A BUSCA DO SIGNIFICADO
O
sentido profundo da vida humana é a busca do significado, a plenificação do Self – a imago Dei – a substância divina
que orienta a existência e a dignifica.
Ninguém,
de consciência, passa pela Terra, sem um sentido existencial que ultrapasse as necessidades
imediatas, que não atendem as exigências emocionais, logo que são vivenciadas.
Por
isso, a vivência interior torna-se de grande significado, sem ela as
realizações exteriores perdem o significado, porque passam a ser possuídas sem
atender as exigências emocionais, que, quando não resolvidas, trazem o vazio
existencial.
Nessa
viagem interna, que como uma aventura interior, a consciência cresce ao
infinito, indo além dos limites habituais limitados aos desejos do ter e do
prazer.
Quase
sempre, essa busca profunda apresenta-se na criatividade da arte ou na dedicação
a crença religiosa, como instrumentos possíveis para a conquista do infinito e
do indefinível.
Adormecidos
no mais profundo do inconsciente coletivo essas duas aspirações originadas na
fase primária da evolução, quando o homem começou a compreender a grandeza e a
beleza da vida e suas ameaças contínuas presentes na Natureza, e a entrega às
forças desconhecidas que pareciam dominar-lhes os destinos, permitindo o
surgimento do mito religioso, como mecanismo de fuga das angústias e
perturbações, atendendo aos caprichos que se impunham como soluções imediatas.
O
esforço desse ser primitivo em comunicar-se com o outro e desenvolver a
consciência através da escrita e da pintura rupestre, são as primeiras expressões
da criatividade e do processo de comunicação consciente, organizada, que
permanecerão na sua caminhada antropológica.
A
vida humana sendo a materialização do mundo cósmico, os Espíritos desencarnados
naquele tempo, sem noção da sua
realidade, ao manifestar-se aos contemporâneos no interior das cavernas, iniciaram
as primeiras expressões do culto religioso, sem o desejarem, tornando-se deuses bárbaros uns e gentis, benévolos
outros, que povoariam o imaginário das gerações sucessivas, inscrevendo-se no
panteão de todas as culturas terrestres.
Reavivar
essas imagens e decodificá-las é a proposta da psicologia profunda,
tirando-lhes a sombra perniciosa e
ameaçadora da tradição, de forma que, em estágio de consciência lúcida, conquistem
o seu verdadeiro sentido, o da imortalidade.
Porque
no primarismo não se permitia o raciocínio logico, o culto natural de respeito
e de devoção, mas pelo temor do que pelo amor revestiu-se do mágico, do
imaginoso, do sobrenatural, necessitando das excentricidades que se tornaram
complexas em forma de cerimonias e de sacrifícios, inclusive humanos, para
depois, de natureza animal irracional e, por fim, vegetal, por meio das flores,
como preito de amor e de gratidão, de respeito, de súplica... De tal maneira o
inconsciente ficou sobrecarregado do fetiche
criado e transferido de uma para outra geração que, mesmo na fase do
discernimento, continuam as heranças dominadoras, levando ao medo, ao respeito
exagerado, às fugas para livrar-se da culpa, resgatando-a com oferendas e
sacrifícios...
O
mergulho interior, desmistificando essa miscelânea de condicionamentos e
atavismos de natureza mágica, contribuirá para o encontro com a religiosidade
real, esse sentimento engrandecido que é a identificação com a imago Dei, com a manifestação de Deus.
Certamente, não será o deus antropomórfico – arquetípico, não real – portanto,
humanoide, caprichoso, mítico, mas aquele que é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. Esse
conceito está perfeitamente identificado com a definição apresentada pelo
filósofo holandês Baruc Spinosa, quando diz que Deus é a natura naturans.
Desse
modo, Deus está além de qualquer conceito que o limite e o transforme em
conteúdo, quando, pela Sua indecifrável realidade, é o Continente que tudo
envolve.
A
viagem, portanto, de caráter religioso, deságua no sentimento de religiosidade,
de encontro com o divino que se encontra no Si-mesmo,
aguardando compreensão e vivência da sua realidade, além de qualquer tipo
de culto externo ou de submissão temerária.
Nessa
incursão, a mente sutiliza-se e descobre significados desconhecidos que dão
motivações à existência para ser vivenciada com alegria e irrestrita confiança
nos resultados futuros.
Ao
invés de significar uma fuga, uma transferência da imagem do pai para a
Divindade, representa o encontro com a Consciência universal, com ela identificando-se
e tentando plenificação.
As
várias maneiras de realizar a religiosidade mediante a fé, a abnegação, a
concentração nos postulados da vida, na prece, na integração solidária nos
serviços de beneficência e de caridade, dão sentido à existência física,
enriquecendo-a de alegria e de bem-estar pelo prazer de contribuir em favor da
satisfação geral, da diminuição do sofrimento, da miséria, das necessidades que
assolam em toda parte...
Imediatamente
a criatividade, nesse momento, também se expressa grandiosa, numa explosão de
imagens que necessitam de ser exteriorizadas, dando lugar à arte que se
transforma em poderoso recurso de beleza, traduzindo as fixações que se
encontram no inconsciente, transitando das formas grotescas ao classicismo e chegando
às profundas manifestações do modernismo, do cubismo, do surrealismo, do
abstracionismo, porque não podem, na pintura, na música, na escultura, por
exemplo, ficar contidas no reduzido das formas... Todo limite que se lhes
imponha, impede-lhes a expansão, a libertação dos abismos do inconsciente
coletivo.
Em
todo período de crise, de indecisão e de perda de significado existencial da
sociedade, ocorrem mudanças, algumas radicais, em relação ao já experienciado,
ao conhecido, em forma de ânsia de libertação das imposições castradoras
anteriores.
