A SOMBRA PERTURBADORA E A
GRATIDÃO
A sombra perturbadora e a gratidão
Todas as criaturas possuem o seu lado sombra, o lado obscuro
da sua existência, às vezes considerado o lado negativo do ser.
Essa sombra, responsável por muitas aflições que se gravam no
ego atormentando o self, é resultado,
de “traços psíquicos do homem e da
mulher em parte reprimidos, em parte não vividos, que, por razões sociais
educativas ou outras, foram excluídos da convivência e, por isso, foram
reprimidos.” Como diz o dr. Friedrich Dorsch
A sombra conduz valores e requisitos que podem ser utilizados
de forma produtiva ou perturbadora, podendo expressar-se de três formas: a) a
de natureza pessoal, cujos significados que foram reprimidos pertencem ao
próprio individuo; b) a de natureza coletiva, que representa os mesmos
significados reprimidos em cada sociedade; c) a de natureza arquetípica, em que
há um caráter ancestral de destrutividade
do ser humano, que não dispõe de possibilidade de diluição...
Jung achava necessário adquirir a consciência desses
conteúdos reprimidos, já que só assim será possível alcançar a individuação. Depois
dessa tentativa inicial, deve-se trabalhar pela sua integração no self, o que equivale dizer esforçar-se
pelo amadurecimento psicológico, não mascarando a responsabilidade pessoal e
aceitando-a de forma consciente, compreendendo todas as manifestações sombrias
já experienciadas.
Todo individuo tem aspirações que nem sempre concretiza ou
vivencia, recalcando-as com mágoas e não conseguindo diluí-las conscientemente através
da superação. Somando a esse conflito não exteriorizado, conduz a herança da
cultura em que se movimenta como também a presença arquetípica de
autodestruição, como fenômeno de fuga da realidade.
Essas ocorrências vêm da vivencia em cada reencarnação,
quando experimentou a carga dos conflitos gerados anteriormente e que ressumam
– sombra pessoal e coletiva -, tomando o aspecto arquetípico característico dos
movimentos primários antes de surgir a consciência e a personalidade.
Com todo esse potencial negativo, a sombra responde pelos
desaires que geram sofrimento e amargura, retendo o ser na sua rede invisível e
constritora.
No entanto, conscientizado desses fatores de perturbação,
pode-se e deve-se trabalhar interiormente para superá-los por intermédio da
redução da sua carga, aplicando-se contribuições edificantes e saudáveis, como
o otimismo, a confiança no êxito, a solidariedade, o esforço para manter as
perspectivas de realização sem os receios injustificáveis.
A sombra pode ser vista como uma névoa ou uma ilusão que o
sol da realidade dilui, proporcionando a visão clara do existir, onde todos estão
colocados. E porque as aspirações humanas saudáveis são crescentes, a medida
que vão sendo superadas algumas dificuldades do amadurecimento psicológico,
ampliam-se os horizontes do equilíbrio e do despertamento para a individuação.
Há, grande conflito entre o que se é e o que se deseja ser,
no esforço contínuo por alcançar patamares em que a harmonia emocional torne-se
uma realidade, proporcionando estímulos para serem conquistados.
Nada a estranhar, nessa aparente dualidade, já que existe
realmente o lado bom e o lado mau de todas as coisas, o alto e o baixo, o dia e
a noite, a vida e a morte, yin e o yang, produzindo a integração, a
unidade...
Em toda parte podem ser identificadas as manifestações
sombrias do ser humano, mas também o lado numinoso em toda a sua grandiosidade,
rutilante nos heróis do saber e do ser, do conquistar e do realizar, na
ciência, na tecnologia, nas artes, na religião, no pensamento, na
solidariedade, enquanto também existem o instinto de destruição pela
agressividade, pelos vícios, pela ignorância, pela prepotência...
