terça-feira, 5 de janeiro de 2016

O BEM E O MAL
Desde que a razão e a consciência começaram a desenvolver-se no ser humano, a dicotomia do bem e do mal apresentou-se de forma conflitiva.
Antes, no período mitológico do Jardim do Éden, a  inocência não sabia o que significava o bem, o que representava o mal, por vivenciarem o estado paradisíaco de total ignorância moral. No momento em que os impulsos, especialmente os da sexualidade, quebraram a harmonia existente, impondo-se, tudo era natural, por virem das necessidades biológicas. Mas aos poucos, os sentimentos e o discernimento apresentaram-se para estabelecer o que era edificante e o   perturbador e destrutivo. Com esse surgimento do Self, percebeu-se o quanto era preciso  estabelecer-se critérios, começando pela condenação do incesto, proibindo-se e impedindo-se comportamentos que se consideravam prejudicial, abrindo espaço ao claro-escuro da fronteira entre o bem e o mal.
Com o tempo, estabeleceram-se diretrizes definidoras do que representa um e o outro.
As várias doutrinas religiosas do oriente e as filosofias do ocidente apresentaram normas de significado para a felicidade e a vivencia do que se considerava o bem contrários aos comportamentos que produzem o mal.
O maniqueísmo, criado por Manés, que nasceu na Pérsia, no século lll d.C. após a visão de um anjo, por duas vezes, levou-o a selecionar os princípios de algumas doutrinas orientais existentes, do zoroastrismo e do cristianismo, estabelecendo que o bem e o mal estão presentes na vida de todos os indivíduos e que o mundo divide-se nessas duas constantes, sendo que o objetivo da vida é a vitória da luz contra a treva, da verdade contra a mentira...
O maniqueísmo espalhou-se com facilidade pelo mundo, apresentado os dois lados do comportamento como sombra e claridade, em que os justos, que a tudo renunciassem, conseguiriam a plenitude.
Embora o cristianismo, muito antes, tivesse mantido,  a mesma observância, o conceito de Jesus a esse respeito é mais amplo, demonstrando que todas as experiências humanas contribuem para o processo de libertação do ser, da ignorância que nele predomina, sendo o mal uma conjuntura passageira, em que apenas o bem prevalece. O apóstolo Paulo, por sua vez, prescreveu que se deve vencer o mal com o bem.
Essas propostas, especialmente a maniqueísta, ainda em voga, produzem comportamentos fanáticos, definitivos, criando graves conflitos na cultura, na sociedade, porque, aquilo e aquele que é bom, que representa o bem para determinados grupos humanos, é mau para outros...
Condutas aceitas e dignas em um povo são censuradas em outro, por considerar-se agressiva e  primitiva.
Esses conceitos, não podem ser absoluto.
Então, o que é, o bem? Tudo que contribui pela vida, o seu desenvolvimento ético e moral, a sua construção edificante e traz satisfações emocionais, é considerado o bem. É preciso, não confundir o de natureza física com a emoção de harmonia, de equilíbrio interior, de felicidade que se adquire por meio de pensamentos, palavras e ações dignificantes, não geradoras de culpa.
O mal, é tudo quanto gera aflição, que se transforma em problema, que trabalha pelo prejuízo de outrem e do grupo social, levando ao desconforto moral, à destruição... na visão educacional, se for olhada criteriosamente essa ocorrência,  se constatará que muito mal de um momento, se administrado de forma correta pode transformar-se em grande bem. O que pode parecer um mal para um indivíduo, traz-lhe o despertar da consciência, o caminho que o levará ao autodescobrimento.
A dificuldade, em diferenciar-se no íntimo, o que é bem e o que é mal, originam a sombra, que também se enraíza no ego dominador e arbitrário.
Allan Kardec, em O Livro dos Espíritos, perguntou aos Espíritos superiores, conforme a questão de nº 630:
Como se pode distinguir o bem do mal?
Eles disseram:
“O bem é tudo o que é conforme à lei de Deus; o mal, tudo o que lhe é contrário. Assim, fazer o bem é proceder de acordo com a lei de Deus. Fazer o mal é infringi-la.”
O ser humano é portador de fenômenos lógicos, que nem sempre sabe reconhecer, que se apresentam conscientes e inconscientes. No começo, no processo evolutivo era só instinto e paixão adquirindo através do desenvolvimento antropológico da evolução a consciência de si, a conquista da razão, numa área restrita, que ainda não pode abarcar a totalidade das ocorrências interiores e emocionais, auxiliando-o no comportamento conforme o estágio de lucidez alcançada.
No seu íntimo estão os desejos do prazer e a realidade, conforme as conclusões de Freud. Esses impulsos dominadores têm, que enfrentar a cultura de cada época, os hábitos estabelecidos, os códigos impostos, dando lugar a que as pulsões fossem erradamente consideradas como manifestações demoníacas, forças que o arrastariam para o sofrimento, mais tarde decodificado como o Inferno das religiões castradoras.
Para superar o mal que há nele, vem-se tornando necessário estabelecer símbolos de transferência ou de projeção, para superar a situação incomoda em que vive.