Nesse
processo inevitável da evolução, todo um expressivo número de artistas
conseguiu quebrar os limites impostos pela tradição, para alcançar o além das
formas definidoras de conteúdos. Isso se tornou possível em razão da viagem
interior que foram convidados a fazer, após sentirem-se saturados pelo já
apresentado, que as modernas conquistas da tecnologia poderiam fazer de maneira
perfeita, em cópias iguais, portanto, sem necessidade da sua contribuição pessoal.
Os
mais audaciosos detiveram-se, a princípio, rompendo os velhos padrões, no
realismo e no impressionismo, para depois darem o grande salto em novas
concepções que desvelam o inconsciente de cada qual e abrem campo a novas
observações numinosas e psicoterapêuticas libertadoras.
Por
intermédio de algumas dessas expressões artísticas, especialmente a pintura, a
escultura, a música, pode-se penetrar nos conflitos dos pacientes e,
utilizando-se de recursos curativos algo semelhantes, trabalhar-lhes as causas
dos transtornos de conduta e de emoção.
Com
essa modificação na arte, particularmente na pintura, mais tarde em outros
ramos culminando na música, na escultura, na literatura, no balé, nos mais
diversos ramos do conhecimento, as denominadas realidades objetivas cederam lugar aos conteúdos metafísicos e
transcendentais, ampliando as conquistas do pensamento humano sem limite nem
forma...
Graças
a essa aventura em direção ao
interior, ao inconsciente, a arte se transformou em um fenômeno místico, quase
religioso pelo seu significado libertador, sem qualquer vínculo com
denominação, mas dirigido à imensidão do Cosmo e da vida.
Proibidas
essas expressões durante o período religioso dominador e restritivo, todas as
imagens que vinham desde a remota antiguidade, porque herança do primarismo, os
artistas conseguiram romper com os cânones do denominado estático, belo,
harmônico, convencionalmente aceitos, demonstrando outras expressões de
significados idênticos, de acordo com a visão e a percepção de cada criatura.
O
inconcebível pode ser externado de maneira própria, favorecendo a identificação
de novos padrões de beleza.
O
que antes era tido como arte moderna
de tal maneira se impôs tornando-se natural, que já não se atém às admiráveis
expressões sob essa ou aquela denominação, estando presente na condição que lhe
é própria, de arte reconhecida e aceita.
O
observador consciente e sincero, diante de alguma dessas expressões que
romperam com o tradicional, identifica-se além da forma, em mensagens
subliminais ou diretas, auxiliando-o a melhor entender-se, decifrar-se, em face
dos padrões que o limitavam e lhe dificultavam a autocompreensão, atormentando-o
e alienando-o...
Ela
provoca, de inicio, um choque, pela estranheza de que se reveste, em qualquer
um dos seus aspectos, na variedade de expressões em que se manifesta, para
logo, à medida que a atenção a focaliza ou a recebe, produz a identificação do
inconsciente que libera informações e faculta a aceitação natural dos seus
conteúdos, porque se encontram também nele mesmo.
Costuma-se
dizer que a maioria da arte contemporânea, expressa angústia, dor, sofrimento,
discórdia, luta, o que, de certo modo, é verdade, porquanto, representa a visão
da jornada longa da evolução e reflete a realidade existencial, muitas vezes
disfarçada pela hipocrisia ou oculta pelos denominados multiplicadores de opinião.
Observemos
Guernica do espanhol Pablo Picasso e
identificaremos a tragédia do bombardeio aéreo sobre a cidade infeliz e a
degradação que tomou conta de tudo.
De
igual maneira, O Grito, do norueguês
Edvard Munch, expressa nessa figura andrógena toda a sua angustia, resultante
de uma infância infeliz, de insucessos afetivos, da visão tormentosa de um
entardecer de sangue e de fogo, que
ele tentou expressar em o Desespero, sem
o haver logrado integralmente, o que conseguiu, logo depois, na outra obra que
ficou imortal...
Enquanto
a ciência dirige-se ao intelecto e a reduzido numero de indivíduos, a arte, em
face das suas expressões, é mais abrangente, sendo aceita por todos, não
importando o nível de cultura ou de sentimento, ou de consciência em que se
encontre, porque sempre traduz o que se passa no mundo interior dos seus
autores, expressando a mesma ocorrência naqueles que se lhe vinculam.
Esta
é também uma forma de enfrentamento com o inconsciente, no que o insigne mestre
Jung denominou como a luta mítica contra
o dragão, na representação tradicional de S, Jorge, o vitorioso, o herói. Nada obstante, essa é uma luta
antiga realizada pelo Espirito que tem necessidade de superar os impedimentos
da matéria em que se ergastula durante o processo da evolução, para desvelar as
potencias nele adormecidas, o seu deus interno.
O
divino em cada luta inevitavelmente
contra o humano, a força
transcendente em alerta contra o poder do animal ególatra e escravizador.
Pode-se
dizer que se trata de um esforço imenso esse emergir da escuridão da ignorância
para a claridade do discernimento e da razão. É a autoconquista realizada pelo Self cuja trajetória é interior.
A falta de sentido existencial, portanto, de
significado, gera transtornos neuróticos muitas vezes confundido com outros
motivos que seriam os responsáveis pelo desequilíbrio.
Assim,
a conquista de objetivo, de um significado básico para a existência é
fundamental para o equilíbrio do eixo ego-Self.
Na
atualidade generaliza-se essa problemática, definida por Jung, já, no seu
tempo, como a neurose geral do nosso
tempo, em razão da constatação da inutilidade a que cada indivíduo se
atribui tonando-se quase invisível no meio social onde se encontra.
Texto
trabalhado com base no livro EM BUSCA DA
VERDADE, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de
Ângelis.
Postado
no dia 02/07/2014.
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