A
IMAGINAÇÃO CRIADORA E AS TÉCNICAS TERAPÊUTICAS DE JOANNA DE ÂNGELIS
A psique é o eixo do mundo,
diz Jung, e como tal esse eixo não é apenas o que move, mas aquele que cria o
mundo e todas as formas de existência. Cada alma se envolve num circulo de
forças vivas, formando um hálito mental, integrando um todo, que cria, alimenta
e destrói formas e situações, paisagens e coisas, na estruturação de nossos
destinos.
É do conjunto de nossa
interioridade que resulta a nossa própria existência. A alma está na base de
todas as manifestações da vida. Refletimos as imagens que nos cercam e
envolvemos os outros nas imagens que criamos. Convidamos a todos para o
convívio e a intimidade com a alma, para que possamos conhecer seus processos e
buscar recursos em favor de nós mesmos.
Para termos uma ideia do
quanto a imaginação está diretamente implicada com nossa realidade física é só contatarmos
com alguma imagem de alimento, pode ser um limão ou um prato saboroso de nossa
preferencia, e basta visualizarmos alguma dessas imagens e, automaticamente,
nosso corpo responde salivando.
Joanna de Ângelis oferece vários
recursos e entendimentos sobre as possibilidades curativas da alma. Entre eles,
propõe o uso de nossa força criadora através da imaginação. Focando conscientemente
em favor de certos objetivos, a alma constrói simbolicamente recursos de cura. Antes
de apresentar essas tendências, vamos trazer alguns conceitos fundamentais para
entender esse processo, começando com o conceito de imagem.
Para Jung, em Tipos Psicológicos, a imagem é uma
expressão condensada da situação psíquica como um todo. Descobriu ele que a realidade
psíquica (esse in anima) está baseada
em imagens de fantasia, um termo que ele tirou do uso poético:
A esse in intellectu falta a realidade tangível, e a esse in re falta espírito. Ideia e coisa confluem na
psique humana que mantém o equilíbrio entre elas. Afinal o que seria da ideia
se a psique não lhe concedesse um valor vivo? E o que seria da coisa objetiva
se a psique lhe tirasse a força determinante da impressão sensível? O que é a
realidade se não for uma realidade em nós, um esse in anima? A realidade viva não é dada exclusivamente pelo
produto do comportamento real e objetivo das coisas, nem pela fórmula ideal,
mas pela combinação de ambos no processo psicológico vivo, pelo esse in anima. A psique cria a realidade
todos os dias. A única expressão que me ocorre para designar esta atividade é fantasia. (1991,p73).
Toda e qualquer função psíquica
está ligada pela fantasia, sendo a atividade criativa da psique. E toda
fantasia se manifesta em forma de imagem. Para Jung, psique e imaginação não
são duas coisas diferentes: são uma única coisa, são iguais.
Todo processo psíquico, diz
Jung, “é uma imagem e um imaginar,” Ele define o complexo como “uma coleção de
imaginações.” Ele diz que “a psique consiste essencialmente de imagens” e que “imagem
é psique.” Pg. 75
A imagem então é um conceito
mais amplo e mais abrangente do que o símbolo, pois todo símbolo se dá na
imagem e pela imagem e envolve uma tensão entre os significados ostensivamente
compatíveis, refletindo uma tensão mais profunda dentro de nós mesmos. Para Jacobi
no trabalho Complexo, Arquétipo, símbolo
na psicologia de C. G. Jung, algo psíquico só pode se tornar conteúdo consciente
quando for apresentável, ou seja, após sua apresentação que chamamos de imagem.
As imagens são o meio através do qual toda a experiência se torna possível.
Sendo a natureza humana
basicamente imaginativa, diz Avens em Imaginação
é Realidade, que nossos impulsos mais naturais são não-naturais, e aquilo
que há de mais concreto, do ponto de vista instintivo, em nossas experiências,
é imaginal. É como se a existência humana, mesmo no seu nível básico vital,
fosse uma metáfora. O lugar da alma é um mundo que, por um lado, não é nem
físico e material, por outro, nem espiritual e abstrato, ainda que ligado aos
dois. “Tendo seu próprio reino, a psique tem sua própria lógica – Psicologia –
que não é nem uma ciência das coisas físicas nem uma metafísica das coisas
espirituais”. P.47 Assim, a imaginação trabalha a autotranscendencia e a
reconciliação do Espirito com o mundo.
O adjetivo imaginal, segundo
Avens, no trabalho Imaginação é
realidade, foi proposto por Henry Corbin para indicar uma ordem de
realidade que, ontologicamente, não é menos real que a realidade física, de um
lado, e a realidade espiritual, ou intelectual, do outro. O mundo imaginal funciona
como um intermediário entre o mundo sensível e o inteligível. Avens buscando
esse universo medial concebe uma condição para essa perspectiva: a alma como
uma possibilidade imaginativa. Segundo ele, a alma não está separada do que faz
e está absolutamente no meio, como um mysterium
tremendum et fascinans que estritamente não sendo, dota tudo o mais com o
ser e sentido. A alma seria esse mundo imaginal que funciona como um intermediário
entre o mundo sensível e o mundo inteligível.
