quarta-feira, 30 de dezembro de 2015

A BUSCA DO SIGNIFICADO

O sentido profundo da vida humana é a busca do significado, a plenificação do Self – a imago Dei – a substância divina que orienta a vida e dignifica-a.

Ninguém, passa pela Terra, sem um sentido existencial que se estenda além das necessidades imediatas, que deixam de atender as exigências emocionais, vividas.

Por isso, a experiência interior é muito importante, sem ela as realizações externas perdem o significado, porque são possuídas sem atender as exigências emocionais, que, não atendidas, originam o vazio existencial.

Nessa viagem interna, uma aventura interior, a consciência amplia-se ao infinito, e vai além dos limites habituais limitados aos desejos do ter e do prazer.

Essa busca profunda apresenta-se na criatividade da arte ou na abnegação da crença religiosa, como recurso para a conquista do infinito e do indefinível.
No inconsciente coletivo estão adormecidos esses dois anelos originados na fase primitiva da evolução, quando o ser humano começou a entender a grandeza da vida, sua beleza,  suas ameaças presentes na Natureza, e a entrega às forças desconhecidas que pareciam manejar-lhes os destinos, permitindo surgir o mito religioso, como mecanismo de fuga das angústias e perturbações, atendendo aos caprichos que se impunham como soluções imediatas.

O esforço desse ser primitivo em comunicar-se com o outro e desenvolver a consciência pela escrita e a pintura rupestre, são as expressões iniciais da criatividade e do processo de comunicação consciente, organizada, que continuarão na sua trajetória antropológica.

Sendo a vida humana a materialização do mundo cósmico, os Espíritos que desencarnavam naquele período, ignorantes da sua realidade, ao manifestar-se aos contemporâneos nas cavernas, iniciaram as primeiras expressões do culto religioso, sem  desejarem, tornando-se deuses bárbaros uns e gentis, benévolos outros, que iriam povoar o imaginário das gerações sucessivas, inscrevendo-se no panteão das culturas terrestres.
Reavivar essas imagens e decodificá-las é a proposta da psicologia profunda, retirando-lhes a sombra perniciosa e ameaçadora da tradição, de  forma que, em estágio de consciência lúcida, conquistem o seu sentido, que é a imortalidade.

Porque a fase de primarismo não permitia o raciocínio logico, o natural culto de respeito e de devoção, mais pelo temor do que pelo amor, revestiu-se do mágico, do imaginoso, do sobrenatural, necessitando das excentricidades que se tornaram complexas como cerimonias e sacrifícios, inclusive humanos, para depois, de natureza animal e racional e, por fim, vegetal, por meio das flores, como preito de amor e de gratidão, de respeito, de súplica... O inconsciente ficou de tal forma sobrecarregado do fetiche criado e transferido de uma para outra geração que, mesmo na fase do discernimento, as heranças dominadoras, continuam levando ao temor, ao respeito exagerado, às fugas espetaculares para livrar-se da culpa, resgatando-a pelas oferendas e  sacrifícios...

O mergulho interior, desmistificando esses  condicionamentos e atavismos de natureza mágica, irá contribuir para o encontro com a religiosidade real, esse sentimento engrandecido que é a identificação com a imago Dei, com a manifestação de Deus. Não o deus antropomórfico – arquetípico, não real – humanoide, caprichoso, mítico, mas sim a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas. Esse conceito está identificado com a definição do filósofo holandês Baruc Spinosa, que diz que Deus é a natura naturans.

Deus está além de qualquer conceito que o limite e o transforme em conteúdo, quando, em razão da Sua indecifrável realidade, é o Continente que tudo envolve.

A viagem religiosa, leva ao sentimento de religiosidade, de encontro com o divino que se encontra no Si-mesmo, esperando compreensão e vivência da sua realidade, que vai além do culto externo ou da submissão temerária.

Nessa incursão, a mente sutiliza-se e descobre significados desconhecidos que motivam à vida para ser vivida com alegria e irrestrita confiança nos resultados futuros.

Ao invés de significar uma fuga, uma transferência da imagem do pai para a Divindade, representa o encontro com a Consciência universal, identificando-se com ela e tentando plenificação.

As maneiras de realizar a religiosidade pela fé, a abnegação, a concentração nos postulados da vida, na prece, na integração solidária na beneficência e na caridade, dão sentido à existência física, trazendo alegria e bem-estar pelo prazer de contribuir em favor da satisfação geral, da diminuição do sofrimento, da miséria, das necessidades em qualquer lugar...

A criatividade, nesse momento, é também grandiosa, numa explosão de imagens que precisam ser exteriorizadas, abrindo espaço para a arte que se transforma em recurso de beleza, traduzindo as fixações presentes no inconsciente, em transito das formas grotescas ao classicismo e chegando às profundas manifestações do modernismo, do cubismo, do surrealismo, do abstracionismo, porque não podem, na pintura, na música, na escultura, por exemplo, ficar contidas nas formas... Todo limite, dificulta-lhes a expansão, a libertação do inconsciente coletivo.


