sábado, 23 de agosto de 2014


O SIGNIFICADO DA GRATIDÃO 

Gratidão é um termo que vem do latim que significa graça, gratos, agradável.   Reconhecimento por tudo que se recebe ou é concedido.
O entendimento da gratidão surge como a mais elevada expressão do amadurecimento psicológico do indivíduo, que leva à viver o sentimento enobrecido.
Os hábitos de receber ajuda e proteção desde a concepção, o desenvolvimento fetal até a idade adulta, sem consciência do que lhe servem ou recebe, constrói um ego interessado apenas em fruir sem   responsabilidades.
Somando favores que o promovem, só  compreende o que lhe é oferecido quando o discernimento apresenta-se na personalidade e o chama para a contribuição pessoal. Não habituado a repartir, torna-se arrogante e presunçoso, crendo ter méritos que  ainda não conquistou.
Quando os instintos abrem espaços para as emoções, o amor dá seus primeiros passos pela bondade, gentileza com os outros, exteriorizando o crescimento ético-moral. O amor apresenta-se, pelo desejo de servir, de contribuir, de ser grato...
Nessa fase, o significado existencial é muito importante, o que possibilita a mudança do comportamento egoísta e exterioriza as primeiras expressões de amabilidade, de dedicação ao próximo desinteressada.
O sentido de retribuição se expressa a medida que o sentimento afetivo se desenvolve. 
Inicia por uma emoção-dever, que o ajuda a libertar-se do acumular e reter. Que leva a compreender que no universo tudo é movimento, um dar e receber, conceder e retribuir, e que o não movimento responde pela instalação de doenças, desajustes e morte.
A recompensa, maneira simples de retribuir, é primeiro passo no caminho da gratidão.
Poucas vezes o adulto sente a emoção espontânea de agradecer, de bendizer aos que contribuíram de forma automática, é certo, mas também pela afetividade, para que ele estivesse hoje no patamar onde se encontra e movimenta. Quando se conscientiza dessa evocação, a alegria instala-se no seu ser. Não há exigência diante de qualquer carência ou reclamação por não ter usufruído benefícios que antes pareciam muito importantes. Pensa que age também por hábito em benefício de outras vidas, da ordem, do progresso, do bem, ou, infelizmente, pelos fenômenos perturbadores que invadem a sociedade... percebe-se no contexto social sem definição, sem sentido existencial feliz, deixando-se levar pelos acontecimentos...
O despertamento para a gratidão começa por uma forma de louvar a tudo e a todos.
O santo seráfico de Assis, ao atingir o estado numinoso, glorificou no seu canto de gratidão, ora doce, ora suave, o hino por todas as criaturas: irmão Sol, irmã Lua, irmã chuva, vegetais, animais e tudo que vibra e glorifica a criação.
Quanto mais exaltava o que a muitos parece insignificante ou sem valor, a sua riqueza gratulatória conseguia dignificar, exaltando lhes as qualidades.
Diz um filósofo popular, a beleza da paisagem está nos olhos de quem a contempla. Não é exatamente assim que acontece, mas há razão no conceito, porque somente quem possui beleza e harmonia pode ver e sentir onde estiver. Sem essa sensibilidade, não há como fazer a diferença entre o banal do especial, o grotesco do belo, e assim por diante.
A verdadeira gratidão pede que na intimidade do ser haja esse encanto pela vida, que a torna preciosa em qualquer forma que se apresente, que se compreenda a magia do existir, percebendo-se as dádivas que se multiplicam em muitas expressões de troca.
O ingrato se encontra no processo de primarismo, ainda não percebe o objetivo essencial da vida. Criança maltratada que se detém na injuria e nas circunstancias do começo do desenvolvimento ético e moral. Que se nega a crescer, trazendo ressentimentos de ocorrências de pequena ou grande monta, que tiveram aceitação profunda, marcando com revolta o desenvolvimento emocional. Ninguém cresce emocionalmente se reage aos fatores que oferecem o mecanismo de maturação. É preciso deixar-se triturar pelos acontecimentos e superá-los pela autoestima e o autorreconhecimento.
A gratidão é sempre com relação ao outro, aos fenômenos existenciais, nunca ao orgulho e à presunção. Como se pode ser reconhecido a si mesmo, sem cair no ego sem discernimento ou compreensão? Como ser grato ao ego, que ainda não conseguiu liberar o self, responsável pela grandeza do ser em aprimoramento? Vamos refletir na imagem da concha bivalve da ostra que não deixa seja retirada a pérola nela aprimorada. Para que tenha sentido real, rompe-se a crosta forte e esplende a gema pálida e notavelmente construída.
É através da ruptura, da fissão que vai-se encontrar além do exterior a pérola adormecida na intimidade de tudo: o diamante mergulhado no carvão grosseiro, a estrela escondida além da nuvem e da poeira cósmica...
Agradecer é inebriar-se de emoção lúcida e consciente da realidade existencial, mas não apenas pelo que se recebe, também pelo que se gostaria de conseguir e pelo que ainda não se é emocionalmente.
Libertando-se da escravidão da posse, irisa-se o ser de bênçãos que esparze em sinfonia de gratidão.
Agradecer o bem que se frui como o mal que ainda não aconteceu, e, quando ocorrer, fazer o mesmo, compreendendo que somente ocorre o que é necessário ao crescimento espiritual, conforme programado pela lei de causa e efeito.
Gratidão é como a luz na sua velocidade percorrendo os espaços e clareando o percurso, sem se dar conta, sem querer diluir-se no facho incandescente da sua conquista.
Um dos motivos básicos para a expressão da gratidão é o estímulo oferecido pela humildade para que se compreenda o quanto se recebe, desde o ar que se respira gratuitamente até os fenômenos automáticos do organismo, que preserva a vida.
Nessa compreensão da humildade, ressuma o sentimento de alegria por tudo quanto é feito pelos outros, mesmo que sem ter ciência, em favor, em benefício dos demais. Essa percepção traz o amadurecimento psicológico, permitindo compreender-se que ninguém é autossuficiente a ponto de não depender de nada ou de ninguém, numa soberba que mostra a fragilidade emocional.
Sem esse sentimento de identificação das manifestações gloriosas do existir, a gratulação não passa da presunção de devolver, de nada ficar-se devendo a outrem, de passar incólume pelos caminhos existenciais, sem débitos...
Quando se é grato, alcança-se a individuação que liberta. Para se atingir, esse nível, o caminho é longo, atraente, fascinante e desafiador.
Do livro PSICOLOGIA DA GRATIDÃO, de Divaldo Franco/Joanna de Ângelis. Postado, dia 23/08/2014

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