sexta-feira, 27 de setembro de 2013


 

O SER HUMANO PERANTE A SUA CONSCIÊNCIA

5º Capítulo do livro Psicologia da Gratidão

Divaldo P. Franco/Joanna de Ângelis, p.111-115

DESDE O MOMENTO QUANDO OCORREU a fissão da psique dando lugar ao surgimento dos arquétipos ego e self, os pródromos da consciência começaram a ensaiar o despertamento das emoções de variado teor e significado psicológico.
As manifestações iniciais do medo e da ira abriram as possibilidades para as demais expressões dos sentimentos adormecidos, propondo a continuação dos instintos de conservação e de reprodução da vida orgânica, facultando a superação daqueles outros agressivo-defensivos, ou pelo menos o seu eficaz direcionamento, elegendo preferencialmente aqueles que proporcionam prazer e harmonia em detrimento daqueloutros que geram sofrimento e desequilíbrio...
A dor brutal do princípio começou ceder às manifestações menos grosseiras, culminando na presença dos fenômenos morais afligentes que o conhecimento tem o dever de lenir, à medida que a consciência adquire os níveis superiores a que está destinada.
No Oriente, o discernimento que proporcionou o surgimento da consciência é encontrado na tradição do Bagavad Gita, parte do Mahabarata, quando o mestre Krishna, dialogando com o discípulo Ardjuna, ajudou-o a penetrar na vida mística, especialmente na luta que deveria ser travada com destemor entre as virtudes (de pequeno número) e os vícios (muito mais numerosos), mediante a aplicação das forças nobres da consciência.
No Judaísmo os formosos deslumbres do bem e do mal, nos livros mais antigos dos profetas, especialmente em alguns daqueles que foram considerados heréticos a partir do Concilio de Nicéia, no ano 325 d.C., convocado pelo imperador Constantino. Dentre esses destacamos o Livro de Enoque, em cujas lições Jesus teria encontrado apoio para o seu ministério, e os apóstolos João, Tiago, Lucas nos Atos, e Paulo se inspiraram para elaboração de preciosas páginas que aplicaram nas suas propostas evangélicas e epistolares...
A dualidade arquetípica da sombra e da luz apresenta-se então como Satã e Cristo, o Ungido, que vem das veneradas tradições orais, detestado o primeiro pela sua perversão e maldade – ou outro lado da psique, o lado que se procura ignorar -, e o Cristo - a luz da verdade, do bem, da plenitude...
No Ocidente, o pensamento socrático-platônico expressou-se de maneira equivalente, apresentando a virtude como consequência dos valores morais ante os vícios de todo porte que degradam, impedindo desenvolvimento do logos interno inerente a todos os seres humanos...
Na esteira das sucessivas reencarnações, o Espírito aprimora os valores ético-morais e intelectuais, proporcionando o desenvolvimento das faculdades da beleza, da estética, da arte em diversificadas manifestações que facultam a superação dos impulsos do primarismo pela espontânea eleição dos sentimentos morais elevados.
Vivenciando, em cada reencarnação, uma ou várias faculdades éticas, as suas variantes enriquecidas do bem sobrepõem-se às anteriores tendências, fixando os valores espirituais que culminarão na plenitude do ser.
Esses períodos, alguns assinalados por grandes turbulências emocionais, despertam a consciência do ego para o conhecimento do si-mesmo, proporcionando-lhe compreender a finalidade da existência carnal.
À medida que supera os episódios vivenciados no pavor, dando lugar às manifestações da afetividade, a princípio em forma de posse e domínio, para depois em atitudes de renúncia pelo bem-estar do outro, a ampliação da consciência objetiva impulsiona o Espírito para as conquistas de natureza cósmica.
Nesse comenos, surge o nobre sentimento da gratidão com as suas mais simples expressões de júbilo pelo que se recebe da vida, e posteriormente pela necessidade de retribuir, libertando-se da posse enfermiça e da paixão desequilibrante, antes orquestradas pelo ego e pelo arquétipo sombra.
