INDIVIDUAÇÃO
A busca do significado na
existência humana deve expressar-se no caminho da individuação, ou seja, da
própria identidade, que não se limita ao conceito de individualismo, mas de
individualidade, que leva ao conhecimento real do que se é e não se limita ao
que parece ser nas exterioridades do ego.
Para Jung, criador do termo,
o significado é que a existência se
realize como individualidade do Self,
como perfeita integração do Si-mesmo,
da sua totalidade, o que não significa sua
perfeição, que constitui um ideal...
É todo o empenho que deve
ser feito para que se alcance a perfeita consciência da sua realidade, sem
disfarces, como cada um é, sem o conflito de somente apresentar-se com
características não verdadeiras.
É, na realidade, um
superesforço, porque o arquétipo numinoso do Self apresenta-se como um tentame que pode ter repercussão
perturbadora inesperada, como na auto-presunção de querer ser um super-homem – Ubermensch ou um homem-deus – como sonhou no seu delírio masoquista
Frederico Nietczsche.
É preciso evitar tais
ambições, considerando que a conquista não pode fazer esquecer-se da realidade
do ser individual que se é, os limites naturais de humanidade que o
caracterizam.
Enquanto o Self é a expressão da divindade interna
no ser humano, na busca da individuação, deve apequenar-se até a postura do
ego, consciente da sua condição
imensurável da psique, sendo, ao mesmo tempo, o seu conteúdo mais significativo
e real.
O que pede um grande
confronto em luta contínua com os constructu
do inconsciente, eliminando, ou iluminando as condensações da sombra, das experiências dolorosas umas,
infelizes outras, abençoadas algumas e frustrantes diversas...
É a conquista dos
valores programados para o vir-a-ser, e que podem ser conseguidos com esforço
de superação sobre o ego, por meio de
renuncias e compreensão do significado existencial.
Não se consegue essa meta a
golpes aventureirescos, sob entusiasmos e exaltações da persona, mas, por conquistas diárias, lentas e seguras, que vão
sendo incorporadas no inconsciente, essa individuação pode apresentar-se num
conteúdo espiritual, artístico, cultural, científico, de qualquer natureza,
porquanto a sua meta é a ampliação da consciência além dos limites habituais em
forma de compreensão da vida em todas as dimensões.
Isso só ocorre através das
transformações dos conceitos existenciais, levando o individuo à superar os
arquétipos perturbadores – persona,
sombra, anima-us – em uma consciente integração.
Somente aceitando a vida – a
realidade existencial – conforme é, e trabalhando para que se apresente melhor,
desenvolvendo o autoamor – respeito por si mesmo, autotransformação,
intelectualização e moralidade – a fim
de poder entender e participar da convivência com as demais pessoa.
Essa integração do Self com a realidade confere
responsabilidade ao individuo que supera as injunções habituais das dificuldades,
das enfermidades, das fugas psicológicas, das transferências da culpa, da criança maltratada, para conquistar a
maturidade libertadora.
No processo da evolução,
houve alienação em relação aos instintos, por castração, por imposições de
falsa moral, de censura ao mundo, o que tornou a consciência distante da
realidade, sendo necessário agora como impositivo o retorno à compreensão de
todos os valores e à conduta saudável das ocorrências do cotidiano.
O desenvolvimento da
inteligência contribui de forma objetiva para a conquista da individuação, mas
não através do intelectualismo sem a cooperação da conceituação moral, do
sentido ético-filosófico do comportamento.
No conceito junguiano, a
individuação plena e total não pode ser conseguida, por motivos óbvios, em face
da sua transcendência à consciência, o que significa a momentânea
impossibilidade de o Espírito alcançar os horizontes infinitos da perfeição,
somente pertencente a Deus.
Nesses limites que lhe dizem
respeito, a plenitude significa estado de iluminação e de paz, não de conquista
absoluta, na relatividade do seu processo evolutivo.
Cada indivíduo conduz sua
própria programação existencial, trabalhando pelos recursos, das conquistas
alcançadas nas reencarnações, não sendo a etapa atual o ultimo passo, a
situação definitiva, mas sim, um segmento do conjunto que abarcará, um dia,
quando conseguir libertar-se do impositivo da evolução.
Deve dirigir todo seu
esforço em favor da superação dos impulsos dos instintos agressivos e de
natureza egóica, desenvolvendo os sentimentos de identificação com a harmonia e
o bem-estar, com os labores da solidariedade que fomenta o progresso de todos, a
autoiluminação.
O Self é específico e individual,
embora o seu caráter coletivo, ainda
no conceito junguiano, porque representa a unidade que deve ser conquistada
como o destino que o aguarda.
Nessa realização individual,
o Self reunirá os conteúdos
inconscientes aos conscientes, conseguindo uma harmonia que permite a lucidez do
destino humano sem os atavismos perturbadores do passado nem as ambições
desenfreadas em relação ao futuro. Esse trabalho é possível, na razão em que o
mesmo vai penetrando nos depósitos do inconsciente e libertando as fixações e
imagens ancestrais, responsáveis pela desorientação do individuo sempre que
emergem, gerando conflito com a consciência, com os valores éticos
estabelecidos, com as necessidades que se impõem.
