quinta-feira, 23 de julho de 2015

SER-SE INTEGRALMENTE

A dicotomia psicológica do ter e do ser é uma séria questão no comportamento individual e social da Humanidade.

A criança é educada, para ter, para vencer na vida e não sobre a vida com as suas dificuldades, mas para possuir e gozar.

Como a vida não é feita apenas de sensações, mas principalmente de emoções, e o ser é mais psicológico do que fisiológico, mesmo sem saber, é natural que esse conflito esteja presente em todos os instantes nas reflexões, nas ambições, nas programações existenciais.

Essa falsa concepção tem como consequência uma visão neurótica do mundo e de Deus, com função precípua e exclusiva atender aos desejos e caprichos do ser humano, sem a faculdade de pensar e de agir, como alguém numa viagem fantástica por um país utópico, no caso, o planeta terrestre.

Quando algo leva à luta pelo crescimento intelecto-moral, pelo desenvolvimento espiritual, a conduta neurótica quer que tudo seja resolvido como mágica, por milagre, por exemplo, ou seja uma concessão especial, como um privilégio, como se fosse um ser excepcional...Como todos pensam da mesma forma resulta que o conceito desse deus apaixonado e antropomórfico, - como transferência inconsciente da imagem do pai que foi superada no período do desenvolvimento orgânico e mental,- sofrem o impacto da descrença, da decepção, da amargura, abrindo espaço para os conflitos perturbadores.

Se a educação infantil se preocupasse em preparar a criança para tornar-se um ser integral, sem fraccionamentos, utilizando-se dos preciosos recursos de que é constituída, à medida que evoluísse não experimentaria sofrimentos das frustrações das lutas pelo ter e pelo poder.

O conceito de Deus inerente e transcendente a tudo e a todos, como força inicial e básica de todo Universo, evitaria a transferência do conceito paterno, mantendo, a aceitação da Causa absoluta.

O Si-mesmo facilmente identificaria os objetivos reais da vida, evoluindo com os processos orgânicos e psíquicos, sem apequenar-se diante das necessidades surgidas durante o crescimento espiritual.

Tal programa educativo evitaria a criança interior ferida pelo descuido ou superproteção dos pais, possibilitando um desenvolvimento conforme o nível de evolução em que se encontra cada Espírito.

O conceito de culpa seria olhado sem castrações, demonstrando ser normal a sua presença, resultado inevitável do cair em si após comportamentos irregulares, aceitando-a e libertando-a através da reabilitação, do processo de recomposição dos prejuízos causados pela arrogância ou pela ignorância.

Uma vida saudável constroem-se no ser e não no que se tem e frequentemente muda de mãos.

O ter e o poder passam a ser carrascos do indivíduo, porque se transferem do estado de posse tornando-se possuidores, fazendo-o escravo do egoísmo e dos interesses menores. Produzem conceitos falsos nos relacionamentos humanos, porque dão a impressão de que não são amados, sendo que, todos que se aproximam estão mais interessados nos seus bens do que em quem o detém. Infelizmente na maioria das vezes, ocorre dessa forma, embora com sérias exceções.

O indivíduo não é o que tem ou o que pensa que administra, mas os seus valores espirituais, a sua capacidade de amar, os tesouros da bondade, da compaixão, do sentido existencial.

Diante da impressão da continuidade da vida material, os apegos às posses levam a conflitos, insegurança, suspeitas, às vezes, sem fundamentos, porque são fugidios e o que oferecem é de duração rápida. Sai-se de uma experiência dominadora para outra mais escravista, tendo os interesses fixados no ego e nos fenômenos dele decorrentes, como a ambição de ter mais e de poder mais, responsáveis pela prepotência, pela arrogância, que são seus filhos naturais, ao invés da luta para conseguir alcançar a realidade interna.
Quando há uma preocupação real ao autoconhecimento, considerando os acontecimentos normais como necessárias ao processo da evolução, a saúde integral passa a fazer parte do calendário emocional daquele que assim procede.

Esse processo impõe a ligação com a alma, ou seja, vigilância permanente com o ser profundo, o ser espiritual que se é, e não com a capa que veste para a caminhada terrestre.

No passado, e ainda hoje, as religiões tradicionalistas, criaram e continuam criando cultos e cerimônias externas responsáveis por manter o vinculo aparente, estabelecendo dogmas em torno delas, responsáveis pelo medo e  submissão. Embora a proposta seja positiva, ela perde o significado tornando-se perturbadora pela imposição sacramental e rigorosa, de significado compensatório ou punitivo. Nas compensações, ela traz uma falsa sintonia, ligada ao interesse dos benefícios conseguidos com a prática exterior, dificultando assim a ligação interna, profunda, significativa. Quanto às punições, compromete o adepto que se preocupa mais com a forma do que com o conteúdo, e os que são sinceros, tornam-se tementes ao invés de conscientes dos resultados psicológicos da identificação com o Si-mesmo. No entanto, uma analise descomprometida com o formalismo religioso ou com as denominações estabelecidas na fé, permite que, na Bíblia, esse notável manancial de inspiração e de sabedoria, separado o trigo do joio, encontrem contribuições para a interpretação de conflitos e orientações necessárias ao bem-estar, em aforismos e lições de beleza ímpar, nos seus arquétipos e mitos bem-estabelecidos, que podem ser interpretados e integrados ao eixo ego-Self.

