Um
país longínquo
Há
um país longínquo onde a vida estua e
começa, possibilitando o processo de crescimento espiritual, nas sucessivas
reencarnações. Mesmo quando o viajante se encontra na terra, por não se conhecer, ainda não havendo
identificado as províncias emocionais por onde pode passar com segurança ou
não, permite-se identificar pelas
expressões mais grosseiras das necessidades fisiológicas, das sensações
orgânicas, do imediato que lhe toca os sentidos.
Periodicamente, fascinado
pelo brilho das ilusões, relaciona todos
os haveres que estão ao seu alcance, mas que não lhe pertencem, e pede ao Pai que lhe permita usufruí-lo à
saciedade, fugindo de casa, da segurança do lugar em que se encontra, para
tentar ser feliz, conforme o seu padrão mentiroso.
Herdeiro
da inteligência e do sentimento, das tendências artísticas e culturais a que não
dá valor, porque lhe exigem sacrifícios e desafios contínuos,
reúne os tesouros da sensualidade, das ambições desmedidas, dos jogos dos
sentidos primários, do acúmulo das forças juvenis e parte para outra região
onde pode refestelar-se no prazer irresponsável, esquecidos dos compromissos com a vida.
Esgota-se,
junto aos seus demônios internos e anseios desregrados,
até que surge a fome, por escassear
os meios de continuar na loucura, e acaba
encontrando companhias nas pocilgas dos vícios mais perversos,
alimentando-se dos miasmas e excentricidades que lhe chegam em decorrência do
abandono dos parceiros emocionais...
Momento
em que tem um insight e dá-se conta
de que não é aquilo, somente se encontra daquela forma, que não
necessita de chafurdar mais fundo no chavascal da vergonha e do desdouro moral,
quando tem um Pai generoso que trata
bem aos que lhes servem, e pensa em voltar, pedir perdão, demonstrar o
sofrimento que experimenta, a necessidade de recomeço, a submissão aos seus
nobres deveres.
No processo da evolução, não
são poucos os indivíduos que procedem de maneira diversa. No inicio querem a
independência, sem nem saber do que se trata, que buscam a liberdade que
confundem com libertinagem, que anseiam o prazer, que pensam derivar-se do
poder, mergulhando em aventuras doentias e perturbadoras, e amadurecem
psicologicamente no sofrimento.
Abrem espaço à provações
severas, como os metais que precisam do aquecimento para se tornarem plasmáveis
e aceitarem as imposições dos artífices, vivendo um período angustiante, para só
aí pensarem em voltar para casa.
Lembram-se que, na província
de onde vieram, havia alegria, diferente, é certo, mas júbilo, e querem
fruí-lo, como é natural. Enquanto no
gozo desgastante, desperdiçando a herança
que conduziam tudo é frustrante, o desespero é crescente, as perspectivas
são negativas, o que os leva a uma nova tomada de decisão. Que é o retorno à
casa, às raízes, para recomeçar e renovar-se.
As províncias do coração
humano são muitas e quase sempre estão sombrias,
marcadas pelo desconhecido, pelo não vivenciado, que favorecem as fantasias
apenas do prazer e do gozo.
Toda
província, melhor, ou pior, tem paisagens diferentes, esperando
a contribuição dos que as habitam. Em umas é preciso retirar o lodo acumulado,
cavando valas para escoar a podridão, noutras, alargam-se os horizontes para
que a beleza e a estesia brilhe mais.
Esse
país longínquo visto desde o mundo
causal pode ser a Terra, para onde vêm os Espíritos com os bens
herdados do Pai, para desenvolverem os mecanismos da evolução e aplicarem os
recursos de que são portadores, o que nem sempre ocorre de forma favorável aos
que o alcançam.
Pode
ser o mundo espiritual onde se inicia a experiência evolutiva e se dispõe de
recursos inapreciados para serem desenvolvidos pelos esforços
empregados, ocorrendo que, nas primeiras tentativas, o esquecimento momentâneo
da responsabilidade e os demônios internos
que são sustentados pelas paixões primeiras, estimulam o desperdício dos bens preciosos. Saúde, pureza de sentimentos, alegria
espontânea são custo, da contaminação dos fatores dissolventes do novo país, pois, na volta para casa eles serão de altíssimo significado,
evitando desastres emocionais e afetivos.
Analisando-se
o núcleo arquetípico do ego, vê-se que ele não se
modifica de um para outro momento, desde o momento da viagem ao país longínquo, predominando as
tendências ancestrais que o dirigem para
os interesses imediatistas, as conveniências, sem abrir espaço ao si-mesmo que ambiciona o infinito.
Essa
consciência do ego – a superfície da psique –
sofre colisões contínuas vindas das
emoções habituais e das aspirações de libertação, auxiliando no seu desenvolvimento, alterando-lhe a estrutura e abrindo-lhe
campo para realizações mais amplas.
Os
problemas afligentes, que se podem apresentar como várias
enfermidades, conflitos, à medida que ocorrem as colisões operam despertamentos e surgem oportunidades de mais
acuradas reflexões, insights importantes,
que irão trabalhar pelo amadurecimento
do Self, viajante incansável da
evolução...
O animal humano sexuado
vitima da pulsão dominante, não lhe é escravo exclusivo, já que
outras pulsões apresentam-se-lhe com fortes imposições não podendo ser
desconsideradas.
