sábado, 7 de dezembro de 2013


A SOMBRA PERTURBADORA E A GRATIDÃO

A sombra perturbadora e a gratidão

Todas as criaturas possuem o seu lado sombra, o lado obscuro da sua existência, às vezes considerado o lado negativo do ser.

Essa sombra, responsável por muitas aflições que se gravam no ego atormentando o self, é resultado,  de “traços psíquicos do homem e da mulher em parte reprimidos, em parte não vividos, que, por razões sociais educativas ou outras, foram excluídos da convivência e, por isso, foram reprimidos.” Como diz o dr. Friedrich Dorsch

A sombra conduz valores e requisitos que podem ser utilizados de forma produtiva ou perturbadora, podendo expressar-se de três formas: a) a de natureza pessoal, cujos significados que foram reprimidos pertencem ao próprio individuo; b) a de natureza coletiva, que representa os mesmos significados reprimidos em cada sociedade; c) a de natureza arquetípica, em que há um caráter ancestral de destrutividade do ser humano, que não dispõe de possibilidade de diluição...

Jung achava necessário adquirir a consciência desses conteúdos reprimidos, já que só assim será possível alcançar a individuação. Depois dessa tentativa inicial, deve-se trabalhar pela sua integração no self, o que equivale dizer esforçar-se pelo amadurecimento psicológico, não mascarando a responsabilidade pessoal e aceitando-a de forma consciente, compreendendo todas as manifestações sombrias já experienciadas.

Todo individuo tem aspirações que nem sempre concretiza ou vivencia, recalcando-as com mágoas e não conseguindo diluí-las conscientemente através da superação. Somando a esse conflito não exteriorizado, conduz a herança da cultura em que se movimenta como também a presença arquetípica de autodestruição, como fenômeno de fuga da realidade.

Essas ocorrências vêm da vivencia em cada reencarnação, quando experimentou a carga dos conflitos gerados anteriormente e que ressumam – sombra pessoal e coletiva -, tomando o aspecto arquetípico característico dos movimentos primários antes de surgir a consciência e a personalidade.

Com todo esse potencial negativo, a sombra responde pelos desaires que geram sofrimento e amargura, retendo o ser na sua rede invisível e constritora.

No entanto, conscientizado desses fatores de perturbação, pode-se e deve-se trabalhar interiormente para superá-los por intermédio da redução da sua carga, aplicando-se contribuições edificantes e saudáveis, como o otimismo, a confiança no êxito, a solidariedade, o esforço para manter as perspectivas de realização sem os receios injustificáveis.

A sombra pode ser vista como uma névoa ou uma ilusão que o sol da realidade dilui, proporcionando a visão clara do existir, onde todos estão colocados. E porque as aspirações humanas saudáveis são crescentes, a medida que vão sendo superadas algumas dificuldades do amadurecimento psicológico, ampliam-se os horizontes do equilíbrio e do despertamento para a individuação.

Há, grande conflito entre o que se é e o que se deseja ser, no esforço contínuo por alcançar patamares em que a harmonia emocional torne-se uma realidade, proporcionando estímulos para serem conquistados.

Nada a estranhar, nessa aparente dualidade, já que existe realmente o lado bom e o lado mau de todas as coisas, o alto e o baixo, o dia e a noite, a vida e a morte, yin e o yang, produzindo a integração, a unidade...

Em toda parte podem ser identificadas as manifestações sombrias do ser humano, mas também o lado numinoso em toda a sua grandiosidade, rutilante nos heróis do saber e do ser, do conquistar e do realizar, na ciência, na tecnologia, nas artes, na religião, no pensamento, na solidariedade, enquanto também existem o instinto de destruição pela agressividade, pelos vícios, pela ignorância, pela prepotência...

