sexta-feira, 3 de abril de 2015


 

Um país longínquo

um país longínquo onde a vida estua e começa, possibilitando o processo de crescimento espiritual, nas sucessivas reencarnações. Mesmo quando o viajante se encontra na terra, por não se conhecer, ainda não havendo identificado as províncias emocionais por onde pode passar com segurança ou não, permite-se identificar pelas expressões mais grosseiras das necessidades fisiológicas, das sensações orgânicas, do imediato que lhe toca os sentidos.

Periodicamente, fascinado pelo brilho  das ilusões, relaciona todos os haveres que estão ao seu alcance, mas que não lhe pertencem, e pede ao Pai que lhe permita usufruí-lo à saciedade, fugindo de casa, da segurança do lugar em que se encontra, para tentar ser feliz, conforme o seu padrão mentiroso.

Herdeiro da inteligência e do sentimento, das tendências artísticas e culturais a que não dá valor, porque lhe exigem sacrifícios e desafios contínuos, reúne os tesouros da sensualidade, das ambições desmedidas, dos jogos dos sentidos primários, do acúmulo das forças juvenis e parte para outra região onde pode refestelar-se no prazer irresponsável, esquecidos dos compromissos com a vida.

Esgota-se, junto aos seus demônios internos e anseios desregrados, até que surge a fome, por escassear os meios de continuar na loucura, e acaba  encontrando companhias nas pocilgas dos vícios mais perversos, alimentando-se dos miasmas e excentricidades que lhe chegam em decorrência do abandono dos parceiros emocionais...

Momento em que tem um insight e dá-se conta de que não é aquilo, somente se encontra daquela forma, que não necessita de chafurdar mais fundo no chavascal da vergonha e do desdouro moral, quando tem um Pai generoso que trata bem aos que lhes servem, e pensa em voltar, pedir perdão, demonstrar o sofrimento que experimenta, a necessidade de recomeço, a submissão aos seus nobres deveres.

No processo da evolução, não são poucos os indivíduos que procedem de maneira diversa. No inicio querem a independência, sem nem saber do que se trata, que buscam a liberdade que confundem com libertinagem, que anseiam o prazer, que pensam derivar-se do poder, mergulhando em aventuras doentias e perturbadoras, e amadurecem psicologicamente no sofrimento.

Abrem espaço à provações severas, como os metais que precisam do aquecimento para se tornarem plasmáveis e aceitarem as imposições dos artífices, vivendo um período angustiante, para só aí pensarem em voltar para casa.

Lembram-se que, na província de onde vieram, havia alegria, diferente, é certo, mas júbilo, e querem fruí-lo, como é natural. Enquanto no gozo desgastante, desperdiçando a herança que conduziam tudo é frustrante, o desespero é crescente, as perspectivas são negativas, o que os leva a uma nova tomada de decisão. Que é o retorno à casa, às raízes, para recomeçar e renovar-se.

As províncias do coração humano são muitas e quase sempre estão sombrias, marcadas pelo desconhecido, pelo não vivenciado, que favorecem as fantasias apenas do prazer e do gozo.

Toda província, melhor, ou pior, tem paisagens diferentes, esperando a contribuição dos que as habitam. Em umas é preciso retirar o lodo acumulado, cavando valas para escoar a podridão, noutras, alargam-se os horizontes para que a beleza e a estesia brilhe mais.

Esse país longínquo visto desde o mundo causal pode ser a Terra, para onde vêm os Espíritos com os bens herdados do Pai, para desenvolverem os mecanismos da evolução e aplicarem os recursos de que são portadores, o que nem sempre ocorre de forma favorável aos que o alcançam.

Pode ser o mundo espiritual onde se inicia a experiência evolutiva e se dispõe de recursos inapreciados para serem desenvolvidos pelos esforços empregados, ocorrendo que, nas primeiras tentativas, o esquecimento momentâneo da responsabilidade e os demônios internos que são sustentados pelas paixões primeiras, estimulam o desperdício dos bens preciosos. Saúde, pureza de sentimentos, alegria espontânea são custo, da contaminação dos fatores dissolventes do novo país, pois, na volta para casa eles serão de altíssimo significado, evitando desastres emocionais e afetivos.

Analisando-se o núcleo arquetípico do ego, vê-se que ele não se modifica de um para outro momento, desde o momento da viagem ao país longínquo, predominando as tendências ancestrais que o dirigem para os interesses imediatistas, as conveniências, sem abrir espaço ao si-mesmo  que ambiciona o infinito.

Essa consciência do ego – a superfície da psique – sofre colisões contínuas vindas das emoções habituais e das aspirações de libertação, auxiliando no seu desenvolvimento, alterando-lhe a estrutura e abrindo-lhe campo para realizações mais amplas.

Os problemas afligentes, que se podem apresentar como várias enfermidades, conflitos, à medida que ocorrem as colisões operam despertamentos e surgem oportunidades de mais acuradas reflexões, insights importantes, que irão trabalhar pelo amadurecimento do Self, viajante incansável da evolução...

O animal humano sexuado vitima da pulsão dominante, não lhe é escravo exclusivo, já que outras pulsões apresentam-se-lhe com fortes imposições não podendo ser desconsideradas.

