quarta-feira, 2 de julho de 2014


A BUSCA DO SIGNIFICADO
 

O sentido profundo da vida humana é a busca do significado, a plenificação do Self – a imago Dei – a substância divina que orienta a existência e a dignifica. 

Ninguém, de consciência, passa pela Terra, sem um sentido existencial que ultrapasse as necessidades imediatas, que não atendem as exigências emocionais, logo que são vivenciadas. 

Por isso, a vivência interior torna-se de grande significado, sem ela as realizações exteriores perdem o significado, porque passam a ser possuídas sem atender as exigências emocionais, que, quando não resolvidas, trazem o vazio existencial. 

Nessa viagem interna, que como uma aventura interior, a consciência cresce ao infinito, indo além dos limites habituais limitados aos desejos do ter e do prazer. 

Quase sempre, essa busca profunda apresenta-se na criatividade da arte ou na dedicação a crença religiosa, como instrumentos possíveis para a conquista do infinito e do indefinível.
 
Adormecidos no mais profundo do inconsciente coletivo essas duas aspirações originadas na fase primária da evolução, quando o homem começou a compreender a grandeza e a beleza da vida e suas ameaças contínuas presentes na Natureza, e a entrega às forças desconhecidas que pareciam dominar-lhes os destinos, permitindo o surgimento do mito religioso, como mecanismo de fuga das angústias e perturbações, atendendo aos caprichos que se impunham como soluções imediatas. 

O esforço desse ser primitivo em comunicar-se com o outro e desenvolver a consciência através da escrita e da pintura rupestre, são as primeiras expressões da criatividade e do processo de comunicação consciente, organizada, que permanecerão na sua caminhada antropológica. 

A vida humana sendo a materialização do mundo cósmico, os Espíritos desencarnados naquele tempo,  sem noção da sua realidade, ao manifestar-se aos contemporâneos no interior das cavernas, iniciaram as primeiras expressões do culto religioso, sem o desejarem, tornando-se deuses bárbaros uns e gentis, benévolos outros, que povoariam o imaginário das gerações sucessivas, inscrevendo-se no panteão de todas as culturas terrestres. 

Reavivar essas imagens e decodificá-las é a proposta da psicologia profunda, tirando-lhes a sombra perniciosa e ameaçadora da tradição, de forma que, em estágio de consciência lúcida, conquistem o seu verdadeiro sentido, o da imortalidade. 

Porque no primarismo não se permitia o raciocínio logico, o culto natural de respeito e de devoção, mas pelo temor do que pelo amor revestiu-se do mágico, do imaginoso, do sobrenatural, necessitando das excentricidades que se tornaram complexas em forma de cerimonias e de sacrifícios, inclusive humanos, para depois, de natureza animal irracional e, por fim, vegetal, por meio das flores, como preito de amor e de gratidão, de respeito, de súplica... De tal maneira o inconsciente ficou sobrecarregado do fetiche criado e transferido de uma para outra geração que, mesmo na fase do discernimento, continuam as heranças dominadoras, levando ao medo, ao respeito exagerado, às fugas para livrar-se da culpa, resgatando-a com oferendas e sacrifícios... 

O mergulho interior, desmistificando essa miscelânea de condicionamentos e atavismos de natureza mágica, contribuirá para o encontro com a religiosidade real, esse sentimento engrandecido que é a identificação com a imago Dei, com a manifestação de Deus. Certamente, não será o deus antropomórfico – arquetípico, não real – portanto, humanoide, caprichoso, mítico, mas aquele que é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. Esse conceito está perfeitamente identificado com a definição apresentada pelo filósofo holandês Baruc Spinosa, quando diz que Deus é a natura naturans. 

Desse modo, Deus está além de qualquer conceito que o limite e o transforme em conteúdo, quando, pela Sua indecifrável realidade, é o Continente que tudo envolve. 

A viagem, portanto, de caráter religioso, deságua no sentimento de religiosidade, de encontro com o divino que se encontra no Si-mesmo, aguardando compreensão e vivência da sua realidade, além de qualquer tipo de culto externo ou de submissão temerária. 

Nessa incursão, a mente sutiliza-se e descobre significados desconhecidos que dão motivações à existência para ser vivenciada com alegria e irrestrita confiança nos resultados futuros. 

Ao invés de significar uma fuga, uma transferência da imagem do pai para a Divindade, representa o encontro com a Consciência universal, com ela identificando-se e tentando plenificação. 

As várias maneiras de realizar a religiosidade mediante a fé, a abnegação, a concentração nos postulados da vida, na prece, na integração solidária nos serviços de beneficência e de caridade, dão sentido à existência física, enriquecendo-a de alegria e de bem-estar pelo prazer de contribuir em favor da satisfação geral, da diminuição do sofrimento, da miséria, das necessidades que assolam em toda parte... 

Imediatamente a criatividade, nesse momento, também se expressa grandiosa, numa explosão de imagens que necessitam de ser exteriorizadas, dando lugar à arte que se transforma em poderoso recurso de beleza, traduzindo as fixações que se encontram no inconsciente, transitando das formas grotescas ao classicismo e chegando às profundas manifestações do modernismo, do cubismo, do surrealismo, do abstracionismo, porque não podem, na pintura, na música, na escultura, por exemplo, ficar contidas no reduzido das formas... Todo limite que se lhes imponha, impede-lhes a expansão, a libertação dos abismos do inconsciente coletivo.  

Em todo período de crise, de indecisão e de perda de significado existencial da sociedade, ocorrem mudanças, algumas radicais, em relação ao já experienciado, ao conhecido, em forma de ânsia de libertação das imposições castradoras anteriores. 