Em todo período de crise, de indecisão e de perda de significado existencial da sociedade, ocorrem mudanças, algumas radicais, em relação ao já experienciado, ao conhecido, como ânsia de libertação das imposições castradoras do passado.

Nesse processo inevitável da evolução, muitos artistas quebraram os limites da tradição, para atingir o além das formas definidoras de conteúdos. Tornando possível a viagem interior que precisaram fazer, após sentirem-se saturados pelo já apresentado, que as modernas conquistas da tecnologia poderiam fazer de forma perfeita, em cópias iguais, portanto, sem a contribuição pessoal.

Os mais ousados, a princípio, rompendo os velhos padrões no realismo e no impressionismo, depois dando o grande salto em novas concepções que mostram o inconsciente de cada qual e abrem campo a novas observações numinosas e psicoterapêuticas libertadoras.

Através dessas expressões artísticas, como a pintura, a escultura, a música,  pode-se penetrar nos conflitos dos pacientes e, com recursos curativos, trabalhar-lhes as causas dos transtornos de conduta e de emoção.

Com essa modificação na arte, particularmente na pintura, depois noutros ramos culminando na música, na escultura, na literatura, no balé, nos vários ramos do conhecimento, as realidades objetivas abriram espaço para os conteúdos metafísicos e transcendentais, ampliando as conquistas do pensamento humano sem forma nem limite.

Graças a essa aventura em direção ao interior, ao inconsciente, a arte se transformou em fenômeno místico, quase religioso por seu significado libertador, sem vincular-se com denominação, dirigido ao Cosmo e a vida.

Proibidas essas expressões no período religioso dominador e restritivo, as imagens vindas da antiguidade, porque herança do primarismo, os artistas romperam com o estético, belo, harmônico, convencionalmente aceitos, apresentando outras expressões com o mesmo significado, de acordo com a visão e percepção de cada um.

O inconcebível pode ser externado de forma própria, favorecendo a identificação de novos padrões de beleza.

O que era arte moderna se impôs de tal forma que tornou-se natural, não se prendendo às admiráveis expressões sob essa ou aquela denominação,  presente como arte reconhecida e aceita.

O observador consciente e sincero, diante de alguma dessas expressões que romperam com o tradicional, identifica-se além da forma, em mensagens subliminais ou diretas, auxiliando-o a melhor entender-se, decifrar-se, causado pelos padrões que o limitavam e lhe dificultavam a autocompreensão, atormentando e alienando-o...

No começo ela causa, um choque, pela estranheza que a envolve, em qualquer um dos seus aspectos, na variedade de expressões em que se manifesta, à medida que a atenção a focaliza ou a recebe, produz a identificação do inconsciente que libera informações permitindo a aceitação natural dos seus conteúdos, porque também estão nele.

Costuma-se dizer que a maioria da arte contemporânea, expressa angústia, dor, sofrimento, discórdia, luta, no que tem razão, por representar a visão da longa caminhada da evolução e reflete a realidade existencial, disfarçada às vezes pela hipocrisia ou escondida pelos multiplicadores de opinião.

Vejamos Guernica do espanhol Pablo Picasso e identificaremos a tragédia do bombardeio aéreo sobre a cidade infeliz e a resultante degradação em tudo.

O Grito, do norueguês Edvard Munch, expressa a sua angustia, resultante de uma infância infeliz, de insucessos afetivos, da visão de um entardecer de sangue e de fogo, que ele tentou expressar em o Desespero, sem conseguir integralmente, conseguindo, logo depois, na outra obra que ficou imortal...

Enquanto a ciência dirige-se ao intelecto e a um pequeno numero de pessoas, a arte, é mais abrangente, sendo aceita por todos, independente do nível de cultura, de sentimento, ou de consciência, porque sempre traduz o que se passa no mundo interior dos seus autores, expressando o mesmo naqueles que se lhe vinculam.

O que é também uma forma de enfrentamento com o inconsciente, o mestre Jung chamou de a luta mítica contra o dragão, representada por S, Jorge, o vitorioso, o herói.  É uma luta antiga realizada pelo Espirito que precisa superar as dificuldades da matéria em que se ergastula durante o processo da evolução, para exteriorizar as potencias nele adormecidas, o seu deus interno.

O divino em cada luta inevitavelmente contra o humano, a força transcendente em alerta contra o poder do animal ególatra e escravizador.

É um esforço imenso o de emergir da  ignorância para o discernimento e a razão. É a autoconquista feita pelo Self cujo caminho é interior.

 A falta de sentido existencial, de significado, cria transtornos neuróticos confundido às vezes com outros motivos responsáveis pelo desequilíbrio.

A conquista de objetivo, de um significado básico  é fundamental para equilibrar o eixo ego-Self.
Essa problemática, é definida por Jung no seu tempo, como a neurose geral do nosso tempo,  por se sentir inútil e quase invisível no meio social em que vive.


Texto do livro Em Busca da Verdade de Joanna de Ângelis, Psicografado por Divaldo Pereira Franco. Trabalhado por Adáuria AzevedoFarias. 30/12/15.

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