sábado, 9 de janeiro de 2016

OS SOFRIMENTOS NO MUNDO 
A dinâmica da vida é construída nas experiências que capacitam o Self (o Eu profundo, o Ser espiritual, ) à sua plenificação.
Os sofrimentos então, faz parte da contexto existencial, como mecanismo de valorização do equilíbrio interior como diretriz de segurança para o bem-estar.
Crer na ausência dos sofrimentos no mundo é utopia criada pela ilusão do mito do paraíso perdido, onde tudo contribuía para a felicidade que,  depois de um tempo se tornaria fastidiosa, desinteressante, pela falta de estímulos para novas conquistas e realizações.
O homem precisa de desafios constantes que lhe possibilitem desenvolver recursos não conhecidos, que despertam sob os desconforto pessoal, das dores, das incertezas, das lutas possibilitando novas conquistas.
A ânsia de liberdade plena, por si, já gera sofrimento quando na impossibilidade de eleger-se apenas o bem em detrimento do mal, em face dos impulsos primários e das circunstancias hostis do convívio social, que se encontram no inconsciente individual e no coletivo...
A estabilidade orgânica também é relativa, por alterar-se a cada momento, pelo processo da renovação celular, das condições emocionais, dos fatores existenciais e reencarnatório, produzindo os inevitáveis sofrimentos. Portanto, temos o sofrimento de natureza física, emocional, mental, social, econômica e de outras expressões.
Observando esse sofrimento o príncipe Sidarta Gautama, o Buda, refletiu e concluiu que tudo no mundo é sofrimento, apresentando as suas Quatro nobres verdades, estudando as suas causas e consequências, os mecanismos de libertação e as técnicas da harmonia integral.
Descobrindo a sombra não aceita ainda para a maioria dos humanos, sugeriu então a sua compreensão e sua aceitação, trabalhando o eixo ego-Si mesmo para diluí-la, quando causada ou gerada pelo sofrimento.
É normal que o indivíduo é livre para escolher a forma de viver apenas o bem e, defronta com os limites dessa liberdade, como efeito das circunstâncias em que passa no corpo. A opção negativa apresenta o efeito do sofrimento hoje como o recurso para a conquista do equilíbrio mais tarde. O que se chama de mal é presença natural no psiquismo, como as experiências negativas do primarismo, que se registraram na intimidade do ser, definindo os rumos que se alteram quando a dor se instala e a necessidade de ser feliz  torna-se urgente.
Iniciam-se então as experiências reencarnacionistas, que, quando em uma existência se reparam os erros da anterior, transformando em conquista o que foi antes prejuízo, aperfeiçoando os sentimentos e desenvolvendo o intelecto, para enriquecer o Self predispondo-o à real individuação.
Surgem muitos obstáculos, nesse momento, vindos da sombra e outros arquétipos construídos no processo evolutivo.
A criatura maltratada que se encontra no ser, continua precisando do colo de mãe, de apoio, de compreensão, para encontrar a libertação que somente existe no esforço pessoal de cada um ou através da orientação dos estudiosos do comportamento humano, conhecedores da dificuldade da sombra, do conflito do anima-us, do ego insatisfeito nos processos psicoterapêuticos especializados...
Enquanto houver ambições infantis, disfarçadas em aspirações do amadurecimento psicológico, os sofrimentos continuarão dominando as criaturas em todos as faixas sociais, pelo falso conceito de que bem-estar é ausência de preocupações, de responsabilidades e de doenças, levando à perda de identidade dos objetivos essenciais à existência, substituídos pelo prazer do imediatismo fisiológico.
Os sofrimentos encontram-se no mundo, porque os Espíritos que o habitam ainda vivem no período de desenvolvimento ético-moral em que a dor lhes é uma necessidade psicológica. Agir bem, para não sofrer, cumprir os deveres, para não ser penalizado, trabalhar pelo progresso da sociedade para ter benefícios, é uma transferência do Deus-temor antigo pelo negocismo interesseiro, em que Deus retribui em bênçãos tudo que se faz de bom, punindo quando se faz o mal.
