagavad Gita,
parte do Mahabarata, quando o mestre
Krishna, dialogando com o discípulo Ardjuna, ajudou-o a penetrar na vida
mística, especialmente na luta que deveria ser travada com destemor entre as
virtudes (de pequeno número) e os vícios (muito mais numerosos), mediante a
aplicação das forças nobres da consciência.
No
Judaísmo os formosos deslumbres do bem e do mal, nos livros mais antigos dos
profetas, especialmente em alguns daqueles que foram considerados heréticos a
partir do Concilio de Nicéia, no ano 325 d.C., convocado pelo imperador
Constantino. Dentre esses destacamos o Livro
de Enoque, em cujas lições Jesus teria encontrado apoio para o seu
ministério, e os apóstolos João, Tiago, Lucas nos Atos, e Paulo se inspiraram
para elaboração de preciosas páginas que aplicaram nas suas propostas
evangélicas e epistolares...
A
dualidade arquetípica da sombra e da luz apresenta-se então como Satã e Cristo,
o Ungido, que vem das veneradas
tradições orais, detestado o primeiro pela sua perversão e maldade – ou outro
lado da psique, o lado que se procura ignorar -, e o Cristo - a luz da verdade,
do bem, da plenitude...
No
Ocidente, o pensamento socrático-platônico expressou-se de maneira equivalente,
apresentando a virtude como consequência dos valores morais ante os vícios de
todo porte que degradam, impedindo desenvolvimento do logos interno inerente a todos os seres humanos...
Na
esteira das sucessivas reencarnações, o Espírito aprimora os valores
ético-morais e intelectuais, proporcionando o desenvolvimento das faculdades da
beleza, da estética, da arte em diversificadas manifestações que facultam a
superação dos impulsos do primarismo pela espontânea eleição dos sentimentos
morais elevados.
Vivenciando,
em cada reencarnação, uma ou várias faculdades éticas, as suas variantes enriquecidas
do bem sobrepõem-se às anteriores tendências, fixando os valores espirituais
que culminarão na plenitude do ser.
Esses
períodos, alguns assinalados por grandes turbulências emocionais, despertam a
consciência do ego para o conhecimento do si-mesmo,
proporcionando-lhe compreender a finalidade da existência carnal.
À
medida que supera os episódios vivenciados no pavor, dando lugar às
manifestações da afetividade, a princípio em forma de posse e domínio, para
depois em atitudes de renúncia pelo bem-estar do outro, a ampliação da
consciência objetiva impulsiona o Espírito para as conquistas de natureza
cósmica.
Nesse
comenos, surge o nobre sentimento da gratidão com as suas mais simples
expressões de júbilo pelo que se recebe da vida, e posteriormente pela
necessidade de retribuir, libertando-se da posse enfermiça e da paixão
desequilibrante, antes orquestradas pelo ego e pelo arquétipo sombra.
Sentindo
essa doce emoção de agradecer, de imediato se é propelido para a cooperação
edificante no grupo social para melhor e mais feliz, no qual a saúde real
independe dos processos de desgastes pelas enfermidades ou pela senectude.
A
consciência grata é risonha e saudável, predominando em qualquer idade somática
do ser humano.
Comumente
se encontram crianças e jovens com exuberância de saúde física, portadores, no
entanto, de frieza dos sentimentos relevantes do afeto, ingratos, mudando de
atitude somente quando estão em jogo os seus interesses imediatos de
significado egotista. Simultaneamente se detectam os valores de enriquecimento
gratulatório em anciãos e enfermos que, não obstante as circunstâncias e
ocorrências orgânicas tornam-se exemplos vivos de alegria, de luminosidade, de
bem-viver... Nem mesmo a aproximação da morte biológica aflige-os ou
atemoriza-os, antes, pelo contrário, alegra-os em agradável anuncio de libertação
que lhes enseja a individuação antes ou após o decesso tumular...
O
sentimento de gratidão, portanto, não se deve apresentar exclusivamente quando
tudo transcorre bem, quando os fenômenos psicossociais, emocionais e orgânicos
encontram-se em clima de júbilo, mas também por ocasião das ocorrências
denominadas como adversidades. Reagir-se de maneira grata aos sucessos de
qualquer porte é perfeitamente normal e natural, e se assim não se procede é
porque se é arrogante, soberbo, vivendo em conflitos desgastantes. O desafio à
gratidão dá-se nos tempos difíceis, quando surgem as adversidades que são
também parte do processo desafiador da evolução, porquanto nem sempre os céus
humanos estarão adornados de astros, sendo todos convidados a atravessar a noite escura da alma com a luz do
sentimento reconhecido a Deus pela oportunidade de experienciar novas maneiras
de viver.
Normalmente,
o sofrimento ceifa a gratidão e o indivíduo foge para a lamentação deplorável,
para a autoacusação ou autojustificação, comparando-se com as demais pessoas
que lhe parecem felizes e destituídas de qualquer inquietação.
De
certo modo, sem as experiências dolorosas, ninguém pode avaliar aquelas que são
enriquecedoras e benignas por falta de parâmetros de avaliação. Necessário
nesses momentos mais difíceis liberar-se da raiva, da mágoa, evitando a
ingratidão pelos bens armazenados e pelas oras felizes anteriormente vividas,
continuando a amar a vida mesmo nessas circunstâncias indispensáveis.
O
mito bíblico de Jó deve constituir modelo de aprendizado, em razão da sua
coragem e gratidão a Deus mesmo quando tudo lhe fora retirado: rebanhos, servos
e escravos, filhos e recursos financeiros, ficando em estado lamentável, porém
sem revolta.
A
lenda narra que aquilo fora resultado da interferência de Satanás, que lhe
invejando a felicidade e o amor a Deus propôs ao Criador que lhe retirasse tudo
e ele se revelaria como as demais criaturas, rebelde, ingrato e desnorteado.
Aceitando
o repto proposto, o Senhor da Vida testou o afeto de Jó, cobrindo-o de
chagas e de miséria, que reagiu de maneira oposta à sombra, mantendo-se fiel em
todos os momentos e grato pelas provações, apesar da revolta da sua mulher...
Apenas
perguntou:
-
Por que eu?
E
depois de muitas reflexões felizes concluiu que não existe o bem sem o mal, a
felicidade sem o sofrimento, colocando Deus – arquétipo primordial – acima de
tudo e aceitando-Lhe as imposições sem revolta.
Em
consequência, Deus demonstrou a Satanás que Jó lhe fora fiel no teste e
devolveu-lhe tudo quanto lhe houvera tirado...
Dilatando-se
a consciência enobrecida pela lucidez, os arquivos do self liberam os arquétipos celestes, que procedem do primordial, e
a gratidão também se torna o estado numinoso que enseja a conquista cósmica
recomendada por Jesus como sendo a instalação do reino dos céus nos arcanos do coração.
Final
do texto, porém o cap.5 a gratidão como roteiro de vida continuará na
próxima postagem.
Postado dia 27/09/2013.
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