Sentindo essa doce emoção de agradecer, de imediato se é propelido para a cooperação edificante no grupo social para melhor e mais feliz, no qual a saúde real independe dos processos de desgastes pelas enfermidades ou pela senectude.
A consciência grata é risonha e saudável, predominando em qualquer idade somática do ser humano.
Comumente se encontram crianças e jovens com exuberância de saúde física, portadores, no entanto, de frieza dos sentimentos relevantes do afeto, ingratos, mudando de atitude somente quando estão em jogo os seus interesses imediatos de significado egotista. Simultaneamente se detectam os valores de enriquecimento gratulatório em anciãos e enfermos que, não obstante as circunstâncias e ocorrências orgânicas tornam-se exemplos vivos de alegria, de luminosidade, de bem-viver... Nem mesmo a aproximação da morte biológica aflige-os ou atemoriza-os, antes, pelo contrário, alegra-os em agradável anuncio de libertação que lhes enseja a individuação antes ou após o decesso tumular...
O sentimento de gratidão, portanto, não se deve apresentar exclusivamente quando tudo transcorre bem, quando os fenômenos psicossociais, emocionais e orgânicos encontram-se em clima de júbilo, mas também por ocasião das ocorrências denominadas como adversidades. Reagir-se de maneira grata aos sucessos de qualquer porte é perfeitamente normal e natural, e se assim não se procede é porque se é arrogante, soberbo, vivendo em conflitos desgastantes. O desafio à gratidão dá-se nos tempos difíceis, quando surgem as adversidades que são também parte do processo desafiador da evolução, porquanto nem sempre os céus humanos estarão adornados de astros, sendo todos convidados a atravessar a noite escura da alma com a luz do sentimento reconhecido a Deus pela oportunidade de experienciar novas maneiras de viver.
Normalmente, o sofrimento ceifa a gratidão e o indivíduo foge para a lamentação deplorável, para a autoacusação ou autojustificação, comparando-se com as demais pessoas que lhe parecem felizes e destituídas de qualquer inquietação.
De certo modo, sem as experiências dolorosas, ninguém pode avaliar aquelas que são enriquecedoras e benignas por falta de parâmetros de avaliação. Necessário nesses momentos mais difíceis liberar-se da raiva, da mágoa, evitando a ingratidão pelos bens armazenados e pelas oras felizes anteriormente vividas, continuando a amar a vida mesmo nessas circunstâncias indispensáveis.
O mito bíblico de Jó deve constituir modelo de aprendizado, em razão da sua coragem e gratidão a Deus mesmo quando tudo lhe fora retirado: rebanhos, servos e escravos, filhos e recursos financeiros, ficando em estado lamentável, porém sem revolta.
A lenda narra que aquilo fora resultado da interferência de Satanás, que lhe invejando a felicidade e o amor a Deus propôs ao Criador que lhe retirasse tudo e ele se revelaria como as demais criaturas, rebelde, ingrato e desnorteado.
Aceitando o repto proposto, o Senhor da Vida testou o afeto de Jó, cobrindo-o de chagas e de miséria, que reagiu de maneira oposta à sombra, mantendo-se fiel em todos os momentos e grato pelas provações, apesar da revolta da sua mulher...
Apenas perguntou:
- Por que eu?
E depois de muitas reflexões felizes concluiu que não existe o bem sem o mal, a felicidade sem o sofrimento, colocando Deus – arquétipo primordial – acima de tudo e aceitando-Lhe as imposições sem revolta.
Em consequência, Deus demonstrou a Satanás que Jó lhe fora fiel no teste e devolveu-lhe tudo quanto lhe houvera tirado...
Dilatando-se a consciência enobrecida pela lucidez, os arquivos do self liberam os arquétipos celestes, que procedem do primordial, e a gratidão também se torna o estado numinoso que enseja a conquista cósmica recomendada por Jesus como sendo a instalação do reino dos céus nos arcanos do coração.
Final do texto, porém o cap.5  a gratidão como roteiro de vida continuará na próxima postagem.
Postado dia 27/09/2013.

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