quinta-feira, 23 de abril de 2015

Perder-se e achar-se
O herói adormecido deve ir adiante, buscar a sua identidade, sair da proteção do Pai misericordioso, para viver as próprias experiências. Embora não precise utilizar a forma que o filho pródigo utilizou, e sim fazer uma escolha decorrente da sua maturidade.
Quando se rompem os primeiros laços entre filho e a mãe a criança começa a dizer não. A sua personalidade vai se formando, nasce a sua identidade que necessita de independência para o amadurecimento, para o enfrentar os próprios desafios.
O vínculo com o Pai, especialmente no sexo masculino, pode durar muito tempo como submissão, medo, interesse pela herança, falta de iniciativa para as próprias necessidades que tem sido suprida sem esforço de sua parte. Transferindo a responsabilidade dos seus atos ao Pai, o filho não cresce psicologicamente, mantendo uma forma de paraíso infantil, onde se sente bem, embora não realizado.
A experiência libertadora é essencial ao crescimento interior e pessoal, podendo ser realizada, sem traumas, sem culpas, sem danos.
Muitas vezes, nessa aventura de autoidentificação ocorre o perder-se, para mais tarde achar-se.
A sombra em forma do eu-demônio apressa-se para que ocorra a ruptura, e o eu-angélico aturde-se e introjeta a culpa, que ressumará (se fará presente) do inconsciente quando o indivíduo perceber-se perdido e sofrido.
Normalmente ocorrem desenvolvimentos espontâneos e superiores na psique, quando chega a idade adulta, porém, nela existem fatores de compressão e de regressão vigorosos, demonstrando o erro em que se encontra, abrindo espaço para as reflexões mais sérias libertas do ego, possibilitando a correção do erro, sem perda das qualidades morais conquistadas. Ao contrario, graças a esses valores de enriquecimento interior, que ajudam no discernimento, que proporcionam o crescimento e contribuem com as forças necessárias para a reabilitação.
Amadurecido pela dor redescobre que tem um Pai misericordioso, que nem mesmo o censurou quando partiu ou dificultou a sua viagem, mas que, com certeza o espera na sua afeição não ultrajada.
Essa conquista da consciência do si-mesmo é a chave mágica para a decisão de voltar para casa, de retornar às experiências de identificação com a vida. Não se trata de uma volta à inocência, agora  transformada em conhecimentos diversos, em sofrimentos dignificadores, em discernimento entre raga (a paixão, a ilusão) e a realidade.
Não bastam ser trabalhados o ego e a persona, fortalecidos e construídos muitas vezes pelas experiências existenciais, mas principalmente o Self consciente. Na meia-idade essa reflexão é inevitável. Porem, o mesmo fenômeno também ocorre, na juventude, após alguns traumas e frustrações, desencantos e dissabores diante da realidade da vida.
Foi o que pensou e fez o Filho pródigo, no inferno em que se encontrava. Ele sabia onde estava o paraíso e necessitava de um estímulo que lhe surgiu como fome e humilhação, com a consequente possibilidade de morte.
Tendo perdido a própria identidade, todos os valores que lhe constituíam a raça, suas heranças, seus prejuízos e suas conquistas, ao trabalhar com porcos – animais imundos na sua crença – em servir a um pagão, pecando contra a fé religiosa – o seu Deus – a mais vergonhosa derrota havia sido essa, de natureza moral, cujos fatores de perturbação surgiam-lhe como desonra, descrédito, abandono, miséria física e econômica, consequentes daquela de natureza espiritual.
No processo de aquisição da consciência, por desconhecimento da realidade, por presunção e vaidade, muitos perdem-se e caminham imaturos no prazer, gastando a juventude e os tesouros que lhe são pertinentes, até o momento em que surge uma seca, faltam as energias para continuar e o indivíduo cai em si, avaliando tudo que tinha e que não mais dispõe, sabendo que na terra longínqua onde vivia, tudo é abundância.
Não aspira mais conquistar o que perdeu, pois há recursos que não retornam: energia, juventude, pureza de sentimentos, mas outros podem ser restaurados: dignidade, trabalho, renovação, novos conquistas.
No caso presente, servia ao Filho pródigo um lugar entre os trabalhadores, mas ele foi restaurado pelo pai que o reabilitou, que o vestiu e calçou com nobreza, que lhe pôs o anel de distinção e de união.
