quarta-feira, 10 de abril de 2013


O significado da gratidão 

O verbete da gratidão vem do latim gratia que significa literalmente graça, ou gratus que se traduz como agradável. Por extensão, significa reconhecimento agradável por tudo quanto se recebe ou lhe é concedido.

A ciência da gratidão surge como a mais elevada expressão do amadurecimento psicológico do indivíduo, que o propele à vivência do sentimento enobrecido.

Os hábitos de receber-se ajuda e proteção desde o momento da fecundação, passando pelos diversos períodos do desenvolvimento fetal até a idade adulta, sem a consciência do que lhe é oferecido, encarregam-se de construir o ego interessado exclusivamente em fruir sem maiores responsabilidades.

Acumulando os favores que o promovem, somente adquire noção de valor do que lhe é oferecido quando o discernimento aflora na personalidade e o convoca, por sua vez, à contribuição pessoal. Não acostumado, porém, a repartir, torna-se soberbo e presunçoso, atribuindo-se méritos que realmente ainda não conseguiu amealhar.

À medida que os instintos abrem espaços para as emoções, o amor ensaia os seus primeiros passos em forma de bondade e de gentileza para com os outros, caracterizando o desenvolvimento ético-moral. O amor assinala-se, nessa fase, através do anseio de servir, de contribuir, de gratular...

Nessa fase, a da gratulação, o significado existencial torna-se relevante, proporcionando a mudança do comportamento egoísta e ensaiando as primeiras manifestações de gentileza, de altruísmo.

Quanto mais se desenvolve o sentimento afetivo, mais expressivo se faz o sentido retributivo.

No começo, trata-se de uma emoção-dever, que auxilia na libertação da ânsia de acumular e de reter. O discernimento faculta a compreensão de que tudo é movimento no universo, uma forma de dar e de receber, de conceder e de retribuir, e qualquer conduta estanque é propiciatória à instalação de enfermidades, desajustes e morte.

A recompensa, maneira simplista de retribuição, apresenta-se como passo inicial para futura gratidão.

Raramente ocorre ao adulto a emoção espontânea de agradecer, isto é, de bendizer todos aqueles que contribuíram de maneira automática, é certo, mas também pela afetividade, para que ele alcançasse o patamar da existência no qual se movimenta. Quando se conscientiza dessa evocação, um hino de alegria canta no seu mundo íntimo. Não há lugar para exigência diante de qualquer carência ou reclamação por não haver fruído determinadas benesses que antes lhe pareciam de real importância. Reflexiona que também age pela força dos hábitos adquiridos em favor de outras vidas, da ordem, do progresso, do bem, ou, infelizmente, pelos fenômenos perturbadores que assolam a sociedade... descobre-se localizado no contexto social, um tanto amorfo, sem o sentido existencial feliz, deixando-se conduzir ou arrastar pela correnteza dos acontecimentos...

O despertamento para a gratidão inicia-se por uma forma de louvor a tudo e a todos.

O santo seráfico de Assis, ao atingir o estado numinoso, de imediato exaltou na sua volata de gratidão, ora doce, ora suave, o hino em favor de todas as criaturas: irmão Sol, irmã Lua, irmã chuva, vegetais, animais e tudo quanto vibra e glorifica a criação.

Quanto mais exaltava o que a muitos parece insignificante ou destituído de valor, a sua riqueza gratulatória conseguia dignificar, exaltando-lhes as qualidades.

Certamente, conforme acentuou um filósofo popular, a beleza da paisagem encontra-se nos olhos daquele que a contempla. Não é exatamente assim o que ocorre, mas existe uma dose alta de razão no conceito, porque somente quem possui beleza e harmonia pode identificá-las onde quer que se encontrem. Não havendo essa sensibilidade no ser humano, não há como distinguir-se o banal do especial, o grotesco do belo,  e assim por diante.

Claro está, portanto, que a gratidão, para ser legítima, exige que haja no íntimo da criatura esse encanto pela vida, o doce enlevo que a torna preciosa em qualquer condição que se manifeste, que se compreenda a magia do existir, percebendo-se as dádivas que se multiplicam em incontáveis expressões de intercâmbio.

No sentido oposto, o ingrato é aquele que se mantém no processo de primarismo, longe da percepção do objetivo essencial da existência. Criança maltratada que se detém na injuria e nas circunstancias iniciais do processo de desenvolvimento ético e moral. Que se nega a crescer, acalentando ressentimentos de fatos de pequena ou grande monta, mas que encontraram aceitação emocional profunda, assinalando com revolta a experiência do desenvolvimento emocional. Ninguém pode fecundar-se emocionalmente se reage aos fatores propiciatórios do mecanismo especial de maturação. É indispensável deixar-se triturar pelas ocorrências e superá-las mediante a autoestima e o autorreconhecimento.

A gratidão é sempre em relação a outrem, aos fenômenos existenciais, jamais ao orgulho e à presunção. Como se pode ser reconhecido a si mesmo, sem o tombo grosseiro no abismo do ego sem discernimento? Como se ser grato ao ego, invariavelmente incapaz de liberar da sua conjuntura o self, responsável pela magnitude do ser em aprimoramento? Tome-se como imagem para reflexão a concha bivalve da ostra que não permite seja recolhida a pérola nela acrisolada. Para que tenha sentido real, rompe-se a crosta vigorosa e esplende a gema pálida e notavelmente construída.

Muitas vezes ou quase sempre é através da ruptura, da fissão que se pode encontrar além do exterior a perola adormecida na intimidade de tudo: o diamante mergulhado no carvão grosseiro, a estrela escondida além da nuvem e da poeira cósmica...

Agradecer, portanto, significa inebriar-se de emoção lúcida e consciente da realidade existencial, mas não somente pelo que se recebe, também pelo que se gostaria de conseguir assim como pelo que ainda não se é emocionalmente.

Despojando-se da escravidão da posse, irisa-se o ser de bênçãos que esparze em sinfonia de gratidão.

Agradecer o bem que se frui assim como o mal que não aconteceu ainda, e, particularmente, quando suceda, fazer o mesmo, tendo em vista que somente ocorre o que é necessário para o processo de crescimento espiritual, conforme programado pela lei de causa e efeito.

Gratidão é como luz na sua velocidade percorrendo os espaços e clariando todo o percurso, sem se dar conta, sem o propósito de diluir-se no facho incandescente que assinala a sua conquista.

Uma das razões fundamentais para que a gratidão se expresse é o estímulo propiciado pela humildade que faz se compreenda o quanto se recebe, desde o ar que se respira gratuitamente aos nobres fenômenos automáticos do organismo, preservadores da existência.

Nessa percepção da humildade, ressuma o sentimento de alegria por tudo quanto é feito por outros, mesmo que sem ter ciência, em favor, em benefício dos demais. Essa identificação proporciona o amadurecimento psicológico, facultando compreender-se que ninguém é autossuficiente a tal ponto que não depende de nada ou de ninguém, numa soberba que lhe expressa a fragilidade emocional.

Sem esse sentimento de identificação das manifestações gloriosas do existir, a gratulação não vai além da presunção de devolver, de nada ficar-se devendo a outrem, de passar incólume pelos caminhos existenciais, sem carregar débito...

Quando se é grato, alcança-se a individuação que liberta. Para se atingir, no entanto, esse nível, o caminho é longo, atraente, fascinante e desafiador.

Texto estudado do livro PSICOLOGIA DA GRATIDÃO,  pelo espírito Joanna de Ângelis, psicografado por Divaldo Pereira Franco.pp.26-30.

Postado em 10-04-2013.

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