domingo, 23 de fevereiro de 2014


 

A IMAGINAÇÃO CRIADORA E AS TÉCNICAS TERAPÊUTICAS DE JOANNA DE ÂNGELIS 

A psique é o eixo do mundo, diz Jung, e como tal esse eixo não é apenas o que move, mas aquele que cria o mundo e todas as formas de existência. Cada alma se envolve num circulo de forças vivas, formando um hálito mental, integrando um todo, que cria, alimenta e destrói formas e situações, paisagens e coisas, na estruturação de nossos destinos.
É do conjunto de nossa interioridade que resulta a nossa própria existência. A alma está na base de todas as manifestações da vida. Refletimos as imagens que nos cercam e envolvemos os outros nas imagens que criamos. Convidamos a todos para o convívio e a intimidade com a alma, para que possamos conhecer seus processos e buscar recursos em favor de nós mesmos.
Para termos uma ideia do quanto a imaginação está diretamente implicada com nossa realidade física é só contatarmos com alguma imagem de alimento, pode ser um limão ou um prato saboroso de nossa preferencia, e basta visualizarmos alguma dessas imagens e, automaticamente, nosso corpo responde salivando.
Joanna de Ângelis oferece vários recursos e entendimentos sobre as possibilidades curativas da alma. Entre eles, propõe o uso de nossa força criadora através da imaginação. Focando conscientemente em favor de certos objetivos, a alma constrói simbolicamente recursos de cura. Antes de apresentar essas tendências, vamos trazer alguns conceitos fundamentais para entender esse processo, começando com o conceito de imagem.
Para Jung, em Tipos Psicológicos, a imagem é uma expressão condensada da situação psíquica como um todo. Descobriu ele que a realidade psíquica (esse in anima) está baseada em imagens de fantasia, um termo que ele tirou do uso poético: 

A esse in intellectu falta a realidade tangível, e a esse in re  falta espírito. Ideia e coisa confluem na psique humana que mantém o equilíbrio entre elas. Afinal o que seria da ideia se a psique não lhe concedesse um valor vivo? E o que seria da coisa objetiva se a psique lhe tirasse a força determinante da impressão sensível? O que é a realidade se não for uma realidade em nós, um esse in anima? A realidade viva não é dada exclusivamente pelo produto do comportamento real e objetivo das coisas, nem pela fórmula ideal, mas pela combinação de ambos no processo psicológico vivo, pelo esse in anima. A psique cria a realidade todos os dias. A única expressão que me ocorre para designar esta atividade é fantasia. (1991,p73). 

Toda e qualquer função psíquica está ligada pela fantasia, sendo a atividade criativa da psique. E toda fantasia se manifesta em forma de imagem. Para Jung, psique e imaginação não são duas coisas diferentes: são uma única coisa, são iguais.
Todo processo psíquico, diz Jung, “é uma imagem e um imaginar,” Ele define o complexo como “uma coleção de imaginações.” Ele diz que “a psique consiste essencialmente de imagens” e que “imagem é psique.” Pg. 75
A imagem então é um conceito mais amplo e mais abrangente do que o símbolo, pois todo símbolo se dá na imagem e pela imagem e envolve uma tensão entre os significados ostensivamente compatíveis, refletindo uma tensão mais profunda dentro de nós mesmos. Para Jacobi no trabalho Complexo, Arquétipo, símbolo na psicologia de C. G. Jung, algo psíquico só pode se tornar conteúdo consciente quando for apresentável, ou seja, após sua apresentação que chamamos de imagem. As imagens são o meio através do qual toda a experiência se torna possível.

