quarta-feira, 11 de dezembro de 2013


PROPOSTA FRENTE AO EGOÍSMO

(continuação)

Estas reflexões talvez pouco acrescente ao empenhado estudante da Doutrina Espírita ou aos atentos e interessados na Psicologia espírita. O nosso propósito não é o de criar uma teoria inovadora, e nem está ao nosso alcance. O objetivo deste capítulo, como ressaltamos inicialmente, é discutir as implicações destes conceitos espíritas pela perspectiva psicológica. E a principal reflexão baseia-se no entendimento de que a solução dos sofrimentos não se encontra no próprio sofrimento, pois são apenas sintomas da estrutura psíquica que se encontra pervertida, alienada ou adoecida.

Existe no ser humano uma tendência imediatista (desejo único de prazer imediato) a querer eliminar aquele sintoma – o problema. Esta forma de pensar o homem é ainda muito presente nas instituições, como uma visão somática, buscando o tratamento daquilo que se vê, e não efetivamente da estrutura que produz este desvirtuamento. Muitos indivíduos que sofrem buscam a terapia, a psiquiatria ou o centro espírita na expectativa de que alguém “tire dele este problema”. Por exemplo, muitos quem sofrem de depressão almejam um remédio para sua “cura.” Outros que tem problemas de convívio familiar desejam ‘apenas’ que o cônjuge ou os filhos mudem para ter seu problema resolvido... O raivoso quer uma técnica para ser calmo... O medroso quer que lhe deem uma fórmula para ter coragem... E isto se estende ao ciumento, ao invejoso, ao orgulhoso, etc. Ainda há os ansiosos que se tornam dependentes de psicofármacos, pois ‘eliminam’ seu mal-estar...

Em todos estes quadros extremamente comuns encontramos um pedido para que seja assumida essa demanda das pessoas de “resolver o problema delas como se não fosse delas”.

À medida que assim for feito, se estará efetivamente contribuindo para a estagnação moral daquele que sofre. Pois a partir disso, conclui-se então que aquele que pede ajuda não tem qualquer implicação com aquilo de que se queixa; e mais do que isso, aprende que precisa do Espiritismo apenas para se livrar dos problemas. Assimila que quando surgir outro problema, lá estarão, para que resolvam o novo problema, afinal, aprendeu que este sofrimento não é realmente de sua responsabilidade.

Provavelmente este indivíduo que busca a casa espirita nas suas aflições, se não for bem esclarecido, orientado e estimulado, não vai aderir a proposta psicoterapêutica do Espiritismo que se pauta na transformação de si. Não se vinculará aos estudos, não fará o Evangelho no Lar, não compreenderá efetivamente as atividades espiritistas, pois não conseguirá fazer a correlação da sua queixa com toda a proposta doutrinária.  Não entenderá que seus sofrimentos estão intimamente ligados a sua forma de ver e viver a vida (seja no presente ou no passado que se faz presente). E certamente não é condenatória a sua postura, afinal somos nós que precisamos esclarecê-lo e envolvê-lo neste novo caminho. (nota do autor)

Para esta parcela da população, se aparecer um médico espírita que faz receitas, ou um médium que faz “curas espirituais”, ou um “passe forte”, os encontraremos, às vezes, formando uma multidão que apenas busca alguém para resolver aquele problema que porta, mas que não identifica como seu. E evidentemente que se não der certo a culpa já terá destinação exata: o médium, o psicólogo, o psiquiatra ou o centro espírita não souberam o que fazer. Não terá coragem de questionar o que fez para que estivesse assim, muito menos desejar uma modificação interna. Não quer a transformação, quer apenas aliviar o sofrimento, e com isso, gera mais sofrimento.

Sendo assim, o tratamento de nossos sofrimentos, acima de qualquer instância, deve buscar o enfraquecimento do egoísmo. Vejamos o que os Espíritos esclarecem a Kardec na resposta à questão 917:

O egoísmo se enfraquecerá a proporção que a

vida moral for predominando sobre a vida material e,

sobretudo, com a compreensão, que o

Espiritismo vos faculta ao vosso estado futuro

real, e não desfigurado por ficções alegóricas.

Quando, bem compreendido, se houver identificado

com os costumes e as crenças, o Espiritismo

transformará os hábitos, os usos, as relações sociais.

(KARDEC, 2009, p. 284)

 

Enfraquecimento do egoísmo não pressupõe, como já esclarecemos e reforçamos, o enfraquecimento do ego, e sim o seu equilíbrio. Também ressaltamos que estas palavras não enfocam o combate ao egoísmo como se fosse possível eliminá-lo de uma hora para outra e, por consequência, o homem seria feliz num mundo de provas e expiações. Falam, por ora, de enfraquecê-lo à medida que potencializamos o ego com a vida moral.

O que seria então a vida moral? Já avaliada a questão da moralidade, resta-nos apenas acrescentar que a moral encontra-se dentro do ser humano, em gérmen, latente, ou como preferem os Espíritos, na consciência de cada ser humano. Esta moral advém do Self, o Eu Superior, ou Si, equivale dizer, a parte divina do ser.

Então, se o ego é o centro da consciência, o Si ou Self é o centro da totalidade. (representa tanto a imagem divina como a própria realidade do Espírito, nota do autor) Para melhor compreensão, podemos afirmar que a psique tem dois centros, um é o ego e o outro é o Self.

