sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014


 

A DEPRESSÃO E A AUSÊNCIA DE SENTIDO 

o homem não pode suportar uma vida sem significado”.
Jung – Face to face: BBC 

No século XX, o vazio existencial tornou-se um fator comum; o século XXI chegou e essa realidade continua a apresentar-se cada vez mais pujante. Na análise da logoterapia, por exemplo, tudo isso é decorrente da dupla perda sofrida ao longo da História da Humanidade. Perdemos alguns dos nossos instintos animais básicos, principalmente aqueles que regulam o comportamento do animal e asseguram sua existência, e também perdemos as tradições, que serviam de apoio para o nosso comportamento. O homem e a mulher do novo século não encontram, para a logoterapia, nenhum instinto que lhes diga o que devem fazer e nem tradição que direcione o que deveriam fazer; na maioria das vezes, não sabem sequer o que desejam fazer. Surge aí, para Victor Emil Franklin, no livro Em busca de Sentido, p.97, o problema do vazio: “em vez disso, ele deseja fazer o que os outros fazem (conformismo), ou ele faz o que outras pessoas querem que ele faça (totalitarismo)”.

Joanna de Ângelis no livro Amor Imbatível Amor, reforça essa tese complementando:
Diante disso, o indivíduo é obrigado a escolher, com discernimento para eleger, dando surgimento a outro tipo de instinto de sobrevivência para prosseguir lutando. Sem uma decisão clara, torna-se instrumento de outros, agindo conforme as demais pessoas, em atitude conformista, não reagindo dos impositivos do meio, perdendo-se, sem motivação, ou se deixa conduzir pelos interesses do grupo, atuando conforme o mesmo, que lhe impõe comportamentos agressivos, anulando o seu interesse e alterando o seu campo de ação”. 

Com a desvalorização das experiências objetivas, a busca pelo significado torna-se cada vez mais desprezada, e nos perguntamos se realmente necessitamos encontra-lo, mas o máximo que podemos responder é que, para vivermos bem, temos necessidade de significado, embora não saibamos dizer por quê. Vivemos numa época de paliativos crescentes. Nunca foi tão fácil decidirmos o que sentir e o que não sentir.
Mas, como uma pessoa pode chegar ao estágio de desconectar-se de sua própria essência, de não conseguir perceber que a vida tem um significado mais profundo?
Jung, em muitos dos seus relatos, associava a “neurose” à ausência de sentido, e para ele somente a experiência do “numinoso”  cessava a doença:
“Vi muitas vezes que os homens ficam neuróticos quando se contentam com respostas insuficientes ou falsas às questões da vida. Procuram situação, casamento, reputação, sucesso exterior e dinheiro; mas permanecem neuróticos e infelizes, mesmo quando atingem o que buscavam. Essas pessoas sofrem, frequentemente, de uma grande limitação do espírito. Sua vida não tem conteúdo suficiente não tem sentido. Quando pode expandir-se numa personalidade mais vasta, a neurose em geral cessa.” JUNG, Escritos Diversos. 

Ao perder o contato com sua personalidade maior, com o seu melhor, o ser despersonaliza-se e, “nesse vazio que surge, por falta de motivação real para prosseguir, foge para o alcoolismo, para as drogas, para o sexo ou tomba em depressão...” ÂNGELIS, livro Amor Imbatível Amor. 

Ao escolher não encontrar o significado e reprimir lembranças, avaliações, sentimentos, frustrações, anseios e necessidades que foram significativos, a pessoa nega a si mesma o acesso a dados de fundamental importância; toda vez que tenta pensar sobre a vida e sobre os problemas, estará condenada a lutar na escuridão – por que? Faltam-lhe algumas informações básicas, falta-lhe conhecer o caminho para o encontro consigo mesmo.
“Contudo, seja certa ou errada num dado momento da vida, nenhuma escolha pode nos prender para sempre. Quando as intimações da psique são ignoradas por muito tempo, a psique passa a retirar ainda mais libido e o indivíduo será puxado para o mundo subterrâneo. E quem não se encontrou como Dante, em algum ponto, em uma floresta escura, depois de perder o caminho? Se o sujeito não presta atenção, não faz nada para mudar suas prioridades, a depressão persistirá”. HOLLIS, em Os Pantanais da Alma. 