Quando começa a
identificação desses conteúdos graves, normalmente surgem a angústia, a
rejeição de si mesmo, a surpresa com os significados mórbidos e perversos,
vulgares e destituídos de sentimento que se encontravam adormecidos, podendo
produzir alguns transtornos neuróticos... Porém, perseverando-se no objetivo,
passa-se a outro nível do inconsciente, com diferentes conteúdos amenos e
estimulantes. É normal que isso ocorra, porque toda vez que se mergulha em
águas acumuladas, alcança-se os depósitos de lama, que vencidos permitem a
transparência do líquido armazenado.
No esforço feito, vão acontecendo
as transformações emocionais e os aspectos da saúde sob vários ângulos,
constituindo motivo de prazer e de alegria, ante a perspectiva do encontro com
o repouso, a paz, o Nirvana...
Após as primeiras experiências
nirvânicas, a sede de progresso, de imortalidade, de sublimação retorna, e o
trabalho interior continua, porque o repouso absoluto seria a negação da
própria vida, a perda de sentido psicológico da evolução.
Não foi por outra razão que
Jesus enunciou que o reino dos Céus está dentro de cada indivíduo, propondo a
reflexão profunda e a autoconquista como meios para a libertação das anteriores
conquistas alienantes e dos desejos do ego
presunçoso.
O conceito, portanto, de
individuação, de totalidade, abrange a conquista dos conteúdos possíveis de
conscientização, que desaparecem nos significados psicológicos elevados que
cada qual estabelece como sua meta existencial.
Esse tentame, propõe novos
paradigmas de comportamento que surpreendem, porque o novo e desconhecido são
sempre motivo de preocupação e de mal-entendimento. Tais paradigmas, no
entanto, estão ínsitos no ser, porque são uma visão nova de perspectivas de
conduta e de aspiração de vida, interpretação diferenciada do aceito e comum,
das circunstâncias caóticas que devem ser modificadas e do esforço pessoal em
benefício do equilíbrio geral. Quando isso não ocorre, estabelece-se a neurose
moderna como a que toma conta da sociedade atual.
Esse tipo de transtorno
neurótico expressa-se como ansiedade, insatisfação, frustração, desconfiança e solidão, asfixiando os mais belos ideais da
humanidade intelectualizada, tecnologicamente rica e profundamente infeliz em
seu sentimento pessoal.
Os efeitos imediatos são as
depressões bipolares na área da afetividade, a síndrome do pânico, as fugas
hediondas pelo suicídio, pelo homicídio, as opções tormentosas pela violência,
pelo estupro, pelo esdrúxulo e primitivo no comportamento para chamar a
atenção, em face do desprezo que a sua vítima sentem por si mesmas. Ante a
impossibilidade de considerar a sua valorização pelos significados nobres,
assume as agressivas posturas que lhes atendem ao desconforto interior,
tornando-se temíveis, por saber que não são amadas, em carência profunda e em
estado de criança abandonada...
Desse modo, a busca da
individuação é também a maneira psicológica de encontrar-se o melhor meio para
o bom relacionamento com o Si-mesmo, com
o outro, com a sociedade.
Não se pode viver de maneira
saudável sem considerar-se a presença de outrem no contexto social, sendo, por
sua vez, o outro daquele...
Algo somente passa a ter
existência real na consciência quando é pela mesma detectado. Observar-se algo
ou alguém é também ser observado por esse objeto ou pessoa em observação. Nesse
momento, ocorre um relacionamento, um descobrimento do outro, a necessidade de troca
com ele, a sua convivência, que constitui a forma de cada qual existir e ter
valor no mundo.
Por isso, o isolamento, o distanciamento
da sociedade sob a justificativa de encontrar Deus e melhor serví-lO, esconde
uma alienação vinda de algum conflito forte com relação ao próximo, uma
agorafobia que pode ter razão profunda na libido atormentada, na culpa
maldisfarçada. A fuga do mundo não impede que o indivíduo se leve até onde for
procurar esconder-se.
No início da divulgação da
doutrina cristã, especialmente no século lll d.C. houve uma epidemia de eremitas, de pessoas que
buscavam a solidão, de processos autopunitivos ou de busca pela autoflagelação,
caracterizando a morbidez da cultura e o alto indicie de sofrimentos que feriam
a ética e a sociedade que se satisfazia no deboche e nos absurdos de conduta,
fugindo para a libertação dos conflitos. Infelizmente, tornaram-se mais
exemplos de inutilidade e de egoísmo do que de serviço ao bem, às propostas de
Jesus, que escolheu a convivência com os infelizes, a fim de ajudá-los a
libertar-se de si mesmos, das suas misérias, das suas dores.
Convivendo com a ralé,
manteve a sua aristocracia espiritual, demostrando o mais elevado nível de
individuação, do Self totalizado e em
integração perfeita com Deus, em nome de Quem veio para amar e ensinar a
conquista da saúde total e da felicidade às criaturas, constituindo-se o mais elevado
exemplo de vitória sobre as circunstâncias e ocorrências de quem se tem
notícias.
Seguir-Lhe o exemplo, refletir
nas Suas palavras e principalmente nos Seus exemplos, é a mais segura diretriz
para encontrar-se a individuação.
Mediante a conquista da individuação,
a fissão da psique torna-se unidade.
Texto
trabalhado com base no livro EM BUSCA DA
VERDADE, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de
Ângelis.
Postado
no dia 08/07/2014.
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