Assim, podemos afirmar:
primeiro, a alma nunca pensa sem uma imagem; segundo, toda imagem é polissêmica
e polimórfica. Viver psicologicamente significa imaginar coisas. Estar na alma
é experimentar a fantasia em todas as realidades. Para Jung no, A dinâmica do inconsciente, a alma
imaginal é a mãe de todas as
possibilidades.
A imagem não é igual a
memória (como fazem os psicanalistas), à lembrança da imagem, a um reflexo de
um objeto ou uma percepção. Imagem é uma expressão condensada da situação psíquica
como um todo. É uma expressão da situação do momento, tanto inconsciente como
consciente. Tem um lado para dentro
outro para fora.
Kant distingue dois tipos de
imaginação: reprodutiva e produtiva (ou transcendental). Também chamada a
primeira de fantasia e a segunda de imaginação criativa. A primeira é um modo
de memória, emancipada da ordem do tempo e do espaço, uma serva da percepção. A
imaginação criativa é não somente uma fonte da arte mas, também, poder vivo e o
agente principal de toda a percepção humana; dissolve, torna difusa, de
maneira a recriar e unificar. É essencialmente vital, uma maneira de descobrir
uma verdade mais profunda sobre o mundo. Profundidade, na qual o particular se
abre para o universal.
A imaginação criativa é o
limiar entre o Self e o não-Self, entre ente e matéria, entre consciente e
inconsciente. e possibilita a misteriosa habilidade de enxergar o lado interior
das coisas e de nos assegurar que há mais em nossa experiência do mundo do que percebemos.
Segundo Avens:
Quando se diz com frequência
que a imaginação é criativa, isto deveria significar que ela estabelece uma
espécie peculiar de relação entre matéria e espírito – uma relação na qual nem
a matéria nem o espírito são obliterados, mas sim unidos, fundidos em um novo
todo que produz, eternamente, novos todos, novas configurações na arte, poesia,
religião e ciência. Com o tempo devemos chegar à conclusão de que a imaginação
deve estar atuando, também na assim chamada natureza física. ( Imaginação é realidade p.36 ).
E mais além lemos: “ a
função da imaginação é tornar palpável o fato de que a matéria, em seu aspecto
subjetivo (expressivo) é espírito e o espírito, considerado objetivamente, é o
mundo material.” P.40 A imagem fica na fronteira entre o meramente subjetivo (o
interior) e o meramente objetivo (o exterior). Para Whitmont, o que chamamos de
matéria visível é apenas uma percepção simbólica, como se fosse “uma condensação
de algo descritível e funcional em
termos de imagem, tal como o modelo do átomo ou de um stratum psíquico”. No livro A
Busca do símbolo, p.15
Contrapondo uma mente
linear, focal, buscamos na imaginação uma mente não-linear, difusa e aberta
para novos sentidos. De alguma maneira, essa busca nos faz questionar a função
do homem como um animal racional. como nos apresenta Cassirer no Ensaio sobre o homem, existe ao lado de
uma linguagem conceitual, uma linguagem emocional; lado a lado com a linguagem
científica e lógica, uma linguagem da imaginação poética. Pela riqueza e
variedade das formas da vida cultural, seria melhor definir o homem, caso isso
seja realmente necessário, como um animal
symbolicum.
O sentido do símbolo para
Jung no trabalho, A dinâmica do inconsciente,
não é o de um sinal que oculta algo geralmente conhecido e reprimido, mas uma
tentativa de elucidar mediante a analogia alguma coisa ainda desconhecida e em
processo. Cada fenômeno é sempre e necessariamente uma encarnação, uma
expressão pura, mais do que uma representação. Assim, todo símbolo nunca é
inteiramente “abstrato”. Mas sempre ao mesmo tempo, também, “encarnado”.
(Jacobi, Complexo, arquétipo, símbolo na
psicologia de C.G. Jung) assim o símbolo para Jung é a melhor expressão de
algo desconhecido.
Outro aspecto que encerra o
símbolo é de sua condição como índole e retrato da energia psíquica. Citado por
Jacob no livro, Complexo, arquétipo, símbolo
na psicologia de C.G. Jung. Não no sentido de apenas expressar, mas de
mover essa energia , como um fator de resolução, de síntese entre tensões de
forças antagônicas que necessitam ser integradas e também estimuladas para
além, para um outro nível. É então espécie de instancia mediadora e
concentradora de energia, passagem de um lado para outro, de uma dimensão para
outra.
Aqui interrompo a transcrição
do texto do cap.XIII, A IMAGINAÇÃO CRIADORA E AS TÉCNICAS
TERAPEUTICAS DE JOANNA DE ÂNGELIS, escrito por Gelson L. Roberto, no livro
REFLETINDO A ALMA.
Postado dia 22/02/2014.
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