Na depressão, o nascer e o morrer devem ocorrer simultaneamente, pois é um momento em que se deve reavaliar o valor da vida dominante, em torno do qual a pessoa se estruturou. É a morte da velha vida e o renascimento de outra pessoa de um novo ponto de vista que transcende o ego. Joanna de Ângelis, no Amor Imbatível Amor, nos lembra que: “A busca de um sentido existencial por parte do ser humano constitui-lhe uma força inata impulsionadora para o seu progresso. Ao identifica-lo, torna-se-lhe o objetivo básico a ser conquistado, empenhando todos os recursos para a consecução da meta”.

Todo conteúdo que é marginalizado, deixado de lado, em algum momento vai cobrar seu direito à luz, e é nesse ponto que a depressão deve ser vista como uma oportunidade de crescimento, como uma possibilidade de viver um processo de individuação consciente, pleno e rico de descobertas.

Se não houver coragem para pensar sobre isso e mergulhar, com o passar do tempo as paredes começam a se mover e a fecharem-se, impedindo a expansão. É como afirma Solomon em,  O Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão, em seu relato: 

“Eu sabia que o sol estava nascendo e se pondo, mas pouco de sua luz chegava a mim. Sentia-me afundando sob algo mais forte do que eu. Primeiro não conseguia usar os tornozelos, depois não conseguia controlar os joelhos e a seguir minha cintura começou a se vergar sob o peso do esforço, e então os ombros se viraram para dentro. No final, eu estava compactado e fetal, esvaziado por essa coisa que me esmagava sem me abraçar.” 

Essa falta de luz, que São João da Cruz chamava de “noite escura da alma”, é atravessada com sucesso por quem descobre que o sentido e o propósito da vida estão além das simples satisfações do ego. Sem saber a pessoa muda o caminho e aceita o falso ouro em vez de continuar a viagem que a levaria finalmente ao verdadeiro tesouro.

A depressão, em muitos casos, é apenas a ponta de um mal e de um desafeto bem mais profundo. É um momento vivido como um ponto crítico na vida, um “chamado” para um confronto ante a morte e a vida, o falso e o verdadeiro, o momento de rever os preceitos internalizados da família de origem e a pessoa que se é destinado a ser. É o momento de escolher a qual senhor está servindo: “A Deus ou a Mamon”.

A tarefa que cabe nesse umbral particular é tomar consciência suficiente para separar o que aconteceu no passado e quem se é no presente. Reconhecer que existe uma vida e que precisa ser vivida e reparada, assim então poderá entrar em contato com a energia vital que fora isolada. Afinal, “ninguém que não possa dizer ‘Eu não sou o que me aconteceu; eu sou o que escolhi ser’, é incapaz de progredir psicologicamente”. HOLLIS, em Os Pantanais da Alma

E quem já não se sentiu incapaz de enfrentar as exigências da vida e desejou se libertar? Quem já não viu o que é familiar fugir e perdeu o rumo? E como lembra Joanna de Ângelis no Amor, Imbatível Amor, O parto que propicia a vida é também doloroso processo que faculta dilaceração”.

O importante nessa busca de significado é que, como propõe Joanna de Ângelis compreendamos que independente das dificuldades encontradas na caminhada: 

A busca do sentido da vida ultrapassa a manifestação da forma e prossegue em outras dimensões, aformoseando o ser que projeta, sim, a sua realidade para outros cometimentos existenciais futuros, outros desafios humanos, superando-se através das conquistas armazenadas, direcionando-se para a integração na harmonia da Consciência Cósmica, livre de retentivas com a retaguarda, desembaraçado de aflições, porque superadas, e aberto a novas expressões sempre portadoras da peregrina luz da sabedoria”.

Texto de Iris Sinoti no livro Refletindo a Alma

Postado dia 07/02/14.

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