segunda-feira, 21 de abril de 2014


HERANÇAS PETURBADORAS

A indiferença moral por tudo que se recebe da vida, dos missionários do passado que contribuíram para os tesouros hoje utilizados em forma de longevidade, conforto, saúde, ciência e tecnologia, repouso e conveniências agradáveis, responde pela ingratidão.
O ingrato é responsável por dissabores e desencantos que afetam o núcleo e o reduto social onde se encontra agindo.
Se a claridade é benção que facilita as realizações, a treva gera dificuldades às mesmas atividades.
Assim é o ingrato, que respira prepotência e soberba, na sua tormentosa condição de explorador do esforço alheio.
Um motorista de taxi percebeu que, ao deixar um cliente no aeroporto, este esqueceu-se de levar a pasta que ficou no banco traseiro. Preocupado, o modesto servidor deteve-se na volta à cidade, parou o carro, examinou a pasta e encontrou-a abarrotada de documentos e de valores amoedados. Receando o desastre para o desconhecido, fez a volta, acelerado, estacionou o veículo, correu ao terminal, lembrando-se vagamente da companhia que o cavalheiro havia indicado, à porta da mesma deveria estacionar, correu na sua direção.
Com rara felicidade, encontrou o proprietário do importante objeto que havia acabado de fazer o check-in  e parecia procurar a pasta  entre as duas sacolas de compras que carregava nas mãos.
Sorridente, aproximou-se e entregou a maleta com todos os seus bens.
Não esperava retribuição. Estava feliz pela oportunidade de fazer o bem. Porém, o passageiro, agressivo e insensível, olhou-o com espanto, como se houvesse suspeitado que havia sido ele quem reteve o seu volume, e não lhe disse uma palavra sequer, saindo com velocidade em direção da sala de embarque...
O motorista sentiu um frio percorrer-lhe a espinha e uma estranha sensação de angustia.
Meneou a cabeça, aturdiu-se, e tomou o carro em direção à cidade.
No mesmo momento em que dava a partida, outro passageiro sinalizou-lhe que necessitava do veículo, ele se deteve e o estranho adentrou-se.
Pediu o endereço e partiu.
Estava atordoado e, de quando em quando, como se estivesse num monólogo pesado, meneava a cabeça.
O passageiro perguntou o que estava ocorrendo.
Necessitado de uma catarse, ele narrou a ocorrência, acrescentando: - Nunca mais eu devolverei qualquer coisa que fique no meu carro por esquecimento de quem quer que seja. E porque sou honesto, não ficaria para mim, mas preferirei atirar no lixo do que voltar para entregar.
E arrematou:
- Eu não desejava nada, nem sequer o reembolso da despesa que me custou para lhe fazer a devolução. Tudo seria para ele somente prejuízo, porque ele nunca saberia onde procurar o seu volume, desde que sequer anotou o numero da placa do meu carro...
Fez uma pausa e concluiu:
- O pior foi seu olhar severo de dignidade ferida, como a dizer que havia sido o responsável pelo seu esquecimento, que lhe furtara a maleta...
A gratidão é combustível para a claridade da vida, da mesma forma que a cera é para o pavio de vela manter-se aceso.
A ingratidão é bafio pestilento que contamina os outros com os seus miasmas e pode torna-los semelhantes.
Por que alguém se dá tanto mérito que nem lembra  algumas palavras de reconhecimento pelo que recebe? Onde está a sua superioridade que exige sejam os outros que se encontrem sempre disponível à servi-lo?
A ingratidão é síndrome de atraso moral e de perturbação emocional que infelizmente sempre esteve presente na sociedade de hoje e de ontem.
Herança perturbadora, originada nos atavismos iniciais do processo evolutivo, conserva o indivíduo no estagio de predador, e está demonstrado que o ser humano é o maior dentre todos os outros, causando sempre prejuízos à natureza, à comunidade, à família e a si mesmo...
Esse patrimônio infeliz faz parte do conjunto de outros vícios morais e espirituais que aprisionam as suas vítimas no atraso social. Sombra perversa, prejudica o discernimento do self, demonstrando o estágio do passado em que o individuo encontra-se fixado. Presente em pessoas simpáticas com os estranhos, apenas com a finalidade de os conquistar, e grosseiras com aqueles que convivem, que as ajudam em silencio e dignidade, e que os detestam, porque lhes reconhecem a superioridade, a ingratidão origina-se na inveja mórbida que não consegue perdoar quem se lhe apresenta com recursos superiores aos que conduz. É grosseiro de propósito, porque não podendo igualar-se, cria perturbação e desconfiança na busca de puxar para baixo quem esteja em situação melhor que a sua.
Egotista, o ingrato somente sorrir quando pretende lucro e só é gentil quando espera projeção do ego.
No aspecto psicológico, a ingratidão é síndrome de insegurança e graves conflitos íntimos que acorrentam o ser atormentado.
A gratidão precisa ser treinada, para que possa ser vivenciada.
Como as heranças perturbadoras predominam nos comportamentos humanos, pela duração do período em que se estabeleceram, é preciso fixar novos hábitos, substituindo os negativos, até se tornarem  condutas naturais .
A convivência social torna-se, muitas vezes, muito difícil, por causa dessas heranças perversas do ego, que resiste em abandoná-las, satisfazendo-se na censura, quando podia educar, na acusação, quando seria melhor socorrer, na maledicência, quando melhor seria a referencia enobrecida, desculpando os acidentes morais do próximo.
O ser humano está em constante evolução como tudo no planeta, ou melhor, no universo.
Não existe uma lei de parada, pois dessa forma conspiraria com o fatalismo da evolução e do processo ininterruptos.
Tudo evolui, passando por múltiplas etapas do programa de crescimento.
No aspecto moral, esse mecanismo sempre traz,  conquistas novas, enriquecimento interior se o indivíduo encontra-se lúcido para registrar cada etapa, para a alegria e gratidão pelos novos passos que mais o aproximam da meta proposta, que quer atingir.
Transformar, tais heranças doentias em experiências renovadoras é uma das metas a que deve dedicar  quem aspira ao bem, ao belo, ao amor, à vida...

Texto trabalhado do livro PSICOLOGIA DA GRATIDÃO, escrito por Divaldo Pereira Franco, ditado pelo Espírito Joanna de Ângelis.

Postado no dia, 21/04/2014.

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