Desde a pulsão da fome até o idealismo mais elevado, trabalham pela transformação das forças da libido em outras satisfações também plenificadoras que impulsionam para a saúde e o bem-estar

A pulsão do Filho Pródigo entregando-se ao sexo desvairado, na fase da deserção da casa paterna – o santuário do equilíbrio, o Éden da inocência  - empurrou-o para o conflito a culpa, o sofrimento e a amargura, descobrindo que o desejo sexual por mais acentuado, quase sempre quando atendido não traz a compensação esperada, produzindo frustração e ansiedade.

A ansiedade leva ao desespero, e a perda do discernimento desenvolve       transtornos de conduta que se agravam.

Raramente, nesse quadro, o ego desperta para perceber-se equivocado e buscar a volta para casa.

No conceito de que o ego é o centro da consciência, devem ser trabalhadas todas as suas manifestações, para que  valorize os bens de que dispõe, não os desperdiçando com as meretrizes nem os companheiros de orgia, esses elfos que permanecem como realidades arquetípicas no inconsciente, conduzindo-o a repetição das experiências malogradas.

Há um país longínquo a ser conquistado pelo ego, simbolizado pela conduta correta, pela consciência liberada dos conflitos.

A existência corporal é sempre um mecanismo de distrações da consciência profunda do si-mesmo, que, embora superficial, exerce uma predominância na escolha dos comportamentos humanos.

Se alguém se coloca como o irmão mais velho da parábola, valerá o esforço de considerar que o outro, seu irmão, não foi feliz na tentativa de ir para o país longínquo, mais teve a coragem de voltar a casa, embora maltrapilho, esfaimado e arrependido.

A pulsão da fome é forte em todos os seres vivos, porque nela estão os recursos para a permanência, a continuidade da vida, o equilíbrio da saúde...

A sombra do que ficou aturde-o, torna-o irascível, em mecanismo de preservação da sua sobrevivência que situa nas posses que o pai lhe legou desde antes da morte, ficando, morto psicologicamente para muitos valores mesmo durante a vilegiatura do pai.

Naquele momento, quando o irmão volta, a sua morte não lhe permite a lucidez para compreender que ele também tem estado em um país longínquo, onde residem a indiferença, a ambição, a cupidez e o egoísmo.

As mudanças arquetípicas do ego ocorrem nas fases da infância para a juventude, dessa para a idade adulta, e daí para a senectude, quando o Self, amadurecido, deve comandar o conjunto eletrônico delicado que é o ser humano.

Isso, acontece quando os indivíduos estão dispostos a despertar para a realidade, superando a sombra ao invés de cultivá-la.

Não serão essas fases, cada período, também um país psicológico longínquo do outro, que deve ser conquistado a esforço e tenacidade da vontade?

A vontade é um impulso que nasce da razão e se transforma em força que deve ser direcionada de maneira adequada para resultados relevantes de dignidade e de crescimento intelecto moral no processo dos valores da vida terrestre.

É, a vontade bem dirigida que vai impulsionar o ego a vencer cada fase, deixando-a à margem após transpô-la, para que não se revele noutro período.

Por faltar o esforço encontramos indivíduos adultos vivendo o período arquetípico da infância, ou na idade avançada com aspirações de adulto, quando o organismo já não dispõe das forças naturais para esse tipo de comportamento.

Como o processo de vida é um fenômeno entrópico, ele se desenvolve graças ao desgaste da energia, e por isso, cada período estará nutrido pelas forças hábeis e correspondentes à sua fase.

Mantendo-se o ego em harmonia com o Self, equilibra-se o eixo que os liga, e a sombra cede espaço ao discernimento, liberando toda a energia para o processo de individuação que deve ser a grande meta.

Há quem pense que a fuga do Filho Pródigo tem um significado arquetípico, referente ao estoicismo, à coragem de buscar-se, de realizar o encontro, de descobrir-se interiormente, de conquistar o Self.

Concordamos, com a tese, lamentando  o processo da ingratidão, da perda do sentido existencial no abandono ao Pai, naturalmente rompendo o cordão umbilical, num momento em que ainda não tenha a maturidade para os autoenfrentamentos, resultando a tentativa no retorno à casa de segurança, à proteção do genitor.

A conquista do si-mesmo há de ser feita em atitude interior para superar os impositivos da sombra egoísta e perversa, que seduz e ilude, dando imagens equivocadas da realidade e negando a possibilidade de libertação.

Na proposta de progressão junguiana, é necessário o bom encaminhamento da energia da libido, canalizando-a para uma  compreensão melhor da vida humana e da sua aplicação na conquista dos recursos que a edificam. Quando ela é interrompida, dá um choque, seja a perda dos interesses libertadores, passando a uma fase de regressão e perdendo-se no inconsciente, desenvolvendo complexos e conflitos perturbadores.

A psicoterapia em geral e a espírita em particular, libertando o indivíduo das amarras do erro e dos enganos, estimula-o à autossuperação das deficiências através do esforço da vontade e da contribuição da libido, agora dirigida para fins nobres, sem sofrimentos nem ansiedades de sublimação, apenas aplicando de forma saudável.

Assim, encontra-se o caminho da ida segura ou da volta razoável ao país longínquo, que pode estar no inconsciente como meta existencial a conquistar.

Trabalho executado do livro Em Busca da Verdade; Joanna de Ângelis psicografia de Divaldo Franco. Dia 03/04/2015.

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