PROPOSTA
FRENTE AO EGOÍSMO
(continuação)
Estas reflexões talvez pouco
acrescente ao empenhado estudante da Doutrina Espírita ou aos atentos e
interessados na Psicologia espírita. O nosso propósito não é o de criar uma
teoria inovadora, e nem está ao nosso alcance. O objetivo deste capítulo, como
ressaltamos inicialmente, é discutir as implicações destes conceitos espíritas
pela perspectiva psicológica. E a principal reflexão baseia-se no entendimento
de que a solução dos sofrimentos não se encontra no próprio sofrimento, pois
são apenas sintomas da estrutura psíquica que se encontra pervertida, alienada
ou adoecida.
Existe no ser humano uma tendência
imediatista (desejo único de prazer imediato) a querer eliminar aquele sintoma –
o problema. Esta forma de pensar o homem é ainda muito presente nas instituições,
como uma visão somática, buscando o tratamento daquilo que se vê, e não efetivamente
da estrutura que produz este desvirtuamento. Muitos indivíduos que sofrem buscam
a terapia, a psiquiatria ou o centro espírita na expectativa de que alguém “tire
dele este problema”. Por exemplo, muitos quem sofrem de depressão almejam um
remédio para sua “cura.” Outros que tem problemas de convívio familiar desejam ‘apenas’
que o cônjuge ou os filhos mudem para ter seu problema resolvido... O raivoso
quer uma técnica para ser calmo... O medroso quer que lhe deem uma fórmula para
ter coragem... E isto se estende ao ciumento, ao invejoso, ao orgulhoso, etc.
Ainda há os ansiosos que se tornam dependentes de psicofármacos, pois ‘eliminam’
seu mal-estar...
Em todos estes quadros extremamente
comuns encontramos um pedido para que seja assumida essa demanda das pessoas de
“resolver o problema delas como se não fosse delas”.
À medida que assim for feito,
se estará efetivamente contribuindo para a estagnação moral daquele que sofre. Pois
a partir disso, conclui-se então que aquele que pede ajuda não tem qualquer
implicação com aquilo de que se queixa; e mais do que isso, aprende que precisa
do Espiritismo apenas para se livrar dos problemas. Assimila que quando surgir
outro problema, lá estarão, para que resolvam o novo problema, afinal, aprendeu
que este sofrimento não é realmente de sua responsabilidade.
Provavelmente este indivíduo
que busca a casa espirita nas suas aflições, se não for bem esclarecido, orientado
e estimulado, não vai aderir a proposta psicoterapêutica do Espiritismo que se
pauta na transformação de si. Não se vinculará aos estudos, não fará o
Evangelho no Lar, não compreenderá efetivamente as atividades espiritistas,
pois não conseguirá fazer a correlação da sua queixa com toda a proposta doutrinária. Não entenderá que seus sofrimentos estão
intimamente ligados a sua forma de ver e viver a vida (seja no presente ou no
passado que se faz presente). E certamente não é condenatória a sua postura,
afinal somos nós que precisamos esclarecê-lo e envolvê-lo neste novo caminho. (nota
do autor)
Para esta parcela da
população, se aparecer um médico espírita que faz receitas, ou um médium que
faz “curas espirituais”, ou um “passe forte”, os encontraremos, às vezes,
formando uma multidão que apenas busca alguém para resolver aquele problema que
porta, mas que não identifica como seu. E evidentemente que se não der certo a
culpa já terá destinação exata: o médium, o psicólogo, o psiquiatra ou o centro
espírita não souberam o que fazer. Não terá coragem de questionar o que fez
para que estivesse assim, muito menos desejar uma modificação interna. Não quer
a transformação, quer apenas aliviar o sofrimento, e com isso, gera mais
sofrimento.
Sendo assim, o tratamento de
nossos sofrimentos, acima de qualquer instância, deve buscar o enfraquecimento do
egoísmo. Vejamos o que os Espíritos esclarecem a Kardec na resposta à questão
917:
O egoísmo se enfraquecerá a
proporção que a
vida moral for predominando
sobre a vida material e,
sobretudo, com a
compreensão, que o
Espiritismo vos faculta ao
vosso estado futuro
real,
e
não desfigurado por ficções alegóricas.
Quando, bem compreendido, se
houver identificado
com os costumes e as
crenças, o Espiritismo
transformará os hábitos, os
usos, as relações sociais.
(KARDEC, 2009, p. 284)
Enfraquecimento do egoísmo
não pressupõe, como já esclarecemos e reforçamos, o enfraquecimento do ego, e
sim o seu equilíbrio. Também ressaltamos que estas palavras não enfocam o
combate ao egoísmo como se fosse possível eliminá-lo de uma hora para outra e,
por consequência, o homem seria feliz num mundo de provas e expiações. Falam, por
ora, de enfraquecê-lo à medida que potencializamos o ego com a vida moral.
O que seria então a vida
moral? Já avaliada a questão da moralidade, resta-nos apenas acrescentar que a
moral encontra-se dentro do ser humano, em gérmen, latente, ou como preferem os
Espíritos, na consciência de cada ser humano. Esta moral advém do Self, o Eu
Superior, ou Si, equivale dizer, a parte divina do ser.
Então, se o ego é o centro
da consciência, o Si ou Self é o centro da totalidade. (representa
tanto a imagem divina como a própria realidade do Espírito, nota do autor) Para
melhor compreensão, podemos afirmar que a psique tem dois centros, um é o ego e
o outro é o Self.