Alguns analistas junguianos afirmam que o ego está subordinado ao Si-mesmo, assim como o homem a Deus. A infelicidade do ego é pensar que é rei, senhor de toda a casa, sem entender ou aceitar que é apenas um servidor, e que encontrando e aceitando seu papel, poderá ser um ótimo servidor, mas nunca o senhor.

Interessante constatar que o senhor precisa do servidor para realizar seus feitos, e da mesma forma o servidor também precisa do senhor para lhe manter. O estado de adoecimento do ego poderia ser representado pelo servo que, por excesso de si mesmo, concluiu que não precisa de senhor nenhum, perdendo-se em si mesmo. O que estes estudos nos ensinam é que não podemos nos perder no ego, mas também não podemos nos perder dele.

Então como conseguir perceber este verdadeiro papel que não é o de senhor e que não pode suplantá-lo? Vejamos o que dizem os Espíritos na continuidade da resposta:

O Espiritismo, bem compreendido, mostra as

coisas de tão alto que o  sentimento da personalidade

desaparece, de certo modo, diante da imensidade.

Destruindo essa importância,

ou, pelo menos, reduzindo-a às suas legítimas

proporções, ele necessariamente combate o

egoísmo. (...) Que o princípio da caridade e da

fraternidade seja a base das instituições sociais,

das relações legais de povo a povo e de homem

a homem, e este pensará menos na sua pessoa,

quando vir que os outros pensam nele; sofrerá

assim a experiência moralizadora do exemplo e

do contacto. Em face do atual transbordamento

de egoísmo, é preciso verdadeira virtude

para que alguém renuncie à sua personalidade

em proveito dos outros, que, quase sempre não

o reconhecem. (KARDEC, O Livro dos Espíritos p.284)

Eles, os Espíritos, nos dizem que ‘o sentimento da personalidade desaparece’, isso quer dizer que o caminho não se fundamenta na destruição do ego, e sim na eliminação deste sentimento exacerbado. Ou seja, na avaliação equivocada que este ego faz de si próprio, da importância desmedida a que se atribui, colocando-se no centro de tudo.

Quando nos conscientizamos, através da Doutrina Espírita, do estado futuro real, explicitando as questões existenciais “de onde viemos e para onde vamos”, começamos a perceber a vida por outra dimensão. Sabemos fruto do passado, com destino à perfeição, entendendo que todas as experiências e situações que a vida nos ofereceu são apenas matéria-prima para a construção interna, e que de fato nada temos de exterior, pois tudo pode nos ser tirado a qualquer momento. Pensamos também sobre aquilo que realmente nos espera e que não está pautado nas conquistas materiais, nas alegorias egoicas do materialismo – fundamentado no ter, na posse, e no valor a partir daquilo que a pessoa apresenta ou demonstra. Ao nosso entendimento, por este percurso o ego começa a encontrar seu verdadeiro lugar no mundo.

É como se o ego não conseguisse gerenciar seu mundo – a consciência – devido aos parâmetros equivocados que elegeu (ou talvez, que lhe estavam disponíveis). Seria exigir de uma pessoa de cultura pré-letrada a habilidade da escrita. Pode ter possibilidades, potencial, mas apenas com uma nova referencia é que fará uma construção efetiva. Dessa forma, entendemos que o ego precisa de parâmetros mais saudáveis, mais adequados à realidade, em contraponto àqueles que o materialismo tem oferecido.

Angelis no livro O Ser Consciente, no item Dificuldades do Ego, aponta-nos que a conscientização da transitoriedade da vida física conduz o ser ao cooperativismo e à natural humildade, tendo em vista as realizações que devem permanecer após o seu desaparecimento orgânico.

Retomando Joanna de Ângelis, no livro Entrega-te a Deus, também compreendemos este pensamento, pois na razão direta em que o Espírito desabrocha a consciência e a perfeita lucidez em torno dos objetivos essenciais da sua existência na Terra, o egoísmo vai diluindo-se e cedendo lugar à solidariedade, por facultar a vivencia das emoções mais elevadas, aquelas que santificam o ser no exercício da autêntica caridade.

A Doutrina Espírita oferece grandes contribuições neste sentido, mostrando que somos herdeiros do Universo, como diz o poeta, porém, ninguém o é mais do que o outro. O equilíbrio do ego se encontra entre a pequenez que lhe define e a divindade que lhe é possível.

É preciso, por fim, “reconhecer-se imperfeito, como realmente se é, portador de ulcerações e de cicatrizes morais; é um ato de humildade real, que se deve manter com dignidade.” ANGELIS, no livro Em Busca da Verdade p.26

A conscientização da imperfeição humana e da efemeridade da vida física conduz efetivamente o indivíduo à humildade, reconhecendo a transitoriedade das condições materiais, a constante impermanência dos cargos, das classes, das posses e tudo o mais em que o ego adoecido se apoie para justificar-se senhor.

Portanto, no dia em que assumirmos nossa pequenez ante a magnitude divina, aquele ego enganado conseguirá abrir espaço para a presença do Self, e então, não mais separados, promoverão o processo de cristificação, imortalizada na frase do grande apóstolo do Cristo “Eu vivo, mas não mais eu: o Cristo é quem vive em mim”.

Final do texto e também final do capítulo10, A NASCENTE DOS SOFRIMENTOS:UMA ANÁLISE DO EGO, escrita por Marlon Reikdal, no livro Refletindo a Alma. Postado dia, 11/12/13.

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