SER-SE
INTEGRALMENTE
A
dicotomia psicológica do ter e do ser é uma séria questão no comportamento
individual e social da Humanidade.
A
criança é educada, para ter, para vencer na vida e não sobre a vida com as suas
dificuldades, mas para possuir e gozar.
Como
a vida não é feita apenas de sensações, mas principalmente de emoções, e o ser
é mais psicológico do que fisiológico, mesmo sem saber, é natural que esse
conflito esteja presente em todos os instantes nas reflexões, nas ambições, nas
programações existenciais.
Essa
falsa concepção tem como consequência uma visão neurótica do mundo e de Deus, com
função precípua e exclusiva atender aos desejos e caprichos do ser humano, sem a
faculdade de pensar e de agir, como alguém numa viagem fantástica por um país
utópico, no caso, o planeta terrestre.
Quando
algo leva à luta pelo crescimento intelecto-moral, pelo desenvolvimento
espiritual, a conduta neurótica quer que tudo seja resolvido como mágica, por
milagre, por exemplo, ou seja uma concessão especial, como um privilégio, como
se fosse um ser excepcional...Como todos pensam da mesma forma resulta que o
conceito desse deus apaixonado e antropomórfico, - como transferência
inconsciente da imagem do pai que foi superada no período do desenvolvimento
orgânico e mental,- sofrem o impacto da descrença, da decepção, da amargura, abrindo
espaço para os conflitos perturbadores.
Se
a educação infantil se preocupasse em preparar a criança para tornar-se um ser
integral, sem fraccionamentos, utilizando-se dos preciosos recursos de que é
constituída, à medida que evoluísse não experimentaria sofrimentos das
frustrações das lutas pelo ter e pelo poder.
O
conceito de Deus inerente e transcendente a tudo e a todos, como força inicial
e básica de todo Universo, evitaria a transferência do conceito paterno,
mantendo, a aceitação da Causa absoluta.
O Si-mesmo facilmente identificaria os objetivos reais da vida,
evoluindo com os processos orgânicos e psíquicos, sem apequenar-se diante das
necessidades surgidas durante o crescimento espiritual.
Tal programa educativo
evitaria a criança interior ferida pelo
descuido ou superproteção dos pais, possibilitando um
desenvolvimento conforme o nível de evolução em que se encontra cada Espírito.
O conceito de culpa
seria olhado sem castrações, demonstrando ser normal a sua presença, resultado
inevitável do cair em si após
comportamentos irregulares, aceitando-a e libertando-a através da reabilitação,
do processo de recomposição dos prejuízos causados pela arrogância ou pela
ignorância.
Uma
vida saudável constroem-se no ser e não no que se tem e frequentemente muda de mãos.
O ter e o poder passam
a ser carrascos do indivíduo, porque se transferem do estado de posse tornando-se
possuidores, fazendo-o escravo do egoísmo e dos interesses menores. Produzem
conceitos falsos nos relacionamentos humanos, porque dão a impressão de que não
são amados, sendo que, todos que se aproximam estão mais interessados nos seus bens
do que em quem o detém. Infelizmente na maioria das vezes, ocorre dessa forma, embora
com sérias exceções.
O indivíduo não é o que tem
ou o que pensa que administra, mas os seus valores espirituais,
a sua capacidade de amar, os tesouros da bondade, da compaixão, do sentido
existencial.
Diante
da impressão da continuidade da vida material, os apegos às posses levam a
conflitos, insegurança, suspeitas, às vezes, sem fundamentos, porque são
fugidios e o que oferecem é de duração rápida. Sai-se de uma experiência
dominadora para outra mais escravista, tendo os interesses fixados no ego e nos fenômenos dele decorrentes, como
a ambição de ter mais e de poder mais, responsáveis pela prepotência, pela
arrogância, que são seus filhos naturais, ao invés da luta para conseguir
alcançar a realidade interna.
Quando
há uma preocupação real ao autoconhecimento,
considerando os acontecimentos normais como necessárias ao processo da
evolução, a saúde integral passa a fazer
parte do calendário emocional daquele que assim procede.
Esse
processo impõe a ligação com a alma, ou seja, vigilância permanente com o ser
profundo, o ser espiritual que se é, e não com a capa que veste para a
caminhada terrestre.
No
passado, e ainda hoje, as religiões tradicionalistas, criaram e continuam
criando cultos e cerimônias externas responsáveis por manter o vinculo aparente,
estabelecendo dogmas em torno delas, responsáveis pelo medo e submissão. Embora a proposta seja positiva, ela
perde o significado tornando-se perturbadora pela imposição sacramental e
rigorosa, de significado compensatório ou punitivo. Nas compensações, ela traz
uma falsa sintonia, ligada ao interesse dos benefícios conseguidos com a prática
exterior, dificultando assim a ligação interna, profunda, significativa. Quanto
às punições, compromete o adepto que se preocupa mais com a forma do que com o
conteúdo, e os que são sinceros, tornam-se tementes
ao invés de conscientes dos
resultados psicológicos da identificação com o Si-mesmo. No entanto, uma analise descomprometida com o formalismo
religioso ou com as denominações estabelecidas na fé, permite que, na Bíblia,
esse notável manancial de inspiração e de sabedoria, separado o trigo do joio, encontrem contribuições para
a interpretação de conflitos e orientações necessárias ao bem-estar, em
aforismos e lições de beleza ímpar, nos seus arquétipos e mitos bem-estabelecidos,
que podem ser interpretados e integrados ao eixo ego-Self.
