terça-feira, 8 de julho de 2014


INDIVIDUAÇÃO

A busca do significado na existência humana deve expressar-se no caminho da individuação, ou seja, da própria identidade, que não se limita ao conceito de individualismo, mas de individualidade, que leva ao conhecimento real do que se é e não se limita ao que parece ser nas exterioridades do ego.
Para Jung, criador do termo, o significado é que a existência se realize como individualidade do Self, como perfeita integração do Si-mesmo, da sua totalidade, o que não significa sua perfeição, que constitui um ideal...
É todo o empenho que deve ser feito para que se alcance a perfeita consciência da sua realidade, sem disfarces, como cada um é, sem o conflito de somente apresentar-se com características não verdadeiras.
É, na realidade, um superesforço, porque o arquétipo numinoso do Self apresenta-se como um tentame que pode ter repercussão perturbadora inesperada, como na auto-presunção de querer ser um super-homem – Ubermensch ou um homem-deuscomo sonhou no seu delírio masoquista Frederico Nietczsche.
É preciso evitar tais ambições, considerando que a conquista não pode fazer esquecer-se da realidade do ser individual que se é, os limites naturais de humanidade que o caracterizam.
Enquanto o Self é a expressão da divindade interna no ser humano, na busca da individuação, deve apequenar-se até a postura do ego,  consciente da sua condição imensurável da psique, sendo, ao mesmo tempo, o seu conteúdo mais significativo e real.
O que pede um grande confronto em luta contínua com os constructu do inconsciente, eliminando, ou iluminando as condensações da sombra, das experiências dolorosas umas, infelizes outras, abençoadas algumas e frustrantes diversas...
É a conquista dos valores programados para o vir-a-ser, e que podem ser conseguidos com esforço de superação sobre o ego, por meio de renuncias e compreensão do significado existencial.
Não se consegue essa meta a golpes aventureirescos, sob entusiasmos e exaltações da persona, mas, por conquistas diárias, lentas e seguras, que vão sendo incorporadas no inconsciente, essa individuação pode apresentar-se num conteúdo espiritual, artístico, cultural, científico, de qualquer natureza, porquanto a sua meta é a ampliação da consciência além dos limites habituais em forma de compreensão da vida em todas as  dimensões.
Isso só ocorre através das transformações dos conceitos existenciais, levando o individuo à superar os arquétipos perturbadores – persona, sombra, anima-us – em uma consciente integração.
Somente aceitando a vida – a realidade existencial – conforme é, e trabalhando para que se apresente melhor, desenvolvendo o autoamor – respeito por si mesmo, autotransformação, intelectualização e moralidade – a fim  de poder entender e participar da convivência com as demais pessoa.
Essa integração do Self com a realidade confere responsabilidade ao individuo que supera as injunções habituais das dificuldades, das enfermidades, das fugas psicológicas, das transferências da culpa, da criança maltratada, para conquistar a maturidade libertadora.
No processo da evolução, houve alienação em relação aos instintos, por castração, por imposições de falsa moral, de censura ao mundo, o que tornou a consciência distante da realidade, sendo necessário agora como impositivo o retorno à compreensão de todos os valores e à conduta saudável das ocorrências do cotidiano.
O desenvolvimento da inteligência contribui de forma objetiva para a conquista da individuação, mas não através do intelectualismo sem a cooperação da conceituação moral, do sentido ético-filosófico do comportamento.
No conceito junguiano, a individuação plena e total não pode ser conseguida, por motivos óbvios, em face da sua transcendência à consciência, o que significa a momentânea impossibilidade de o Espírito alcançar os horizontes infinitos da perfeição, somente pertencente a Deus.
Nesses limites que lhe dizem respeito, a plenitude significa estado de iluminação e de paz, não de conquista absoluta, na relatividade do seu processo evolutivo.
Cada indivíduo conduz sua própria programação existencial, trabalhando pelos recursos, das conquistas alcançadas nas reencarnações, não sendo a etapa atual o ultimo passo, a situação definitiva, mas sim, um segmento do conjunto que abarcará, um dia, quando conseguir libertar-se do impositivo da evolução.
Deve dirigir todo seu esforço em favor da superação dos impulsos dos instintos agressivos e de natureza egóica, desenvolvendo os sentimentos de identificação com a harmonia e o bem-estar, com os labores da solidariedade que fomenta o progresso de todos, a autoiluminação.
O Self é específico e individual, embora o seu caráter coletivo, ainda no conceito junguiano, porque representa a unidade que deve ser conquistada como o destino que o aguarda.
Nessa realização individual, o Self reunirá os conteúdos inconscientes aos conscientes, conseguindo uma harmonia que permite a lucidez do destino humano sem os atavismos perturbadores do passado nem as ambições desenfreadas em relação ao futuro. Esse trabalho é possível, na razão em que o mesmo vai penetrando nos depósitos do inconsciente e libertando as fixações e imagens ancestrais, responsáveis pela desorientação do individuo sempre que emergem, gerando conflito com a consciência, com os valores éticos estabelecidos, com as necessidades que se impõem.