 O mal e o bem são relativos, sem conceito  absolutista, por seus próprios significados, permitindo ao discernimento as boas ações como frutíferas para os que as praticam, pela satisfação de praticá-las não apenas pelos interesses pessoais em jogo. Quem carrega perfume impregna-se, assim também ocorrendo com quem carrega putrefação...Quando se age na saúde emocional e no significado psicológico, satisfações profundas vem do inconsciente e tomam conta da realidade consciente, estimulando à continuação do comportamento e da sintonia com  a imago Dei, ampliando o raio de pensamento na direção de Deus.
Nesse aprimorar do arquétipo divino em si-mesmo, estabelece-se um canal com a Causa Absoluta, proporcionando a conquista do Reino do Céus, portanto, o não-sofrimento, porque, mesmo um desconforto, uma perda, prejuízos de uma ou de outra natureza perdem o significado que lhe é dado, tendo-se em vista o essencial para a psique, que são as aspirações do belo, do quase inatingível, do transcendente...
Os sofrimentos no mundo, portanto, vem dos dramas existenciais dos indivíduos em desajuste e em carência afetiva, tresmalhados do rebanho, esperando que o pastor abandone as demais ovelhas para buscá-los. É nessa fase conflitiva que o herói adormecido assume a postura do filho pródigo que vai para um país distante, sendo as experiências inusitadas, transformando-se às vezes  em sofrimentos que o trazem de volta ao regaço do pai misericordioso que o espera, sempre olhando a estrada que ele deve palmilhar na volta ao lar.
Podem-se considerar também os sofrimentos como talentos concedidos para dignificar os seus possuidores que os deverão aplicar de forma produtiva com a resignação e a coragem, como ocorreu no mito de Jó, quando ele, testado e espoliado pela Divindade, continuou fiel e confiante. Ele amava a Deus, não pelo que dEle havia recebido, mas pelo efeito da Sua paternidade. Apostando com Satã, outro mito arquetípico do inconsciente humano, Deus experimenta Jó para provar que ele Lhe era fiel, e o servo tornou-se digno de receber a recompensa que o levou de volta à paz e a alegria de viver.
Esse Deus, antropomórfico, na visão Junguiana, é um tremendum, pelo aspecto aterrador que assumiu, quando, na sua antinomia, apresentou a outra face, a da misericórdia e do amor, recompensando aquele que continuou confiante, mesmo quando o sofrimento alcançou limites quase insuportáveis.
Compreende-se, assim, a resistência de muitos indivíduos que, sob sofrimentos e aflições terríveis, continuam confiantes e seguros da misericórdia divina, na certeza de que nunca serão abandonados.
Os mártires de todos os tempos, as vítimas dos holocaustos de todas as épocas deram o testemunho de Jó, mantiveram o Self,(o Eu profundo) na fragmentação individual da Divindade mesma, harmonizando-se e continuando vinculados a Deus.
Encontramos essa antinomia nos dois Testamentos: no Velho, Deus é inclemente e gosta de ser temido,  no Novo, Ele é misericordioso e compreensivo, querendo apenas ser amado como Pai. Se encontra  no Self essa fissão da psique, esperando a fusão com a superação da sombra pela presença do amor.
E assim, o mal não desaparecerá de um para outro momento do mundo, porque ele é o inverso do bem a se transmudar, adquirindo as qualidades do ultimo. Mesmo no auge das amarguras, dos desaires, das aflições, de tudo que significa o mal gerador dos sofrimentos, há uma luz uma réstia em plena treva (sombra) apresentando a solução, propondo o reencontro com Deus.
Além da consciência do ser, no psiquismo profundo, temporariamente Deus apresenta-se com esse aspecto ambivalente: o temor e o amor, que atendido pelo Self capaz de discernir, funde-se no amor, no processo de iluminação interior, saindo da sombra existente.
Quando se vê o sofrimento como uma necessidade de entendimento do ego com as suas máscaras, inclusive a do bem aparente, o trágico e o desvalimento transformam-se em alicerce para a construção da realidade humana, no seu sentido divino e transcendente, porque o ser, o si mesmo, é indestrutível, é imortal.
Importante contribuição para a vitória nesse teste da evolução, a prece, que é a comunicação com Deus pelo pensamento otimista e confiante, proporciona a captação de energias poderosas que dão resistência para as lutas que se encarregam de eliminar as sucessivas camadas de primitivismo, de paixões asselvajadas em predomínio, diluindo-as até o cerne onde está a imago Dei gentil e pura esperando ser encontrada para tomar conta do indivíduo todo.