A civilização moderna, rica de conquistas de vária ordem, ainda não conseguiu fazer feliz a criatura humana que, embora favorecendo alguns membros a viverem em grande conforto e desfrutando comodidades, e beleza ao alcance da mão, em sua grande parte ainda estão insatisfeita, infeliz, derrapando na drogadição, no alcoolismo, na busca desenfreada do prazer, da ilusão. Ainda encontramos o predomínio da sombra coletiva e arquetípica não trabalhada pelo conhecimento do ser em si mesmo e das suas grandes possibilidades, sempre conduzido pelo comércio para o gozo e o não pensar em profundidade, vivendo na superficialidade dos fenômenos humanos. Tem faltado a coragem social para romper com essa cortina que impossibilita a clara visão da realidade psicológica da vida, de forma que as suas aspirações não vão além dos limites sensoriais.

Embora o esforço da psicologia social e de outras escolas, de algumas valiosas doutrinas religiosas e filosóficas, o ser humano atem-se mais ao que tateia e alcança do que anela emocionalmente, agarrando as sensações materiais sem fruir as emoções libertadoras.

Infelizmente, a educação atual trabalha mais pela preservação do medo ao lado sombra do indivíduo, que quer ignorá-la, para desfrutar os bens que estão ao alcance, e quando experimenta pensamentos ou acontecimentos infelizes, quer esquecê-los, não os enfrentar, como se pudesse ocultá-los num depósito especial que os asfixiaria. Realmente, quando reprimidos esses sentimentos e sucessos, na primeira oportunidade eles ressumam com a carga aflitiva de que se constituem e nublam os céus róseos dos iludidos.

A vida humana é um permanente desafio que o self tem pela frente e todo o seu esforço é procurar a integração da sombra no seu eixo.

Cabe a todos os indivíduos o dever de diluir a treva que se lhe encontra ínsita, com a mesma naturalidade de que defronta a luz, considerar a dor e a frustração como fenômenos normais que podem corresponder ao bem-estar e à sabedoria, logo sejam transformados pela racionalização e pelo trabalho psicológico.

Todos que são portadores da sombra – e todos o são -, em vez de a compreenderem como processo de crescimento, sentem certa vergonha,  constrangimento, e procuram disfarçá-la.

Esse comportamento dá lugar a uma sociedade hipócrita, artificial, incapaz de condutas maduras e significativas que beneficie a todos. O ser mais hábil no disfarce é sempre o mais homenageado e querido, produzindo-lhe maior soma de sombra e conflito, porque se sente obrigado a continuar a parecer o que, realmente não é.

É necessária coragem para o autoenfrentamento, saindo da obscuridade para a claridade existencial.

A herança arquetípica nos fala na linguagem do Gênesis,  que Deus fez primeiro a luz, deixando significar a Sua presença em plena escuridão, momentaneamente obstaculizada pela sombra.

Em cada passo, a cada conquista diluidora do lado treva, vai-se conseguindo superar o medo do enfrentamento, o que pede a consciência da sombra que deve ser aceita sem reservas nem ressentimentos, dando a cada lutador o seu poder de transformar e a sua tenacidade em alcançar a felicidade, a plenitude.

Vista dessa forma, a sombra transforma-se em árvore dadivosa, porque o medo (desgosto) do que se é torna-se superado pelo amor do que se deseja ser.

A batalha travada com a sombra, é contínua e encontra-se presente em todos os momentos da vida. Quando se ama, se respeita e atende aos compromissos, a sombra perde, mas quando se reage, mantendo-se ressentimento, ódio, ciúme, sentimentos de amargura e de cólera como outros do mesmo gênero, a sombra triunfa...

O amor que edifica é vitória sobre a sombra, enquanto o tormento afetivo que trai é glória da sombra.

Quando se é reconhecido à vida, se agradece e se trabalha pelo progresso, a sombra é vencida, mas, quando se é desagradecido e soberbo, triunfa a sombra.

Desse modo, a sombra (densa das paixões inferiores) é o maior obstáculo psicológico na vivencia da proposta da gratidão, responsável pela integração das duas partes do ser na sua realização unívoca.

Final do texto : A SOMBRA PERTURBADORA E A GRATIDÃO, do cap.2, O MILAGRE DA GRATIDÃO, do livro Psicologia da Gratidão, escrita por Divaldo Franco, Espírito Joanna de Ângelis.

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