Tudo porque ele estava perdido e foi encontrado, estava morto e vivia.
Podemos considerar esse fato, como o do amor de Deus, em relação às suas criaturas, Seus filhos rebeldes que Lhe abandonam a casa paterna e fogem para o país longínquo da loucura e da ingratidão, entregando-se à ilusão com total esquecimento da sua origem divina, dissipando as forças elevadas que lhe são concedidas para o desenvolvimento espiritual, moral e intelectual, entregando-se ao servilismo com os animais imundos as paixões primitivas – disputando  as bolotas – insistindo no primarismo ancestral – por encontrar-se perdido, mas com possibilidades de autoencontrar-se .
Fazendo parte da trilogia dos perdidos – a ovelha, a dracma e o filho pródigo – essa parábola também é membro da tríade do encontro, da esperança, da misericórdia, do júbilo.
Achar-se é muito mais importante do que achar.
Acham-se coisas, animais e pessoas perdidas, porém, achar-se, quando se está perdido em si mesmo e não no espaço-tempo, é de importância psicológica, de verdadeira cura, de reabilitação, de autoencontro, de amadurecimento para o estado numinoso.
É necessária, nesse momento, a ímago Dei na consciência como parâmetro para sair-se do ego  extravagante e ditador, recordando-se do Pai misericordioso que sempre aguarda e que, reencontrando o que estava perdido, rejubila-se, propõe e executa uma festa, mantendo a união que fora arrebatada quando o irresponsável fugiu para longe...
A persona está sempre mudando no processo existencial porque resulta das aquisições psicológicas e morais, embora o ego se demore na sua dominação, conquistando recurso para interagir com as novas conquistas. Durante os períodos de mudanças biológicas, como já dito anteriormente, essas mudanças ocorrem naturalmente, atingindo o clímax na fase adulta-velhice, quando o período é saudável.
Vivencia-se atualmente, na Terra, não mais o ciclo das culturas da vergonha e da culpa, mas o do narcisismo, do exibicionismo, da falta de censo e de pudor, da extravagância, do poder...
Apesar disso, a psique mantém a herança da culpa e da vergonha no inconsciente individual e mesmo quando anestesiada por circunstancias e ocorrências casuais, locais, sociológicas, são sempre de breve duração, porque se apresentam e se expressam de forma patológica com transtornos de comportamento e síndromes de enfermidades consequentes de somatização.
E compreensível que o necessário sair de casa para tornar-se herói, não deve passar obrigatoriamente pelo insucesso, a depender, portanto, da maneira elegida para essa experiência.
Achar-se é uma necessidade do si-mesmo para desfrutar da alegria de viver, não sucumbindo em distúrbios de conduta, sempre lamentáveis e dolorosos.
Quando se pensa que o Cosmo possui um sistema de natureza moral, organizador, descobre-se alegremente que a vida oferece processos evolutivos que impulsionam ao engrandecimento pessoal e à plenitude ou individuação.
Esse crescimento pode ser alcançado sem que se passe compulsoriamente pelo insucesso do ego pelas incertezas do Self, realizando a viagem de volta a casa, em clima de alegria.
Jesus concebeu e expôs a Parábola do Filho pródigo, assim como as duas outras, sobre os perdidos, para demonstrar que Ele viera para esses sofredores e desorientados, que Ele encontraria e reconduziria às suas origens, na doce expressão do Pai misericordioso, o que conseguiu com êxito retumbante, demonstrando, sub-repticiamente, aos seus antagonistas que, de alguma forma, eles estavam perdidos, mas que também estavam sendo encontrados, tendo a chance de retornar à casa paterna...
O desafio de Jesus continua hoje com as mesmas características, representadas no Seu chamamento à consciência de felicidade, naturalmente para os que a perderam ou não a tiveram, ante o crivo dos novos fariseus presunçosos e enganados em relação à vida e ao seu determinismo.
Por enquanto são, Filhos pródigos saindo da casa paterna, para desfrutar as heranças divinas no país longínquo.
Texto estudado a partir do livro Em Busca da Verdade, pelo Espírito Joanna de Ângelis, psicografado por Divaldo Pereira Franco.

Publicado em 23/04/2015.

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