Sendo a natureza humana basicamente imaginativa, diz Avens em Imaginação é Realidade, que nossos impulsos mais naturais são não-naturais, e aquilo que há de mais concreto, do ponto de vista instintivo, em nossas experiências, é imaginal. É como se a existência humana, mesmo no seu nível básico vital, fosse uma metáfora. O lugar da alma é um mundo que, por um lado, não é nem físico e material, por outro, nem espiritual e abstrato, ainda que ligado aos dois. “Tendo seu próprio reino, a psique tem sua própria lógica – Psicologia – que não é nem uma ciência das coisas físicas nem uma metafísica das coisas espirituais”. P.47 Assim, a imaginação trabalha a autotranscendencia e a reconciliação do Espirito com o mundo.
O adjetivo imaginal, segundo Avens, no trabalho Imaginação é realidade, foi proposto por Henry Corbin para indicar uma ordem de realidade que, ontologicamente, não é menos real que a realidade física, de um lado, e a realidade espiritual, ou intelectual, do outro. O mundo imaginal funciona como um intermediário entre o mundo sensível e o inteligível. Avens buscando esse universo medial concebe uma condição para essa perspectiva: a alma como uma possibilidade imaginativa. Segundo ele, a alma não está separada do que faz e está absolutamente no meio, como um mysterium tremendum et fascinans que estritamente não sendo, dota tudo o mais com o ser e sentido. A alma seria esse mundo imaginal que funciona como um intermediário entre o mundo sensível e o mundo inteligível.
Assim, podemos afirmar: primeiro, a alma nunca pensa sem uma imagem; segundo, toda imagem é polissêmica e polimórfica. Viver psicologicamente significa imaginar coisas. Estar na alma é experimentar a fantasia em todas as realidades. Para Jung no, A dinâmica do inconsciente, a alma imaginal é a mãe de todas as  possibilidades.
A imagem não é igual a memória (como fazem os psicanalistas), à lembrança da imagem, a um reflexo de um objeto ou uma percepção. Imagem é uma expressão condensada da situação psíquica como um todo. É uma expressão da situação do momento, tanto inconsciente como consciente. Tem um lado para dentro  outro para fora.
Kant distingue dois tipos de imaginação: reprodutiva e produtiva (ou transcendental). Também chamada a primeira de fantasia e a segunda de imaginação criativa. A primeira é um modo de memória, emancipada da ordem do tempo e do espaço, uma serva da percepção. A imaginação criativa é não somente uma fonte da arte mas, também, poder vivo e o agente principal de toda a percepção humana; dissolve, torna difusa,  de maneira a recriar e unificar. É essencialmente vital, uma maneira de descobrir uma verdade mais profunda sobre o mundo. Profundidade, na qual o particular se abre para o universal.
A imaginação criativa é o limiar entre o Self e o não-Self, entre ente e matéria, entre consciente e inconsciente. e possibilita a misteriosa habilidade de enxergar o lado interior das coisas e de nos assegurar que há mais em nossa experiência do mundo do que percebemos. Segundo Avens:
Quando se diz com frequência que a imaginação é criativa, isto deveria significar que ela estabelece uma espécie peculiar de relação entre matéria e espírito – uma relação na qual nem a matéria nem o espírito são obliterados, mas sim unidos, fundidos em um novo todo que produz, eternamente, novos todos, novas configurações na arte, poesia, religião e ciência. Com o tempo devemos chegar à conclusão de que a imaginação deve estar atuando, também na assim chamada natureza física. ( Imaginação é realidade p.36 ).
E mais além lemos: “ a função da imaginação é tornar palpável o fato de que a matéria, em seu aspecto subjetivo (expressivo) é espírito e o espírito, considerado objetivamente, é o mundo material.” P.40 A imagem fica na fronteira entre o meramente subjetivo (o interior) e o meramente objetivo (o exterior). Para Whitmont, o que chamamos de matéria visível é apenas uma percepção simbólica, como se fosse “uma condensação de algo  descritível e funcional em termos de imagem, tal como o modelo do átomo ou de um stratum psíquico”. No livro A Busca do símbolo, p.15  
Contrapondo uma mente linear, focal, buscamos na imaginação uma mente não-linear, difusa e aberta para novos sentidos. De alguma maneira, essa busca nos faz questionar a função do homem como um animal racional. como nos apresenta Cassirer no Ensaio sobre o homem, existe ao lado de uma linguagem conceitual, uma linguagem emocional; lado a lado com a linguagem científica e lógica, uma linguagem da imaginação poética. Pela riqueza e variedade das formas da vida cultural, seria melhor definir o homem, caso isso seja realmente necessário, como um animal symbolicum.
O sentido do símbolo para Jung no trabalho, A dinâmica do inconsciente, não é o de um sinal que oculta algo geralmente conhecido e reprimido, mas uma tentativa de elucidar mediante a analogia alguma coisa ainda desconhecida e em processo. Cada fenômeno é sempre e necessariamente uma encarnação, uma expressão pura, mais do que uma representação. Assim, todo símbolo nunca é inteiramente “abstrato”. Mas sempre ao mesmo tempo, também, “encarnado”. (Jacobi, Complexo, arquétipo, símbolo na psicologia de C.G. Jung) assim o símbolo para Jung é a melhor expressão de algo desconhecido.
Outro aspecto que encerra o símbolo é de sua condição como índole e retrato da energia psíquica. Citado por Jacob no livro, Complexo, arquétipo, símbolo na psicologia de C.G. Jung. Não no sentido de apenas expressar, mas de mover essa energia , como um fator de resolução, de síntese entre tensões de forças antagônicas que necessitam ser integradas e também estimuladas para além, para um outro nível. É então espécie de instancia mediadora e concentradora de energia, passagem de um lado para outro, de uma dimensão para outra.
Aqui interrompo a transcrição do texto do cap.XIII,  A IMAGINAÇÃO CRIADORA E AS TÉCNICAS TERAPEUTICAS DE JOANNA DE ÂNGELIS, escrito por Gelson L. Roberto, no livro REFLETINDO A ALMA.

Postado dia 22/02/2014.

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