terça-feira, 18 de fevereiro de 2014


O SER HUMANO PERANTE A SUA CONSCIENCIA 

Desde que houve a fissão da psique abrindo espaço ao surgimento dos arquétipos ego e self, os degraus da consciência começaram a ensaiar o despertamento das emoções de modo variado e significado psicológico.

As manifestações iniciais do medo e da ira tornaram possível as outras expressões dos sentimentos adormecidos, propondo a continuação dos instintos de conservação e de reprodução da vida orgânica, possibilitando a superação daqueles agressivo-defensivos, ou pelo menos o seu eficaz direcionamento, escolhendo de preferencia aqueles sentimentos que proporcionam prazer e harmonia em detrimento dos que geram sofrimento e desequilíbrio...

A dor brutal do princípio começou ceder espaço para as manifestações menos grosseiras, culminando na presença dos fenômenos morais afligentes que o conhecimento deve de lenir, conforme a consciência adquira os níveis superiores a que está destinada.

No Oriente, o discernimento que possibilitou o surgimento da consciência se encontram na tradição do Bhagavad Gita, parte do Mahabarata, quando o mestre Krishna, dialogando com o discípulo Ardjuna, ajudou-o a penetrar na vida mística, especialmente na luta que deveria ser travada com destemor entre as virtudes (de pequeno número) e os vícios (muito mais numerosos), através da aplicação das forças nobres da consciência.

No Judaísmo a percepção do bem e do mal, nos livros mais antigos dos profetas, especialmente em alguns dos considerados heréticos a partir do Concilio de Nicéia, no ano 325 d.C., convocado pelo imperador Constantino. Destaca-se o Livro de Enoque, em cujas lições Jesus teria encontrado apoio para o seu ministério, e os apóstolos João, Tiago, Lucas nos Atos, e Paulo se inspiraram para desenvolver preciosas páginas que aplicaram nas suas propostas evangélicas e epistolares...

A dualidade arquetípica da sombra e da luz apresenta-se então como Satã e Cristo, o Ungido, que vem das tradições orais, detestado o primeiro pela sua perversão e maldade – o outro lado da psique, o lado que se procura ignorar -, e o Cristo - a luz da verdade, do bem, da plenitude...

No Ocidente, o pensamento socrático-platônico expressou-se da mesma maneira, apresentando a virtude como consequência dos valores morais ante os vícios que degradam, dificultando o desenvolvimento do logos interno ínsito em todos os seres humanos...

No caminhar das sucessivas reencarnações, o Espírito aperfeiçoa os valores ético-morais e intelectuais, propiciando o desenvolvimento das faculdades da beleza, da estética, da arte em diversas manifestações que facilitam a superação dos impulsos do primarismo pela sincera escolha dos sentimentos morais elevados.

Vivenciando, em cada reencarnação, uma ou várias faculdades éticas, as suas variantes enriquecidas do bem sobrepõem-se às anteriores tendências, fixando os valores espirituais que culminarão na plenitude do ser.

Esses períodos, alguns marcados por grandes turbulências emocionais, despertam a consciência do ego para o conhecimento do si-mesmo, trazendo a compreensão da finalidade da vida carnal.

A medida que supera os episódios vividos no pavor, dando lugar às manifestações da afetividade, no princípio em forma de posse e domínio, e depois em atitudes de renúncia pelo bem-estar do outro, a ampliação da consciência objetiva direciona o Espírito para as conquistas de natureza cósmica.

Nesse momento, surge o nobre sentimento da gratidão com as suas mais simples expressões de júbilo pelo que se recebe da vida, e posteriormente pela necessidade de retribuir, libertando-se da posse enfermiça e das paixões desequilibrantes, antes orquestradas pelo ego e pelo arquétipo sombra. 

Sentindo essa doce emoção de agradecer, de imediato se é impulsionado para a cooperação edificante no grupo social para melhor e mais feliz, onde a saúde real independe dos processos de desgastes pelas enfermidades ou pela senectude.

A consciência grata é risonha e saudável, predominando em qualquer idade somática do ser humano.

Comumente se encontram crianças e jovens com exuberância de saúde física, trazendo, no entanto, frieza dos sentimentos relevantes do afeto, ingratos, mudando de atitude somente quando estão em jogo os seus interesses imediatos de significado egotista. Simultaneamente se percebem os valores de enriquecimento gratulatório em anciãos e enfermos que, não obstante as circunstâncias e ocorrências orgânicas tornam-se exemplos vivos de alegria, de luminosidade, de bem-viver... Nem a aproximação da morte biológica aflige-os ou atemoriza-os, antes, pelo contrário, alegra-os em agradável anuncio de libertação que lhes proporciona a individuação antes ou depois da morte celular...

Em resumo, o sentimento de gratidão, não  deve se apresentar apenas quando tudo está bem, quando os fenômenos psicossociais, emocionais e orgânicos encontram-se em atmosfera de alegria, mas também nos momentos das adversidades. Reagir de maneira grata nos acontecimentos de qualquer tipo é normal e natural, e se assim não se age é porque se é arrogante, soberbo, vivendo em conflitos desgastantes. O desafio à gratidão ocorre nos tempos difíceis, quando surgem as adversidades que também são parte do processo desafiador da evolução, já que nem sempre os céus humanos vão estar adornados de astros, sendo todos convidados a atravessar a noite escura da alma com a luz do sentimento reconhecido a Deus pela oportunidade de experienciar novas maneiras de viver.

Normalmente, o sofrimento ceifa a gratidão e o indivíduo foge para a lamentação deplorável, para a autoacusação ou autojustificação, comparando-se com as demais pessoas que lhe parecem felizes e despida de inquietação.

De certo modo, sem as experiências dolorosas, ninguém pode avaliar as que são enriquecedoras e benignas por falta de parâmetros de avaliação. Necessário nesses momentos mais difíceis liberar-se da raiva, da mágoa, evitando a ingratidão pelos bens armazenados e pelas horas felizes anteriormente vividas, continuando a amar a vida mesmo nessas circunstâncias indispensáveis.

O mito bíblico de Jó deve fazer parte do modelo de aprendizado, por sua coragem e gratidão a Deus mesmo quando tudo lhe fora retirado: rebanhos, servos e escravos, filhos e recursos financeiros, ficando em estado lamentável, porém sem revolta.

A lenda conta que aquilo resultou da interferência de Satanás, que lhe invejando a felicidade e o amor a Deus propôs ao Criador que lhe retirasse tudo e ele se mostraria como as outras criaturas, rebelde, ingrato e desnorteado.

Aceitando o proposto, o Senhor da Vida testou o afeto de Jó, cobrindo-o de chagas e de miséria, que reagiu de maneira oposta à sombra, mantendo-se fiel em todos os momentos e grato pelas provações, apesar da revolta da sua mulher...

Apenas perguntou:

- Por que eu?

E depois de muitas reflexões felizes concluiu que não existe o bem sem o mal, a felicidade sem o sofrimento, colocando Deus – arquétipo primordial – acima de tudo e aceitando-Lhe as imposições sem revolta.

Deus então, demonstrou a Satanás que Jó lhe fora fiel no teste e devolveu-lhe tudo quanto lhe havia tirado...

Dilatando-se a consciência enobrecida pela lucidez, os arquivos do self liberam os arquétipos celestes, que procedem do primordial, e a gratidão também se torna o estado numinoso que propicia a conquista cósmica recomendada por Jesus como sendo a instalação do reino dos céus na intimidade do coração.

Trabalho baseado no livro Psicologia da Gratidão, Espírito Joanna de Ângelis Psicografia de Divaldo Franco. Postado, 18/02/2014.

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