Através
desses ensinos é possível pela reflexão voltar-se
para o mundo interior, encontrar-se a morada
da alma, conviver-se com as suas necessidades não perturbadoras.
Nesse
campo, o amor tem papel determinante porque
só com ele é possível alcançar a alma, que precisa desse sentimento para
expandir-se, alcançando a sua finalidade evolutiva.
Com
esse esforço contínuo, redescobrindo-se a criança interior saudável, que inspira
ternura e amizade, sem a malícia e ideias preconcebidas, consegue-se um estado interno de harmonia, porque a ausência de
suspeitas e de insegurança promove o bem-estar responsável pela felicidade.
A
criança tem uma confiança no adulto que ultrapassa a razão. O que ele promete
ou faz, marca fortemente a personalidade em formação, o caráter em
desenvolvimento, e porque não traz incertezas, entrega-se totalmente, deixando-se
conduzir.
Alguém
disse com beleza, que diante da criança sempre se encontrava diante de um
deus...
Sabe-se
que o Espírito em si, não é criança, mas a forma, que o reveste, trazendo o
esquecimento do ontem e a ingenuidade do hoje para a sabedoria do amanhã
propicia essa ternura e afeição que comove a todos.
Tudo
que, se instala na infância, fixa-se-lhe em toda a existência.
Em
um dos terremotos que abalam periodicamente a Turquia, houve o desabamento de
uma escola infantil onde haviam dezenas de crianças.
Fizeram
tudo para resgatá-las com vida. Após dias de trabalho, os especialistas concluíram
que, pelo tempo passado, mesmo que se chegasse até elas, seria tarde, porque todas
estariam mortas.
Porém
um pai, escavando, pedindo ajuda, disse que tinha certeza que seu filho e outros
haviam resistido e ainda estavam com vida.
Já
sem esperança, os trabalhadores cansados começaram a desistir, menos o pai.
Depois
de grandes esforços, abaixo do desmoronamento, havia uma brecha, e se pode
perceber que algumas crianças estavam embaixo de vigas que se sustentaram umas nas
outras, ficando espaço para respirar e viver.
O
pai aflito chamou pelo filhinho, que lhe respondeu: - Eu tinha certeza que você
viria papai.
Estimulou
todas as crianças a serem retiradas, ficando em ultimo lugar, porque sabia que
o seu pai não desistiria enquanto ele não fosse libertado.
O
pai tinha o hábito de dizer-lhe que confiasse sempre no seu amor e nunca
temesse qualquer dificuldade, porque ele estaria onde quer que fosse para o
proteger e amparar.
Essa
confiança, a criança transferiu aos amiguinhos, conseguindo sobreviver pela
certeza, sem qualquer dúvida de que o
pai o salvaria...
Quando
a criança é estigmatizada, punida, justa ou injustamente embora não seja admissível
uma punição infantil chamada justa, ela absorve as informações e castigos, passando
a não crer em seus valores, sem estímulos para avançar, crescer e prosseguir,
porque mortalmente ferida, carrega a marca, tornando-se rebelde, cruel,
cínica, sem sentimentos bons, que estão asfixiados debaixo do lixo da
perversidade dos pais ou dos adultos que a insultaram, menosprezaram,
condenaram-na...
O ser é, a grande proposta
da psicologia, no sentido profundo ainda do vir-a-ser, conscientizando-se das possibilidades
adormecidas que devem ser despertadas pelo amor, pela educação, pela
convivência social, para que atinja a individuação.
A
realidade da psique propõe, desenvolver
as possibilidades existenciais em germe em todos os seres, crescendo para a
realidade e o saudável comportamento para alcançar o patamar de um ser
integral, condutor de saúde total.
A
conquista da consciência humana
iluminada, conforme Jung rompe a cadeia do sofrimento, adquirindo significado metafísico e
cósmico.
Romper essa cadeia do sofrimento representa manter uma conduta superior, elegendo o
que fazer ao próximo, conforme recomendava Jesus,
nunca revidando mal por mal, por ser a única terapêutica possuidora do recurso
de gerar tranquilidade interior.
Quando
os adultos compreenderem esse significado, não
transferirão para os filhos as suas feridas emocionais, amando-os
integralmente e apresentando-lhes a alma, o ser metafísico e cósmico.
Deve
ser feito todo esforço, na busca do ser e não do ter...
As parábolas da ovelha que
se perde, e a da dracma que desaparece, se referem ao ter, convidando ao encontro para o equilíbrio da posse, que
tem muita importância na vida social.
Jesus,
após expô-las, coroou a Sua proposta iluminativa, respondendo aos que O
perseguiam porque convivia com as misérias alheias visíveis dos afligidos e
desamparados, ensinando a necessidade de
ser e não de ter, a coragem de cair em si, de recuperar-se, de
encontrar-se...
Texto
trabalhado a partir do livro Em Busca da Verdade de Divaldo Franco/ Joanna de
Ângelis. 23/07/15
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