sexta-feira, 4 de julho de 2014


 

O BEM E O MAL 

Desde quando a razão e a consciência começaram a desenvolver-se no ser humano, a dicotomia do bem e do mal se apresentou de maneira conflitiva.
Antes, no período da vivência no mitológico Jardim do Éden, a inocência não pôde identificar o que significava o bem, o que representava o mal, motivado pelo estado paradisíaco de total ignorância moral. No momento em que os impulsos, especialmente os da sexualidade, quebraram a harmonia existente, impondo-se, tudo era natural, porque defluente das necessidades biológicas. Aos poucos, os sentimentos e o discernimento apresentaram-se para estabelecer o que era edificante em relação ao que se fazia perturbador e destrutivo. Nesse surgimento do Self, percebeu-se a necessidade de estabelecer-se critérios, iniciando-se pela condenação do incesto, proibindo-se e impedindo-se comportamentos que se consideravam perniciosos, dando lugar ao claro-escuro da fronteira entre o bem e o mal.
Com a sucessão do tempo, estabeleceram-se diretrizes definidoras do que representa um como o outro valor.
As diversas doutrinas religiosas do oriente e as filosofias do ocidente apresentaram normativas de significação para a felicidade e a vivencia do que se considerava o bem em detrimento dos comportamentos que produzem o mal.
O maniqueísmo, por exemplo, criado por Manés, nascido na Pérsia, no século lll d.C. depois do aparecimento de um anjo, por duas vezes, levou-o a selecionar os princípios de algumas doutrinas orientais existentes, do zoroastrismo e do cristianismo, estabelecendo que o bem e o mal estão presentes na vida de todos os indivíduos e que o mundo encontra-se dividido exclusivamente nessas duas constantes, sendo o objetivo da existência a vitória da luz contra a treva, da verdade contra a impostura...
O maniqueísmo espalhou-se com muita facilidade pelo mundo de então, apresentado os dois lados do comportamento em forma de sombra e de claridade, no qual os justos, que a tudo renunciassem, atingiriam a plenitude.
Embora o cristianismo, muito antes, mantivesse, de certo modo, a mesma observância, o conceito de Jesus a esse respeito é mais amplo, demonstrando que todas as experiências humanas contribuem para o processo de libertação do ser, da ignorância que nele predomina, sendo o mal uma conjuntura transitória, na qual somente o bem tem prevalência. O apóstolo Paulo, por sua vez, prescreveu que se deve vencer o mal com o bem.
Essas propostas, especialmente a maniqueísta, ainda em voga, são portadoras de comportamentos fanáticos, definitivos, gerando graves conflitos na cultura, na sociedade, porque, aquilo e aquele que são bons, que representam o bem para determinado segmento humano, são maus para outro...
Condutas consideradas aceitas e dignas em um povo recebem reproche de outro, que as tem em condição de agressividade e de primitivismo.
Esses conceitos, não podem ser considerados de modo absoluto.
Qual o significado do bem? Tudo o que contribui em favor da vida, do seu desenvolvimento ético e moral, a sua construção edificante e propiciadora de satisfações emocionais, é considerado como o bem. Necessário, evitar confundir o de natureza física com a emoção de harmonia, de equilíbrio interior, de felicidade que se adquire por meio de pensamentos, palavras e ações dignificantes, não geradoras de culpa.
O mal é tudo quanto gera aflição, que se transforma em problema, que trabalha pelo prejuízo de outrem e do grupo social, levando ao desconforto moral, à destruição... Do ponto de vista educacional, se for observada criteriosamente essa ocorrência, poder-se-á constatar que muito mal de determinado momento, administrado corretamente pode transformar-se em grande bem. Por outro lado, o que pode parecer um mal para determinado indivíduo, proporciona-lhe o despertar da consciência, o caminho que o levará ao autodescobrimento.
A dificuldade, em diferenciar-se no íntimo, o que é bem e o que é mal, dá origem à sombra, que também tem raízes no ego dominador e arbitrário.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, interrogou os Espíritos superiores, conforme a questão de nº 630:
Como se pode distinguir o bem do mal?
E eles responderam:
“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”
O ser humano é portador de fenômenos lógicos, que nem sempre sabe discernir, que se apresentam conscientes e inconscientes. Inicialmente, no processo evolutivo era todo instinto e paixão adquirindo através do desenvolvimento antropológico da evolução a consciência de si, a conquista da razão, dentro de uma área restrita, que ainda não pode abarcar a totalidade das ocorrências interiores e emocionais, auxiliando-o no comportamento mais compatível com o estágio de lucidez alcançada.
No seu íntimo estão os desejos do prazer ou gozo e a realidade, conforme conclui Freud. Esses impulsos dominadores têm, no entanto que enfrentar a cultura de cada época, os hábitos estabelecidos, os códigos impostos, dando lugar a que as pulsões fossem erradamente consideradas como manifestações demoníacas, forças que o arrastariam para o sofrimento, mais tarde decodificado como o Inferno das religiões castradoras.
Para superar o mal que nele existe, vem-se tornando necessário que estabeleça variados símbolos de transferência ou de projeção, para superar a situação incomoda em que transita. Por isso, os sentimentos perversos do ódio, dos desejos irrefreáveis, dos ciúmes, das ambições desmedidas levam-no a transferi-los para outros indivíduos que passam a figurar como as representações demoníacas ou satânicas, suas adversárias. É certo que esse mecanismo ocorre de maneira inconsciente, em forma de fuga da situação vigente para a transformação dirigida ao bem que busca inconscientemente.