Através desses ensinos é possível pela reflexão voltar-se para o mundo interior, encontrar-se a morada da alma, conviver-se com as suas necessidades não perturbadoras.

Nesse campo, o amor tem papel determinante porque só com ele é possível alcançar a alma, que precisa desse sentimento para expandir-se, alcançando a sua finalidade evolutiva.

Com esse esforço contínuo, redescobrindo-se a criança interior saudável, que inspira ternura e amizade, sem a malícia e ideias preconcebidas, consegue-se um estado interno de harmonia, porque a ausência de suspeitas e de insegurança promove o bem-estar responsável pela felicidade.

A criança tem uma confiança no adulto que ultrapassa a razão. O que ele promete ou faz, marca fortemente a personalidade em formação, o caráter em desenvolvimento, e porque não traz incertezas, entrega-se totalmente, deixando-se conduzir.

Alguém disse com beleza, que diante da criança sempre se encontrava diante de um deus...

Sabe-se que o Espírito em si, não é criança, mas a forma, que o reveste, trazendo o esquecimento do ontem e a ingenuidade do hoje para a sabedoria do amanhã propicia essa ternura e afeição que comove a todos.

Tudo que, se instala na infância, fixa-se-lhe em toda a existência.

Em um dos terremotos que abalam periodicamente a Turquia, houve o desabamento de uma escola infantil onde haviam dezenas de crianças.

Fizeram tudo para resgatá-las com vida. Após dias de trabalho, os especialistas concluíram que, pelo tempo passado, mesmo que se chegasse até elas, seria tarde, porque todas estariam mortas.

Porém um pai, escavando, pedindo ajuda, disse que tinha certeza que seu filho e outros haviam resistido e ainda estavam com vida.

Já sem esperança, os trabalhadores cansados começaram a desistir, menos o pai.

Depois de grandes esforços, abaixo do desmoronamento, havia uma brecha, e se pode perceber que algumas crianças estavam embaixo de vigas que se sustentaram umas nas outras, ficando espaço para respirar e viver.

O pai aflito chamou pelo filhinho, que lhe respondeu: - Eu tinha certeza que você viria papai.
Estimulou todas as crianças a serem retiradas, ficando em ultimo lugar, porque sabia que o seu pai não desistiria enquanto ele não fosse libertado.

O pai tinha o hábito de dizer-lhe que confiasse sempre no seu amor e nunca temesse qualquer dificuldade, porque ele estaria onde quer que fosse para o proteger e amparar.

Essa confiança, a criança transferiu aos amiguinhos, conseguindo sobreviver pela certeza, sem qualquer  dúvida de que o pai o salvaria...

Quando a criança é estigmatizada, punida, justa ou injustamente embora não seja admissível uma punição infantil chamada justa, ela absorve as informações e castigos, passando a não crer em seus valores, sem estímulos para avançar, crescer e prosseguir, porque mortalmente ferida, carrega a marca, tornando-se rebelde, cruel, cínica, sem sentimentos bons, que estão asfixiados debaixo do lixo da perversidade dos pais ou dos adultos que a insultaram, menosprezaram, condenaram-na...

O ser é, a grande proposta da psicologia, no sentido profundo ainda do vir-a-ser, conscientizando-se das  possibilidades adormecidas que devem ser despertadas pelo amor, pela educação, pela convivência social, para que atinja a individuação.

A realidade da psique propõe, desenvolver as possibilidades existenciais em germe em todos os seres, crescendo para a realidade e o saudável comportamento para alcançar o patamar de um ser integral, condutor de saúde total.

A conquista da consciência humana iluminada, conforme Jung rompe a cadeia do sofrimento, adquirindo significado metafísico e cósmico.

Romper essa cadeia do sofrimento representa manter uma conduta superior, elegendo o que fazer ao próximo, conforme recomendava Jesus, nunca revidando mal por mal, por ser a única terapêutica possuidora do recurso de gerar tranquilidade interior.

Quando os adultos compreenderem esse significado, não transferirão para os filhos as suas  feridas emocionais, amando-os integralmente e apresentando-lhes a alma, o ser metafísico e cósmico.

Deve ser feito todo esforço, na busca do ser e não do ter...

As parábolas da ovelha que se perde, e a da dracma que desaparece, se referem ao ter, convidando ao encontro para o equilíbrio da posse, que tem muita importância na vida social.

Jesus, após expô-las, coroou a Sua proposta iluminativa, respondendo aos que O perseguiam porque convivia com as misérias alheias visíveis dos afligidos e desamparados, ensinando a necessidade de ser e não de ter, a coragem de  cair em si, de recuperar-se, de encontrar-se...


Texto trabalhado a partir do livro Em Busca da Verdade de Divaldo Franco/ Joanna de Ângelis. 23/07/15

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