Quando começa a identificação desses conteúdos graves, normalmente surgem a angústia, a rejeição de si mesmo, a surpresa com os significados mórbidos e perversos, vulgares e destituídos de sentimento que se encontravam adormecidos, podendo produzir alguns transtornos neuróticos... Porém, perseverando-se no objetivo, passa-se a outro nível do inconsciente, com diferentes conteúdos amenos e estimulantes. É normal que isso ocorra, porque toda vez que se mergulha em águas acumuladas, alcança-se os depósitos de lama, que vencidos permitem a transparência do líquido armazenado.
No esforço feito, vão acontecendo as transformações emocionais e os aspectos da saúde sob vários ângulos, constituindo motivo de prazer e de alegria, ante a perspectiva do encontro com o repouso, a paz, o Nirvana...
Após as primeiras experiências nirvânicas, a sede de progresso, de imortalidade, de sublimação retorna, e o trabalho interior continua, porque o repouso absoluto seria a negação da própria vida, a perda de sentido psicológico da evolução.
Não foi por outra razão que Jesus enunciou que o reino dos Céus está dentro de cada indivíduo, propondo a reflexão profunda e a autoconquista como meios para a libertação das anteriores conquistas alienantes e dos desejos do ego presunçoso.
O conceito, portanto, de individuação, de totalidade, abrange a conquista dos conteúdos possíveis de conscientização, que desaparecem nos significados psicológicos elevados que cada qual estabelece como sua meta existencial.
Esse tentame, propõe novos paradigmas de comportamento que surpreendem, porque o novo e desconhecido são sempre motivo de preocupação e de mal-entendimento. Tais paradigmas, no entanto, estão ínsitos no ser, porque são uma visão nova de perspectivas de conduta e de aspiração de vida, interpretação diferenciada do aceito e comum, das circunstâncias caóticas que devem ser modificadas e do esforço pessoal em benefício do equilíbrio geral. Quando isso não ocorre, estabelece-se a neurose moderna como a que toma conta da sociedade atual.
Esse tipo de transtorno neurótico expressa-se como ansiedade,  insatisfação, frustração, desconfiança e  solidão, asfixiando os mais belos ideais da humanidade intelectualizada, tecnologicamente rica e profundamente infeliz em seu sentimento pessoal.
Os efeitos imediatos são as depressões bipolares na área da afetividade, a síndrome do pânico, as fugas hediondas pelo suicídio, pelo homicídio, as opções tormentosas pela violência, pelo estupro, pelo esdrúxulo e primitivo no comportamento para chamar a atenção, em face do desprezo que a sua vítima sentem por si mesmas. Ante a impossibilidade de considerar a sua valorização pelos significados nobres, assume as agressivas posturas que lhes atendem ao desconforto interior, tornando-se temíveis, por saber que não são amadas, em carência profunda e em estado de criança abandonada...
Desse modo, a busca da individuação é também a maneira psicológica de encontrar-se o melhor meio para o bom relacionamento com o Si-mesmo, com o outro, com a sociedade.
Não se pode viver de maneira saudável sem considerar-se a presença de outrem no contexto social, sendo, por sua vez, o outro daquele...
Algo somente passa a ter existência real na consciência quando é pela mesma detectado. Observar-se algo ou alguém é também ser observado por esse objeto ou pessoa em observação. Nesse momento, ocorre um relacionamento, um descobrimento do outro, a necessidade de troca com ele, a sua convivência, que constitui a forma de cada qual existir e ter valor no mundo.
Por isso, o isolamento, o distanciamento da sociedade sob a justificativa de encontrar Deus e melhor serví-lO, esconde uma alienação vinda de algum conflito forte com relação ao próximo, uma agorafobia que pode ter razão profunda na libido atormentada, na culpa maldisfarçada. A fuga do mundo não impede que o indivíduo se leve até onde for procurar esconder-se.
No início da divulgação da doutrina cristã, especialmente no século lll d.C. houve uma epidemia de eremitas, de pessoas que buscavam a solidão, de processos autopunitivos ou de busca pela autoflagelação, caracterizando a morbidez da cultura e o alto indicie de sofrimentos que feriam a ética e a sociedade que se satisfazia no deboche e nos absurdos de conduta, fugindo para a libertação dos conflitos. Infelizmente, tornaram-se mais exemplos de inutilidade e de egoísmo do que de serviço ao bem, às propostas de Jesus, que escolheu a convivência com os infelizes, a fim de ajudá-los a libertar-se de si mesmos, das suas misérias, das suas dores.
Convivendo com a ralé, manteve a sua aristocracia espiritual, demostrando o mais elevado nível de individuação, do Self totalizado e em integração perfeita com Deus, em nome de Quem veio para amar e ensinar a conquista da saúde total e da felicidade às criaturas, constituindo-se o mais elevado exemplo de vitória sobre as circunstâncias e ocorrências de quem se tem notícias.
Seguir-Lhe o exemplo, refletir nas Suas palavras e principalmente nos Seus exemplos, é a mais segura diretriz para encontrar-se a individuação.
Mediante a conquista da individuação, a fissão da psique torna-se unidade.
Texto trabalhado com base no livro EM BUSCA DA VERDADE, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.
Postado no dia 08/07/2014.

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