A
DEPRESSÃO E A AUSÊNCIA DE SENTIDO
“o homem não pode suportar uma vida sem
significado”.
Jung – Face to face: BBC
No século XX, o vazio
existencial tornou-se um fator comum; o século XXI chegou e essa realidade
continua a apresentar-se cada vez mais pujante. Na análise da logoterapia, por
exemplo, tudo isso é decorrente da dupla perda sofrida ao longo da História da
Humanidade. Perdemos alguns dos nossos instintos animais básicos,
principalmente aqueles que regulam o comportamento do animal e asseguram sua existência,
e também perdemos as tradições, que serviam de apoio para o nosso
comportamento. O homem e a mulher do novo século não encontram, para a
logoterapia, nenhum instinto que lhes diga o que devem fazer e nem tradição que
direcione o que deveriam fazer; na maioria das vezes, não sabem sequer o que
desejam fazer. Surge aí, para Victor Emil Franklin, no livro Em busca de Sentido, p.97, o problema
do vazio: “em vez disso, ele deseja fazer
o que os outros fazem (conformismo), ou ele faz o que outras pessoas querem que
ele faça (totalitarismo)”.
Joanna de Ângelis no livro Amor Imbatível Amor, reforça essa tese
complementando:
“Diante disso, o indivíduo é obrigado a escolher, com discernimento para
eleger, dando surgimento a outro tipo de instinto de sobrevivência para
prosseguir lutando. Sem uma decisão clara, torna-se instrumento de outros,
agindo conforme as demais pessoas, em atitude conformista, não reagindo dos
impositivos do meio, perdendo-se, sem motivação, ou se deixa conduzir pelos
interesses do grupo, atuando conforme o mesmo, que lhe impõe comportamentos
agressivos, anulando o seu interesse e alterando o seu campo de ação”.
Com a desvalorização das
experiências objetivas, a busca pelo significado torna-se cada vez mais
desprezada, e nos perguntamos se realmente necessitamos encontra-lo, mas o
máximo que podemos responder é que, para vivermos bem, temos necessidade de
significado, embora não saibamos dizer por quê. Vivemos numa época de
paliativos crescentes. Nunca foi tão fácil decidirmos o que sentir e o que não
sentir.
Mas, como uma pessoa pode
chegar ao estágio de desconectar-se de sua própria essência, de não conseguir
perceber que a vida tem um significado mais profundo?
Jung, em muitos dos seus
relatos, associava a “neurose” à ausência de sentido, e para ele somente a experiência
do “numinoso” cessava a doença:
“Vi muitas vezes que os
homens ficam neuróticos quando se contentam com respostas insuficientes ou
falsas às questões da vida. Procuram situação, casamento, reputação, sucesso
exterior e dinheiro; mas permanecem neuróticos e infelizes, mesmo quando
atingem o que buscavam. Essas pessoas sofrem, frequentemente, de uma grande
limitação do espírito. Sua vida não tem conteúdo suficiente não tem sentido.
Quando pode expandir-se numa personalidade mais vasta, a neurose em geral
cessa.” JUNG, Escritos Diversos.
Ao perder o contato com sua
personalidade maior, com o seu melhor, o ser despersonaliza-se e, “nesse vazio que surge, por falta de
motivação real para prosseguir, foge para o alcoolismo, para as drogas, para o
sexo ou tomba em depressão...” ÂNGELIS, livro Amor Imbatível Amor.
Ao escolher não encontrar o
significado e reprimir lembranças, avaliações, sentimentos, frustrações,
anseios e necessidades que foram significativos, a pessoa nega a si mesma o
acesso a dados de fundamental importância; toda vez que tenta pensar sobre a
vida e sobre os problemas, estará condenada a lutar na escuridão – por que?
Faltam-lhe algumas informações básicas, falta-lhe conhecer o caminho para o
encontro consigo mesmo.
“Contudo, seja certa ou
errada num dado momento da vida, nenhuma escolha pode nos prender para sempre.
Quando as intimações da psique são ignoradas por muito tempo, a psique passa a
retirar ainda mais libido e o indivíduo será puxado para o mundo subterrâneo. E
quem não se encontrou como Dante, em algum ponto, em uma floresta escura,
depois de perder o caminho? Se o sujeito não presta atenção, não faz nada para
mudar suas prioridades, a depressão persistirá”. HOLLIS, em Os Pantanais da Alma.