Por isso, os sentimentos perversos do ódio, dos desejos irrefreáveis, dos ciúmes, das ambições desmedidas levam-no a transferi-los para os outros  que passam a figurar como as representações demoníacas ou satânicas, suas adversárias. Esse mecanismo é inconsciente, para fugir da situação vigente para a transformação dirigida ao bem que busca inconscientemente.
Nessa visão insensata, surge a luta, em que o bem deve destruir o mal, fazendo todos os esforços, mesmo os mais infames para a vitória, o que é uma derrota interior, porque os mecanismos de batalha são nefastos, portanto, também maus...
Esse fenômeno sempre ocorre quando se quer eliminar um adversário, que pode ser um indivíduo ou uma raça inteira, uma ideia ou um grupo idealista, apresentando-a como personificação demoníaca contra a qual todas as armas podem e devem ser usadas para aniquilá-los.
Substituir o mal pelo bem, conforme o conceito paulino, é o melhor recurso para  estabelecer o equilíbrio emocional no indivíduo e no grupo em que se encontra.
Toda vez, que alguém se coloca contra algo ou alguém, se arma, o que passa a ser um mal. Quando se coloca a favor do bem, desarma-se e ama, modificando a questão, mostrando a excelência do seu propósito.
Há uma regra de identificação do bem em relação ao mal, a utilização do amor no sentido amplo e universal, que oferece resposta mais hábil para a condução equilibrada de si e o trabalho para todos.
Nesse momento, alcança-se a consciência moral, que discerne o que se deve e o que se pode fazer, do que se pode, mas não se deve fazer, ou se deve, mas não se pode fazer...
Com as reencarnações, o Espirito aprende a compreender o que o ajuda na evolução, o que o entorpece e o retarda, identificando os mecanismos  para a libertação da psique do primarismo dos instintos – demônios – possibilitando-lhe a luz do esclarecimento – a angelitude.
A imago Dei, que nele existe, traz-lhe a pulsão do bem, da vida, que rompe as camadas grosseiras dos tecidos cerebrais, para expressar-se em pensamentos, palavras e ações, que marcam o estágio de saúde real ou de patologias vindos dos comportamentos impostos pelos instintos.
Responsável por compreensão maior, ajuda a racionalizar o mal pela observação dos seus resultados e dos instrumentos que poderiam ter sido utilizados para trazerem mais efeitos de bem-estar e o prazer, e não da culpa, do arrependimento e da angustia que lhe instalam no íntimo...
A individuação é, como o esforço para unir as duas pulsões numa única expressão de vida, aquela encarregada de trazer harmonia, superando os desvios do passado responsável pelos sofrimentos e conflitos individuais e coletivos atuais.
O estado numinoso, resulta da vivencia do bem, da luz, do entendimento, da consciência de si.
A dualidade do bem e do mal no ser humano é fenômeno natural de desenvolvimento da psique, apresentando situações antagônicas, como alto e baixo, belo e feio, claro e escuro, bom e mal, certo e errado...
Jesus, o psicoterapeuta incomum, usou uma bela imagem para essa dualidade quando se referiu ao joio e ao trigo, o que é danoso na seara e o que é benéfico, porque fomentador de vida. Propôs também, que não se resistisse ao mal, ou, que pela ação cordial e perseverante, sem se opor ao pernicioso, consegue-se o ideal, a vitória sobre o que é prejudicial.
O bem, portanto, não é ausência do mal assim como o mal não pode ser considerado como fora do bem, mas experiências que podem ser conduzidas criteriosamente pela consciência para a autoconquista.
Muitas vezes, em face da ausência de consciência moral, o indivíduo interpreta equivocadamente uma ou outra dessas situações, sendo, portanto, a responsabilidade da escolha conforme o nível de conhecimento, de estrutura moral e espiritual.
Do ponto de vista psicológico, a adoção do bem representa saúde emocional e discernimento moral, ambos propiciadores de bem-estar, dando significado à existência, porquanto, à medida que o indivíduo se educa, disciplinando os impulsos  decorrentes do primarismo, experiencia verdadeiro estado de plenitude. Isso não o impede de viver momentos de definição, de dúvida, de incerteza, avançando, porém, na linha direcional do equilíbrio que se impôs.
Pensa-se, erradamente, que a prática do bem impede que o mal se apresente. Enquanto não for diluído nos painéis do inconsciente, periodicamente ressuma, em forma da fissão da psique, como força demoníaca que deve ser orientada, jamais impedida. Reconhecer, portanto, a presença do mal no Si- mesmo  já é uma forma de identificar o bem.
Também se confunde o não fazer-se o mal como se fosse grande bem, mas, não fazer o bem é um tremendo mal, não basta, deixar de praticar o mal.
Toda vez que se pode iluminar, espraiar o trigo  generoso e não se realiza esse dever, amplia-se a área de sombra e domina o escalracho prejudicial. .

E como regra fundamental, para que ninguém tenha dúvida quanto a um e outro no cotidiano, asseverou Jesus com sabedoria: “ Vede o que queríeis fizessem ou não vos fizessem. Tudo se resume nisso. Não vos enganareis.” (O Livro dos Espíritos, resposta à questão nº 632).

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