terça-feira, 10 de dezembro de 2013


O SER MADURO PSICOLOGICAMENTE E A GRATIDÃO

 

À medida que os sentimentos superiores de alegria e  gratidão tomam conta do indivíduo, curam-se os males que o angustiam no caminho da imaturidade psicológica, deixando-o livre dos conflitos que prejudicam o comportamento, buscam aprofundar a perspicácia, a sabedoria, a compreensão da vida e da sua finalidade.

Tudo que antes era desafiador, passa a ser continente conquistado, se ampliando para o infinito por descobrir e incorporar ao patrimônio interno.

Os melindres e manifestações de criança maltratada agora superados, tomando lugar a confiança em si,  o respeito pelos outros, a consciência dos atos. Vence as anteriores síndromes de desconforto íntimo, que agora trazem a espontânea alegria de viver e de lutar.

A calma substitui a ansiedade que causava desequilíbrio emocional, a bondade e-lhe  natural, como se fosse uma luz a irradiar sem ostentação, e o indivíduo passa a ser centro de convergência de interesses das pessoas.

O ser imaturo psicologicamente não venceu a infância que foi transferida para a idade adulta com toda a carga de conflitos não resolvidos que se manifestam no relacionamento, escondendo a personalidade insegura e doentia.

A ambivalência do comportamento, desejar e não fazer, pensar e desistir, é efeito dessa imaturidade, expressando não saber agir corretamente mesmo na  afetividade.

“Deverei dizer que amo? E se for incompreendido?” – é um dos pensamentos ambivalentes no ser imaturo, sempre retardando as atitudes psicológicas saudáveis, pelo medo da opinião alheia. Embora, durante uma crise emocional, não tenha pudor em dizer: “Eu detesto o mundo e não quero ver ninguém na minha frente!”

O processo de amadurecimento psicológico avança com a facilidade de expressar gratidão por tudo que ocorreu e o que venha a acontecer ao ser humano.

Ninguém é totalmente autossuficiente, exceto os narcisistas, que se consideram especiais na criação, o que significa imperiosa necessidade de parceria, de acompanhamento, de dependência, razão porque é um ser gregário desde os primórdios da evolução. Essa parceria e dependência, porém estarão em nível de companheirismo, de trabalho de ajuda recíproca, de cooperação e não de submissão.

Duas crianças, de sete e oito anos, respectivamente, iam em direção da escola fundamental sem exprimirem uma só palavra, cada uma em seu  mundo infantil. Porém a mais velha estava vivendo um grande conflito já que não conseguia boa comunicação com os colegas, estava sendo discriminada pela origem humilde, pela cor da pele...

Pararam, antes de atravessarem a rua, porque o semáforo estava com o sinal vermelho. Quando o sinal muda para verde, ambas crianças avançaram, mas a sacola cheia de livros e de cadernos do mais velho abriu-se e alguns deles caíram, obrigando-o a abaixar-se irritado e reuni-los outra vez. O menorzinho, vendo-o em apuros, aproximou-se, abaixou-se também e perguntou-lhe, enquanto agia:

- Posso ajudá-lo? Eu gosto muito de você...

Os dois sorriram e foram conversando na direção da escola.

Vinte e cinco anos depois, quando um cidadão afrodescendente atingiu o topo administrativo de uma grande empresa, sendo elogiado, afirmou no discurso de agradecimento:

- Eu devo a minha vida a um garotinho de 7 anos, que um dia me ajudou a guardar livros e cadernos que me haviam caído da sacola ao atravessar uma rua e disse que me queria bem...Naquele dia eu havia resolvido suicidar-me, mas o seu gesto inocente e jovial modificou totalmente a minha vida. A ele, pois, eu sempre agradeci haver sobrevivido, e agora agradeço novamente por haver chegado ao posto em que me encontro, e, por antecipação, por tudo mais de bom que me venha ou não a acontecer...

O sentido de parceria, de acompanhamento e de dependência no grupo social, não se se refere aos conflitos e aos medos de crescimento, mas a uma necessidade de ajuda recíproca, de participação no grupo social, de vida em ação, de união de interesses em favor de todos e, por consequência, pela sociedade, pelo ecossistema, pela indescritível alegria de viver.

Quando Confúcio anunciou a frase “Aja com bondade, mas não espere gratidão”, queria demonstrar que os sentimentos nobres devem estar envolvidos de renúncia, sem os interesses imediatistas da compensação, do aplauso, da admiração dos outros.

A gratidão, por isso, tem caráter de amadurecimento psicológico, porque aquele que assim age descobriu que tudo que lhe ocorre depende de muitos que o auxiliaram a chegar ao lugar onde se encontra.