Na depressão, o nascer e o
morrer devem ocorrer simultaneamente, pois é um momento em que se deve
reavaliar o valor da vida dominante, em torno do qual a pessoa se estruturou. É
a morte da velha vida e o renascimento de outra pessoa de um novo ponto de
vista que transcende o ego. Joanna de Ângelis, no Amor Imbatível Amor, nos lembra que: “A busca de um sentido existencial por parte do ser humano constitui-lhe
uma força inata impulsionadora para o seu progresso. Ao identifica-lo,
torna-se-lhe o objetivo básico a ser conquistado, empenhando todos os recursos
para a consecução da meta”.
Todo conteúdo que é
marginalizado, deixado de lado, em algum momento vai cobrar seu direito à luz,
e é nesse ponto que a depressão deve ser vista como uma oportunidade de
crescimento, como uma possibilidade de viver um processo de individuação
consciente, pleno e rico de descobertas.
Se não houver coragem para
pensar sobre isso e mergulhar, com o passar do tempo as paredes começam a se
mover e a fecharem-se, impedindo a expansão. É como afirma Solomon em, O
Demônio do Meio-Dia: Uma Anatomia da Depressão, em seu relato:
“Eu sabia que o sol estava
nascendo e se pondo, mas pouco de sua luz chegava a mim. Sentia-me afundando
sob algo mais forte do que eu. Primeiro não conseguia usar os tornozelos,
depois não conseguia controlar os joelhos e a seguir minha cintura começou a se
vergar sob o peso do esforço, e então os ombros se viraram para dentro. No final,
eu estava compactado e fetal, esvaziado por essa coisa que me esmagava sem me
abraçar.”
Essa falta de luz, que São
João da Cruz chamava de “noite escura da alma”, é atravessada com sucesso por
quem descobre que o sentido e o propósito da vida estão além das simples
satisfações do ego. Sem saber a pessoa muda o caminho e aceita o falso ouro em
vez de continuar a viagem que a levaria finalmente ao verdadeiro tesouro.
A depressão, em muitos
casos, é apenas a ponta de um mal e de um desafeto bem mais profundo. É um
momento vivido como um ponto crítico na vida, um “chamado” para um confronto ante
a morte e a vida, o falso e o verdadeiro, o momento de rever os preceitos
internalizados da família de origem e a pessoa que se é destinado a ser. É o
momento de escolher a qual senhor está servindo: “A Deus ou a Mamon”.
A tarefa que cabe nesse
umbral particular é tomar consciência suficiente para separar o que aconteceu
no passado e quem se é no presente. Reconhecer que existe uma vida e que
precisa ser vivida e reparada, assim então poderá entrar em contato com a
energia vital que fora isolada. Afinal, “ninguém que não possa dizer ‘Eu não
sou o que me aconteceu; eu sou o que escolhi ser’, é incapaz de progredir
psicologicamente”. HOLLIS, em Os
Pantanais da Alma
E quem já não se sentiu
incapaz de enfrentar as exigências da vida e desejou se libertar? Quem já não
viu o que é familiar fugir e perdeu o rumo? E como lembra Joanna de Ângelis no Amor, Imbatível Amor, “O parto que propicia a vida é também
doloroso processo que faculta dilaceração”.
O importante nessa busca de
significado é que, como propõe Joanna de Ângelis compreendamos que independente
das dificuldades encontradas na caminhada:
“A busca do sentido da vida ultrapassa a manifestação da forma e
prossegue em outras dimensões, aformoseando o ser que projeta, sim, a sua
realidade para outros cometimentos existenciais futuros, outros desafios
humanos, superando-se através das conquistas armazenadas, direcionando-se para
a integração na harmonia da Consciência Cósmica, livre de retentivas com a
retaguarda, desembaraçado de aflições, porque superadas, e aberto a novas
expressões sempre portadoras da peregrina luz da sabedoria”.
Texto de Iris Sinoti no
livro Refletindo a Alma
Postado dia 07/02/14.
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