Desde
a pulsão da fome até o idealismo mais elevado,
trabalham pela transformação das forças da libido em outras satisfações também
plenificadoras que impulsionam para a saúde e o bem-estar
A
pulsão do Filho Pródigo entregando-se
ao sexo desvairado, na fase da deserção da casa paterna – o
santuário do equilíbrio, o Éden da inocência
- empurrou-o para o conflito a culpa, o sofrimento e a amargura,
descobrindo que o desejo sexual por mais acentuado, quase sempre quando
atendido não traz a compensação esperada, produzindo frustração e ansiedade.
A ansiedade leva ao desespero, e a perda do discernimento
desenvolve transtornos de conduta que se agravam.
Raramente,
nesse quadro, o ego desperta para perceber-se equivocado
e buscar a volta para casa.
No
conceito de que o ego é o centro da
consciência, devem ser trabalhadas todas as suas
manifestações, para que valorize os bens
de que dispõe, não os desperdiçando com as meretrizes
nem os companheiros de orgia, esses elfos
que permanecem como realidades arquetípicas no inconsciente, conduzindo-o a repetição das experiências
malogradas.
Há
um país longínquo a ser conquistado
pelo ego, simbolizado pela conduta
correta, pela consciência liberada dos conflitos.
A
existência corporal é sempre um mecanismo de distrações da consciência profunda
do si-mesmo, que, embora superficial,
exerce uma predominância na escolha dos comportamentos humanos.
Se alguém se coloca como o irmão mais velho da parábola,
valerá o esforço de considerar que o outro, seu irmão, não foi feliz na
tentativa de ir para o país longínquo, mais
teve a coragem de voltar a casa, embora
maltrapilho, esfaimado e arrependido.
A
pulsão da fome é forte em todos os seres vivos, porque nela estão
os recursos para a permanência, a continuidade da vida, o equilíbrio da
saúde...
A sombra do que
ficou aturde-o, torna-o irascível, em mecanismo de preservação da sua sobrevivência
que situa nas posses que o pai lhe legou desde antes da morte, ficando, morto psicologicamente para muitos
valores mesmo durante a vilegiatura do pai.
Naquele momento, quando o irmão volta, a sua morte não lhe permite a lucidez para
compreender que ele também tem estado em um
país longínquo, onde residem a
indiferença, a ambição, a cupidez e o egoísmo.
As mudanças arquetípicas do ego ocorrem nas fases da infância para a juventude, dessa para a
idade adulta, e daí para a senectude, quando
o Self, amadurecido, deve comandar o
conjunto eletrônico delicado que é o ser humano.
Isso, acontece quando os indivíduos estão dispostos a
despertar para a realidade, superando a sombra ao invés de cultivá-la.
Não serão essas fases, cada período, também um país psicológico longínquo do outro, que deve ser conquistado a esforço e tenacidade
da vontade?
A
vontade é um impulso que nasce da razão e se transforma em força que
deve ser direcionada de maneira adequada para resultados relevantes de
dignidade e de crescimento intelecto moral no processo dos valores da vida
terrestre.
É, a vontade bem
dirigida que vai impulsionar o ego a vencer cada fase, deixando-a à margem
após transpô-la, para que não se revele noutro período.
Por faltar o esforço encontramos indivíduos adultos
vivendo o período arquetípico da infância, ou na idade avançada com aspirações
de adulto, quando o organismo já não dispõe das forças naturais para esse tipo
de comportamento.
Como o processo de vida é um fenômeno entrópico, ele se desenvolve graças ao desgaste da energia,
e por isso, cada período estará nutrido pelas forças hábeis e correspondentes à
sua fase.
Mantendo-se o ego em harmonia com o Self, equilibra-se o eixo que os liga, e a sombra cede espaço ao
discernimento, liberando toda a energia para o processo de individuação que deve ser a grande meta.
Há quem pense que a fuga do Filho Pródigo tem um significado arquetípico, referente ao
estoicismo, à coragem de buscar-se, de realizar o encontro, de descobrir-se
interiormente, de conquistar o Self.
Concordamos, com a tese, lamentando o
processo da ingratidão, da perda do sentido existencial no abandono ao Pai,
naturalmente rompendo o cordão umbilical, num momento em que ainda não tenha a
maturidade para os autoenfrentamentos, resultando a tentativa no retorno à casa
de segurança, à proteção do genitor.
A
conquista do si-mesmo há de ser feita em atitude
interior para superar os impositivos da sombra egoísta e perversa, que seduz
e ilude, dando imagens equivocadas da realidade e negando a possibilidade de
libertação.
Na
proposta de progressão junguiana, é
necessário o bom encaminhamento da
energia da libido, canalizando-a para uma
compreensão melhor da vida humana e da sua aplicação na conquista dos recursos
que a edificam. Quando ela é interrompida, dá um choque, seja a perda dos
interesses libertadores, passando a uma fase de regressão e perdendo-se no
inconsciente, desenvolvendo complexos e conflitos perturbadores.
A
psicoterapia em geral e a espírita em particular, libertando
o indivíduo das amarras do erro e dos enganos, estimula-o à autossuperação das
deficiências através do esforço da vontade e da contribuição da libido, agora
dirigida para fins nobres, sem sofrimentos nem ansiedades de sublimação, apenas
aplicando de forma saudável.
Assim, encontra-se
o caminho da ida segura ou da volta razoável ao país longínquo, que pode estar no inconsciente como meta
existencial a conquistar.
Trabalho executado do livro Em Busca da Verdade; Joanna
de Ângelis psicografia de Divaldo Franco. Dia 03/04/2015.
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