Nesse processo inevitável da evolução, todo um expressivo número de artistas conseguiu quebrar os limites impostos pela tradição, para alcançar o além das formas definidoras de conteúdos. Isso se tornou possível em razão da viagem interior que foram convidados a fazer, após sentirem-se saturados pelo já apresentado, que as modernas conquistas da tecnologia poderiam fazer de maneira perfeita, em cópias iguais, portanto, sem necessidade da sua contribuição pessoal. 

Os mais audaciosos detiveram-se, a princípio, rompendo os velhos padrões, no realismo e no impressionismo, para depois darem o grande salto em novas concepções que desvelam o inconsciente de cada qual e abrem campo a novas observações numinosas e psicoterapêuticas libertadoras. 

Por intermédio de algumas dessas expressões artísticas, especialmente a pintura, a escultura, a música, pode-se penetrar nos conflitos dos pacientes e, utilizando-se de recursos curativos algo semelhantes, trabalhar-lhes as causas dos transtornos de conduta e de emoção. 

Com essa modificação na arte, particularmente na pintura, mais tarde em outros ramos culminando na música, na escultura, na literatura, no balé, nos mais diversos ramos do conhecimento, as denominadas realidades objetivas cederam lugar aos conteúdos metafísicos e transcendentais, ampliando as conquistas do pensamento humano sem limite nem forma... 

Graças a essa aventura em direção ao interior, ao inconsciente, a arte se transformou em um fenômeno místico, quase religioso pelo seu significado libertador, sem qualquer vínculo com denominação, mas dirigido à imensidão do Cosmo e da vida. 

Proibidas essas expressões durante o período religioso dominador e restritivo, todas as imagens que vinham desde a remota antiguidade, porque herança do primarismo, os artistas conseguiram romper com os cânones do denominado estático, belo, harmônico, convencionalmente aceitos, demonstrando outras expressões de significados idênticos, de acordo com a visão e a percepção de cada criatura.

O inconcebível pode ser externado de maneira própria, favorecendo a identificação de novos padrões de beleza. 

O que antes era tido como arte moderna de tal maneira se impôs tornando-se natural, que já não se atém às admiráveis expressões sob essa ou aquela denominação, estando presente na condição que lhe é própria, de arte reconhecida e aceita. 

O observador consciente e sincero, diante de alguma dessas expressões que romperam com o tradicional, identifica-se além da forma, em mensagens subliminais ou diretas, auxiliando-o a melhor entender-se, decifrar-se, em face dos padrões que o limitavam e lhe dificultavam a autocompreensão, atormentando-o e alienando-o... 

Ela provoca, de inicio, um choque, pela estranheza de que se reveste, em qualquer um dos seus aspectos, na variedade de expressões em que se manifesta, para logo, à medida que a atenção a focaliza ou a recebe, produz a identificação do inconsciente que libera informações e faculta a aceitação natural dos seus conteúdos, porque se encontram também nele mesmo. 

Costuma-se dizer que a maioria da arte contemporânea, expressa angústia, dor, sofrimento, discórdia, luta, o que, de certo modo, é verdade, porquanto, representa a visão da jornada longa da evolução e reflete a realidade existencial, muitas vezes disfarçada pela hipocrisia ou oculta pelos denominados multiplicadores de opinião. 

Observemos Guernica do espanhol Pablo Picasso e identificaremos a tragédia do bombardeio aéreo sobre a cidade infeliz e a degradação que tomou conta de tudo. 

De igual maneira, O Grito, do norueguês Edvard Munch, expressa nessa figura andrógena toda a sua angustia, resultante de uma infância infeliz, de insucessos afetivos, da visão tormentosa de um entardecer de sangue e de fogo, que ele tentou expressar em o Desespero, sem o haver logrado integralmente, o que conseguiu, logo depois, na outra obra que ficou imortal... 

Enquanto a ciência dirige-se ao intelecto e a reduzido numero de indivíduos, a arte, em face das suas expressões, é mais abrangente, sendo aceita por todos, não importando o nível de cultura ou de sentimento, ou de consciência em que se encontre, porque sempre traduz o que se passa no mundo interior dos seus autores, expressando a mesma ocorrência naqueles que se lhe vinculam. 

Esta é também uma forma de enfrentamento com o inconsciente, no que o insigne mestre Jung denominou como a luta mítica contra o dragão, na representação tradicional de S, Jorge, o vitorioso, o herói. Nada obstante, essa é uma luta antiga realizada pelo Espirito que tem necessidade de superar os impedimentos da matéria em que se ergastula durante o processo da evolução, para desvelar as potencias nele adormecidas, o seu deus interno. 

O divino em cada luta inevitavelmente contra o humano, a força transcendente em alerta contra o poder do animal ególatra e escravizador. 

Pode-se dizer que se trata de um esforço imenso esse emergir da escuridão da ignorância para a claridade do discernimento e da razão. É a autoconquista realizada pelo Self cuja trajetória é interior. 

 A falta de sentido existencial, portanto, de significado, gera transtornos neuróticos muitas vezes confundido com outros motivos que seriam os responsáveis pelo desequilíbrio. 

Assim, a conquista de objetivo, de um significado básico para a existência é fundamental para o equilíbrio do eixo ego-Self. 

Na atualidade generaliza-se essa problemática, definida por Jung, já, no seu tempo, como a neurose geral do nosso tempo, em razão da constatação da inutilidade a que cada indivíduo se atribui tonando-se quase invisível no meio social onde se encontra. 

Texto trabalhado com base no livro EM BUSCA DA VERDADE, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado no dia 02/07/2014.

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