Quanto custa o ar puro da natureza, a água dos córregos e das fontes, a beleza da paisagem, o clima saudável? O alimento que vem à mesa, muitas pessoas participaram no anonimato dessa cadeia que mantem a vida. Uma viagem exitosa, quanto dependeu de pessoas e fatores que não foram observados pelo automatismo da vida? Tudo, que acontece encontra-se vinculado à dependência de um a outro indivíduo ou circunstância que possibilitaram esse momento.

Quantos acidentes, desencantos, enfermidades e mortes marcaram vidas que se entregaram às descobertas, à colonização de países, às transformações feitas para que se transformassem em comunidades felizes!? A todos esses anônimos, a gratidão deve ser oferecida com ternura e gentileza.

O amadurecimento psicológico elimina a negatividade teimosa do ser humano desconfiado e inseguro, que se permite suspeitas de que mesmo a amizade é acompanhada de interesses subalternos daqueles que dão ou buscam a estima.

Uma grande dificuldade à gratidão madura é o hábito de esperar-se resposta ao ato gentil, de aguardar-se que o outro o beneficiário, reconheça o que recebeu e retribua. Essa é uma forma de narcisismo, quando se faz algo e se exige gratidão, ficando-se decepcionado pela ausência dessa resposta, o que leva muitos ansiosos às atitudes infantis de que nunca mais farão nada mais por ninguém, pois não merecem.  

 O sentimento da gratidão sempre deve estar desacompanhado da expectativa de qualquer forma de retribuição, sequer de um olhar ou de um sorriso, que expressariam reciprocidade. Havendo, é bem melhor, porque o outro igualmente se encontra em processo de amadurecimento psicológico e de contribuição valiosa à sociedade. Mas será uma exceção e não uma lei natural e constante.

Todo ato de generosidade, pela maneira de ser, dispensa gratulação e manifesta-se naturalmente. O amor aos filhos, aos cônjuges, os deveres para com eles e para com os outros são de natureza íntima de cada um, que se compraz em proceder conforme as regras do bem viver e não apenas do viver bem, cercado de coisas, de carinho, de compensações.

Essas atitudes são logo esquecidas, pois que, toda vez que se espera reconhecimento, surge um encarceramento, por exemplo, no caso daquelas pessoas que asseveram que vivem para outras: filhos, parceiros, amigos, e que ficam desconsoladas quando aqueles seguem o seu destino. A síndrome do ninho vazio em que se encarceram por prazer ou imaturidade psicológica induz os pacientes à amargura e ao desencanto por não receberem a compensação retributiva em relação ao que fizeram por interesse, não pelo prazer de realizá-lo.

Esse fenômeno é comum também nos trabalhos enobrecedores que esperam aprovação, recompensa da sociedade. Pessoas com alto nível de inteligência e de trabalho contribuem eficazmente em todos os setores do progresso social, através de descobrimentos, de invenções, de realizações grandiosas... Quando não são reconhecidas ou premiadas, caem na revolta ou no desânimo, na queixa ou na desistência de continuar, amarguradas e infelizes. Não são pessoas más, como percebe-se, mas imaturas psicologicamente, estagiando  ainda no período dos elogios infantis, dos aplausos e dos comentários, dos quinze minutos de holofotes, mesmo que depois sofram o esquecimento, como é quase normal numa sociedade utilitarista como a atual. Mesmo que disfarçado, Encontramos aí o narcisismo disfarçado, resultado de uma infância que não recebeu reconhecimento nem estímulos, nem entusiasmo nem acolhimento. O conflito que nasce na imaturidade psicológica.

Aqueles que assim procedem, em contrapartida, por mais que sejam bajulados, elogiados, aplaudidos, sempre tem sede de mais reconhecimento, dando lugar a um condicionamento que se poderia chamar de vício ou dependência de gratidão.

Quando não se recebe gratidão, não significa psicologicamente que a pessoa não seja aceita, que é rejeitada. Esse fato pode resultar de outros fatores psicológicos que se referem ao outro, às circunstâncias, aos valores de cada cultura.

O ideal é viver-se em favor da gratidão mesmo sem a receber, valorizando o lado claridade da vida, as suas bênçãos e todos os contributos existenciais que nunca esperam receber aplauso.

Jesus, o Homem-luz, único ser que não tinha o lado sombra, maior exemplo de maturidade psicológica, fez da sua uma vida dedicada à gratidão, pelo amor com que enriqueceu a Terra desde então, vivendo exclusivamente para o amor e o perdão, a misericórdia e a compaixão.

Recebeu, por todo o bem que fez, pelas importantes lições de sabedoria que deixou para a posteridade, a negação de um amigo, traição de outro, que se arrependeram certamente, a perseguição gratuita dos narcisistas e imaturos, temerosos e egotistas, a infâmia, o abandono, a exposição à ralé arbitrária, as chibatadas, a crucificação... mas retornou em triunfo de imortalidade exaltando a vida e Deus em estado numinoso.

Postado dia 10/12/13.

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