Os sofrimentos, portanto, no mundo, são portadores de variada conceitos e significados específicos e próprios, dependendo dos indivíduos que os experimentam, tornando-se grande mal para uns e superior bem para outros.
Estranham-se, as resistências morais de determinados indivíduos que, postos a provas de sofrimentos difíceis, continuam tranquilos e estoicos, como ocorreu durante o holocausto do povo judeu nas mãos dos nazistas.
Muitas vítimas, após a libertação, ao invés de se deixarem consumir pelo ódio pelos seus algozes, buscaram auxiliá-los e trabalhar pelo renascimento do país. Quando interrogados, afirmaram: - O ódio não nos trará de volta os afetos assassinados, as alegrias roubadas, a saúde vilipendiada, a vida perdida... Somente pelo amor poderemos demonstrar que nenhuma força física, política ou social é mais poderosa do que a confiança em Deus...
Entre muitos desses sobreviventes, um de nome o Alegre Gui, que sofreu horrores no campo de extermínio de Auschiwitz, continuou sorridente e gentil auxiliando o povo que o havia esquecido e os que o infelicitaram em perversos processos de crueldade...
Apesar dessas reflexões, há indivíduos emocionalmente fragilizados que, diante do sofrimento, vinculados teoricamente a qualquer religião sentem-se enganados e perguntam, aflitos : - por que Deus permite que isso me aconteça? Onde está Deus que não me vem em socorro? Será que, realmente, existe Deus?
O seu conceito a respeito da Divindade é mágico, vem do período primário em que o arquétipo do miraculoso predominava no seu inconsciente, tudo resolvendo, impedindo que acontecessem as experiências iluminativas, ou cujas conquistas podiam ser conseguidas pela o comercio de milagres por meio de dízimos, doações materiais...
Ainda hoje na sociedade há muitos, portadores dessa estrutura emocional deficitária.
A verdadeira fé, aquela racional fundamentada na experiência da imortalidade, é a única a trazer resistências morais para  enfrentar, a solidão, o sofrimento, o silencio, a expectativa, a angustia...
Quando um desses fenômenos psicológicos que produzem dor se abatem sobre os portadores de espiritualidade ou de maturidade emocional, ei-los que como possuem um reservatório de forças transcendentes buscadas em Deus, conseguem superar as situações mais perigosas e os acontecimentos mais afligentes.
Tal fato é de fácil constatação, nos doentes por quem se ora, que melhoram, sem saber dessa contribuição dos estranhos. Quando os pacientes,  oram, adquirem mais resignação, enfrentam a situação de forma saudável e recuperam-se mais rapidamente. Já, quando se ora por eles, e, sabendo eles também oram, os efeitos são mais imediatos e durante a enfermidade as terapias tornam-se mais eficientes.
Compreende-se que, essas pessoas, pela fé, e pela força mental de que dão mostras, estimulam os neurônios a produzirem as substancias propiciadoras do reequilíbrio, da saúde, da harmonia.
Quando Jesus era convidado a curar alguém, Ele  perguntava: - Tu crês que eu te posso curar? Ou – tu queres que eu te cure? Assim, possibilitava a contribuição do paciente no seu processo de recuperação, produzindo neuropeptídios responsáveis pelo refazimento orgânico, emocional e até psíquico, tornando-se receptivos à força que dEle emanava.
A ação, da vontade, em qualquer área de comportamento é muito importante, por propiciar a produção de nerurocomunicadores que promovem a saúde.
A fé religiosa saudável bem dirigida, também conquista e dá significado à vida humana, estimulando o crente a continuação dos compromissos que abraça, dignificando-se pelos esforços que faz para ser melhor e numinoso como resultado das disposições internas dirigidas para a felicidade.
Os indivíduos dúbios, imaturos psicologicamente, estão despreparados para o sofrimento, esperando que a solução venha de fora, do outro, ficando na mesma dependência em que passa a sua vida, sem se esforçar para a conquista da consciência lúcida e produtiva.
Conforme vai conquistando a consciência de si, a compreensão do significado existencial o dever de superar a sombra após aceita-la, o sofrimento   cede espaço ao estágio de harmonia proporcionadora de individuação.

Texto do livro Em Busca da Verdade. Ditado por Joanna de Ângelis, Psicografado por Divaldo Pereira Franco. Trabalhado por Adáuria AzevedoFarias. 09/01/16.

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