Nessa visão torpe e insensata, surge a luta feroz, mediante a qual o bem deve destruir o mal, na qual se devem envidar todos os esforços, mesmo os mais infames para a vitória, que não passa de derrota interior, porque os mecanismos de batalha são nefastos, portanto, igualmente maus...
Esse fenômeno sempre ocorre quando se deseja exterminar um adversário, que pode ser um indivíduo como uma raça inteira, uma ideia como um grupo idealista, apresentando-a na condição de personificação demoníaca contra a qual todas as armas podem e devem ser utilizadas a fim de aniquilá-los.
A substituição do mal pelo bem, ainda conforme o conceito paulino, é o mais eficiente recurso para que se estabeleça o equilíbrio emocional no indivíduo e no grupamento no qual se encontra.
Toda vez, que alguém se coloca contra algo ou alguém, é inevitável que se arme, o que se transforma num mal. Toda via, quando se põe a favor do bem, desarma-se e logo ama, o que modifica totalmente a questão, demonstrando a excelência do seu propósito.
Há uma regra para melhor identificar-se o bem em relação ao mal, que é a utilização do amor em seu sentido amplo e universal, que oferece a resposta mais hábil para a condução equilibrada de si e o trabalho generalizado em favor de todos.
Nesse momento, alcança-se a consciência moral, que discerne o que se deve e o que se pode fazer, em relação ao que se pode, mas não se deve fazer, ou se deve, mas não se pode fazer...
Através das reencarnações, o Espirito aprende a compreender o que o auxilia na evolução, o que o entorpece e o retarda, assim identificando os mecanismos poderosos para a libertação da psique do primarismo dos instintos – demônios – ensejando-lhe a claridade do esclarecimento – a angelitude.
A imago Dei, que nele se encontra, traz-lhe a pulsão do bem, da vida, que rompe as camadas grosseiras das tecelagens cerebrais, a fim de expressar-se em pensamentos, palavras e ações, que assinalam o estágio de saúde real ou de patologias defluentes dos comportamentos impostos pelos instintos.
Responsável pelo amplo discernimento auxilia a racionalizar o mal, mediante a observância dos resultados dele advindos e dos instrumentos que poderiam ter sido utilizados para efeitos mais consentâneos com o bem- estar e o prazer, ao invés da culpa, do arrependimento e da angustia que se lhe instalam no íntimo...
A individuação apresenta-se, a partir desse momento, como todo esse esforço para a união das duas pulsões em uma única expressão de vida, que é aquela encarregada de propiciar harmonia, eliminando ou superando os desvios do passado que respondem pelos sofrimentos e conflitos tanto individuais como coletivos.
O estado numinoso, desse modo, resulta da vivencia do bem, portanto, simbolicamente da luz, do entendimento, da consciência de si.
A dualidade do bem e do mal no ser humano é fenômeno natural de desenvolvimento da psique, apresentando situações antagônicas, como alto e baixo, belo e feio claro e escuro, bom e mal, certo e errado...
Jesus, o incomum, psicoterapeuta, utilizou-se de uma bela imagem para essa dualidade quando se referiu ao joio e ao trigo, portanto, àquilo que é danoso na seara e o que é benéfico, porque fomentador de vida. Ao mesmo tempo, propôs que não se resistisse ao mal, ao que equivale dizer, que através da ação cordial e perseverante, sem entrar em oposição ao pernicioso, consegue-se a situação ideal, a vitória sobre o que é prejudicial.
O bem, portanto, não é ausência do mal assim como o mal não pode ser considerado como fora do bem, mas experiências que podem ser conduzidas criteriosamente pela consciência para a autoconquista.
Muitas vezes, em face da ausência de consciência moral, o indivíduo interpreta equivocadamente uma ou outra dessas situações, sendo, portanto, a responsabilidade da escolha conforme o nível de conhecimento, de estrutura moral e espiritual.
Do ponto de vista psicológico, a adoção do bem representa saúde emocional e discernimento moral, ambos propiciadores de bem-estar, dando significado à existência, porquanto, à medida que o indivíduo se educa, disciplinando os impulsos  decorrentes do primarismo, experiencia verdadeiro estado de plenitude. Isso não o impede de viver momentos de definição, de dúvida, de incerteza, avançando, porém, na linha direcional do equilíbrio que se impôs.
Pensa-se, erradamente, que a prática do bem impede que o mal se apresente. Enquanto não for diluído nos painéis do inconsciente, periodicamente ressuma, em forma da fissão da psique, como força demoníaca que deve ser orientada, jamais impedida. Reconhecer, portanto, a presença do mal no Si- mesmo já é uma forma de identificar o bem.
Igualmente se confunde o não fazer-se o mal como um grande bem, quando, em verdade, não fazer o bem constitui um tremendo mal, não bastando, portanto, apenas deixar-se de o mal praticar.
Toda vez que se pode iluminar, espraiar o trigo  generoso e não se realiza esse dever, amplia-se a área de sombra e domina o escalracho prejudicial.
E como regra fundamental, para que ninguém tenha dúvida quanto a um e outro no cotidiano, asseverou Jesus com sabedoria: “Vede o que queríeis que vos fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.” (O Livro dos Espíritos, resposta à questão nº 632).
Texto trabalhado com base no livro EM BUSCA DA VERDADE, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado no dia 02/07/2014.

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