A civilização moderna, rica de conquistas de vária ordem,
ainda não conseguiu fazer feliz a criatura humana que, embora favorecendo
alguns membros a viverem em grande conforto e desfrutando comodidades, e beleza
ao alcance da mão, em sua grande parte ainda estão insatisfeita, infeliz, derrapando
na drogadição, no alcoolismo, na busca desenfreada do prazer, da ilusão. Ainda
encontramos o predomínio da sombra coletiva e arquetípica não trabalhada pelo
conhecimento do ser em si mesmo e das suas grandes possibilidades, sempre
conduzido pelo comércio para o gozo e o não pensar em profundidade, vivendo na
superficialidade dos fenômenos humanos. Tem faltado a coragem social para
romper com essa cortina que impossibilita a clara visão da realidade
psicológica da vida, de forma que as suas aspirações não vão além dos limites
sensoriais.
Embora o esforço da psicologia social e de outras escolas, de
algumas valiosas doutrinas religiosas e filosóficas, o ser humano atem-se mais
ao que tateia e alcança do que anela emocionalmente, agarrando as sensações
materiais sem fruir as emoções libertadoras.
Infelizmente, a educação atual trabalha mais pela preservação
do medo ao lado sombra do indivíduo, que quer ignorá-la, para desfrutar os bens
que estão ao alcance, e quando experimenta pensamentos ou acontecimentos infelizes,
quer esquecê-los, não os enfrentar, como se pudesse ocultá-los num depósito
especial que os asfixiaria. Realmente, quando reprimidos esses sentimentos e
sucessos, na primeira oportunidade eles ressumam com a carga aflitiva de que se
constituem e nublam os céus róseos dos iludidos.
A vida humana é um permanente desafio que o self tem pela frente e todo o seu
esforço é procurar a integração da sombra no seu eixo.
Cabe a todos os indivíduos o dever de diluir a treva que se
lhe encontra ínsita, com a mesma naturalidade de que defronta a luz, considerar
a dor e a frustração como fenômenos normais que podem corresponder ao bem-estar
e à sabedoria, logo sejam transformados pela racionalização e pelo trabalho
psicológico.
Todos que são portadores da sombra – e todos o são -,
em vez de a compreenderem como processo de crescimento, sentem certa vergonha, constrangimento, e procuram disfarçá-la.
Esse comportamento dá lugar a uma sociedade hipócrita, artificial,
incapaz de condutas maduras e significativas que beneficie a todos. O ser mais
hábil no disfarce é sempre o mais homenageado e querido, produzindo-lhe maior
soma de sombra e conflito, porque se sente obrigado a continuar a parecer o
que, realmente não é.
É necessária coragem
para o autoenfrentamento, saindo da obscuridade para a claridade existencial.
A herança arquetípica nos
fala na linguagem do Gênesis, que Deus fez primeiro a luz, deixando
significar a Sua presença em plena escuridão, momentaneamente obstaculizada
pela sombra.
Em cada passo, a cada
conquista diluidora do lado treva, vai-se conseguindo superar o medo do
enfrentamento, o que pede a consciência da sombra que deve ser aceita sem
reservas nem ressentimentos, dando a cada lutador o seu poder de transformar e
a sua tenacidade em alcançar a felicidade, a plenitude.
Vista dessa forma, a
sombra transforma-se em árvore dadivosa, porque o medo (desgosto) do que se é torna-se superado
pelo amor do que se deseja ser.
A batalha travada com
a sombra, é contínua e encontra-se presente em todos os momentos da vida. Quando
se ama, se respeita e atende aos compromissos, a sombra perde, mas quando se
reage, mantendo-se ressentimento, ódio, ciúme, sentimentos de amargura e de
cólera como outros do mesmo gênero, a sombra triunfa...
O amor que edifica é
vitória sobre a sombra, enquanto o tormento afetivo que trai é glória da
sombra.
Quando se é
reconhecido à vida, se agradece e se trabalha pelo progresso, a sombra é
vencida, mas, quando se é desagradecido e soberbo, triunfa a sombra.
Desse modo, a sombra (densa das paixões inferiores) é o maior obstáculo
psicológico na vivencia da proposta da gratidão, responsável pela integração
das duas partes do ser na sua realização unívoca.
Final do texto : A
SOMBRA PERTURBADORA E A GRATIDÃO, do cap.2, O
MILAGRE DA GRATIDÃO, do livro Psicologia
da Gratidão, escrita por Divaldo Franco, Espírito Joanna de Ângelis.
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