Alguns analistas junguianos afirmam
que o ego está subordinado ao Si-mesmo, assim como o homem a Deus. A infelicidade
do ego é pensar que é rei, senhor de toda a casa, sem entender ou aceitar que é
apenas um servidor, e que encontrando e aceitando seu papel, poderá ser um
ótimo servidor, mas nunca o senhor.
Interessante constatar que o
senhor precisa do servidor para realizar seus feitos, e da mesma forma o
servidor também precisa do senhor para lhe manter. O estado de adoecimento do
ego poderia ser representado pelo servo que, por excesso de si mesmo, concluiu
que não precisa de senhor nenhum, perdendo-se em si mesmo. O que estes estudos
nos ensinam é que não podemos nos perder no ego, mas também não podemos nos
perder dele.
Então como conseguir
perceber este verdadeiro papel que não é o de senhor e que não pode
suplantá-lo? Vejamos o que dizem os Espíritos na continuidade da resposta:
O Espiritismo, bem
compreendido, mostra as
coisas de tão alto que
o sentimento da personalidade
desaparece, de certo modo,
diante da imensidade.
Destruindo essa importância,
ou, pelo menos, reduzindo-a
às suas legítimas
proporções, ele
necessariamente combate o
egoísmo. (...) Que o
princípio da caridade e da
fraternidade seja a base das
instituições sociais,
das relações legais de povo
a povo e de homem
a homem, e este pensará
menos na sua pessoa,
quando vir que os outros
pensam nele; sofrerá
assim a experiência moralizadora
do exemplo e
do contacto. Em face do
atual transbordamento
de egoísmo, é preciso
verdadeira virtude
para que alguém renuncie à sua
personalidade
em proveito dos outros, que,
quase sempre não
o reconhecem. (KARDEC, O
Livro dos Espíritos p.284)
Eles, os Espíritos, nos
dizem que ‘o sentimento da personalidade desaparece’, isso quer dizer que o
caminho não se fundamenta na destruição do ego, e sim na eliminação deste
sentimento exacerbado. Ou seja, na avaliação equivocada que este ego faz de si
próprio, da importância desmedida a que se atribui, colocando-se no centro de
tudo.
Quando nos conscientizamos,
através da Doutrina Espírita, do estado
futuro real, explicitando as questões existenciais “de onde viemos e para
onde vamos”, começamos a perceber a vida por outra dimensão. Sabemos fruto do
passado, com destino à perfeição, entendendo que todas as experiências e
situações que a vida nos ofereceu são apenas matéria-prima para a construção
interna, e que de fato nada temos de exterior, pois tudo pode nos ser tirado a
qualquer momento. Pensamos também sobre aquilo que realmente nos espera e que
não está pautado nas conquistas materiais, nas alegorias egoicas do
materialismo – fundamentado no ter, na posse, e no valor a partir daquilo que a
pessoa apresenta ou demonstra. Ao nosso entendimento, por este percurso o ego
começa a encontrar seu verdadeiro lugar no mundo.
É como se o ego não
conseguisse gerenciar seu mundo – a consciência – devido aos parâmetros
equivocados que elegeu (ou talvez, que lhe estavam disponíveis). Seria exigir
de uma pessoa de cultura pré-letrada a habilidade da escrita. Pode ter
possibilidades, potencial, mas apenas com uma nova referencia é que fará uma construção
efetiva. Dessa forma, entendemos que o ego precisa de parâmetros mais
saudáveis, mais adequados à realidade, em contraponto àqueles que o
materialismo tem oferecido.
Angelis no livro O Ser Consciente, no item Dificuldades do Ego, aponta-nos que a
conscientização da transitoriedade da vida física conduz o ser ao
cooperativismo e à natural humildade, tendo em vista as realizações que devem
permanecer após o seu desaparecimento orgânico.
Retomando Joanna de Ângelis,
no livro Entrega-te a Deus, também
compreendemos este pensamento, pois na razão direta em que o Espírito
desabrocha a consciência e a perfeita lucidez em torno dos objetivos essenciais
da sua existência na Terra, o egoísmo vai diluindo-se e cedendo lugar à solidariedade,
por facultar a vivencia das emoções mais elevadas, aquelas que santificam o ser
no exercício da autêntica caridade.
A Doutrina Espírita oferece
grandes contribuições neste sentido, mostrando que somos herdeiros do Universo,
como diz o poeta, porém, ninguém o é mais do que o outro. O equilíbrio do ego
se encontra entre a pequenez que lhe define e a divindade que lhe é possível.
É preciso, por fim, “reconhecer-se
imperfeito, como realmente se é, portador de ulcerações e de cicatrizes morais;
é um ato de humildade real, que se deve manter com dignidade.” ANGELIS, no livro
Em Busca da Verdade p.26
A conscientização da
imperfeição humana e da efemeridade da vida física conduz efetivamente o
indivíduo à humildade, reconhecendo a transitoriedade das condições materiais,
a constante impermanência dos cargos, das classes, das posses e tudo o mais em
que o ego adoecido se apoie para justificar-se senhor.
Portanto, no dia em que
assumirmos nossa pequenez ante a magnitude divina, aquele ego enganado
conseguirá abrir espaço para a presença do Self, e então, não mais separados,
promoverão o processo de cristificação, imortalizada na frase do grande
apóstolo do Cristo “Eu vivo, mas não mais eu: o Cristo é quem vive em mim”.
Final do texto e também
final do capítulo10, A NASCENTE DOS SOFRIMENTOS:UMA ANÁLISE DO EGO, escrita por
Marlon Reikdal, no livro Refletindo a
Alma. Postado dia, 11/12/13.
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