quinta-feira, 16 de julho de 2015



A coragem de prosseguir em qualquer circunstância

Comparemos a vida humana ao leito de um rio na direção do mar. A sua nascente aparentemente insignificante, vai formando modesto curso em volume crescente conforme recebe a contribuição de afluentes, vencendo obstáculos, arrastando esses obstáculos, prosseguindo em direção da fatalidade que o aguarda, que é o mar ou oceano...
As experiências da aprendizagem que ampliam a capacidade interior do discernimento e do conhecimento são os afluentes que contribuem com o crescimento individual do ser humano, à medida que surgem dificuldades e problemas que não podem parar o fluxo. A força do seu volume, em forma de amadurecimento psicológico, desenvolve a capacidade de superar as dificuldades que serão encontradas pela frente.
Toda ascensão pede sacrifícios. A queda no abismo é quase normal, em consequência da lei da gravidade moral, já a elevação interior, a coragem de descer ao íntimo para subir ao entendimento, é um dos desafios existenciais mais difíceis, pelo hábito da acomodação no que já experimentou, no já conhecido, sem  aspiração que leva a quebrar a rotina e superar o entorpecimento em que se demora.
Buscar e preservar a saúde é meta que deve priorizar, dando sentido psicológico à vida.
As perdas trazem a necessidade urgente do encontro pelos riscos que toda viagem heroica exige.
A estrutura moral de uma criatura é  medida não só pelas vitórias alcançadas, mas pelo esforço na continuação das lutas desafiadoras, ferramentas únicas responsáveis pelo crescimento ético-moral e espiritual ao alcance da vida.
A busca do Cristo interior, nessa investida é muito importante, sendo o esforço pela conquista da superconsciência. Quando se consegue essa integração com o ego, alcança-se a individuação.
Por muito tempo compreendeu-se,   que a saúde seria a ausência de enfermidade, e que os indivíduos condutores desse requisito eram mais  contemplados que os outros. No entanto as experiências mostraram através dos tempos, que a saúde não é apenas o efeito da harmonia orgânica, da lucidez mental e da satisfação psicológica, porque outros fatores, como os de natureza socioeconômica, também tem importante papel na sua conquista e preservação.
Enquanto se movimenta na argamassa celular o Espírito vai estar  enfrentando as consequências das suas realizações passadas, que lhe impõem compromissos reparadores quando se equivocou, e estímulos de crescimento quando se manteve nos padrões do equilíbrio e do dever.
A harmonia, que deve haver entre todos os fatores, nem sempre é percebida, apresentando-se com variáveis de achaques, de melancolias, de estresses, todos passageiros, que não se tornam problemas perturbadores, ou transtornos na  saúde.  
Pode-se estar saudável, mas com disfunções orgânicas ou doenças em tratamento...
O equilíbrio emocional é responsável pelo comportamento enquanto se apresentam as alterações celulares, as transformações que ocorrem em quase todos os órgãos como resultado do seu funcionamento, das agressões internas e externas, sem que afetem o bem-estar geral que deve ser mantido.
Outras vezes, instabilidades emocionais vindas de expectativas naturais do processo de crescimento, preocupações em torno das necessidades que formam o mapa da conduta social, aspirações idealísticas, dores morais internas, insatisfações com alguns resultados de empreendimentos não vitoriosos, contribuem para a ansiedade, porém sob o controle da mente administradora, que prossegue estimulando a produção das monoaminas (substancias bioquímicas derivadas de aminoácidos) responsáveis pela alegria, pela felicidade: dopamina, serotonina, noradrenalina...
O vento que vergasta o vegetal dá-lhe também resistência e vigor.
Da mesma forma, os fenômenos, às vezes desagradáveis da jornada humana, contribuem para vitalizar os sentimentos e fortalecer a coragem, proporcionando valores dignificantes.
Não há ninguém, no corpo físico, que não esteja sujeito a tropeços e quedas, assim como, ao soerguimento e à continuação da marcha.
Mesmo que traga preocupações e desencantos o amor é o principal elemento vitalizador da luta evolutiva. Pela precariedade dos sentimentos ainda não desenvolvidos,  é natural  que se ame buscando algum retorno. Mas o ideal será que o amor se expresse como efeito da alegria de viver e de expandir as emoções, as alegrias de que a pessoa se sinta possuída, por descobrir esse dom precioso – a dracma pedida no desconhecimento – que é mais benéfico para quem o possui.
O conceito em torno do amor, é que ele aprisiona, reduz a capacidade de entendimento em torno dos valores da vida, elege ídolos de pés de barro que não suportam o peso da própria lambança e arrebentam-se, destruindo o herói. O medo de amar ainda aprisiona muitas mentes e corações que se emurchecem em distancia, fugindo desse impulso de vida que é vida.
No entanto, somente através do amor, e a serviço dele, é que se estruturam os ideais edificantes e enobrecedores da sociedade. Não é o amor que aprisiona, mas a insegurança do indivíduo que transfere para o outro os seus medos, as suas inquietações, as suas ansiedades, pensando tê-los resolvidos sem o esforço exigido para tanto.
Quando se estabelece o sentimento de amor e de amizade entre duas ou varias pessoas, há um grande enriquecimento interior porque o ego se expande, dilui-se, e o sentimento da fraternidade solidária alcança o Self,  proporcionando o bem-estar, em que o indivíduo sente-se realizado, operando cada vez mais em favor do grupo, sem o esquecimento de si mesmo.
Nesse expandir de sentimento afetivo, há valorização sem exorbitância do Si-mesmo, que passa a merecer consideração emocional, libertando-se das traves que lhe dificultam o desenvolvimento. Quanto mais se ama,  mais se ampliam os horizontes afetivos.
A Divindade penetra a consciência humana através do amor por meio dos seus desdobramentos como interesse pelo próximo, pela vida, pelo labor em favor de melhores condições para todos, incluindo o planeta no momento quase exaurindo...
Esse Deus está além da superada manifestação antropomórfica, sendo a inteligência suprema e causa primeira do Universo. Não precisa de qualquer tipo de culto externo, de manifestações formais, de celebrações que deslumbram, dos comportamentos extravagantes... Deus encontra-se na atmosfera, que é a fonte da vida, nutrindo tudo quanto existe, mas também nos ideais, e mais além, em toda parte, nos sacrifícios, na abnegação de santos e de mártires, de cientistas e de trabalhadores, de intelectuais e de idiotas, em todas e qualquer expressões de vida, desde o protoplasma até o complexo humano. É através d’Ele que se alcança o processo de individuação.

Acredita-se que a individuação ocorrerá apenas através dos momentos felizes, vitoriosos, das vitórias sobre a sombra, da autoconsciência conseguida. E é assim que ocorre, mas também, nesse processo de individuação, surgem períodos muito difíceis, que vem das alterações orgânicas, em face do avanço da idade, de conjunturas psicológicas, algumas afligentes, de inquietações mentais, mas, instrumentos para o amadurecimento interior, para a visão correta da existência, para o trabalho de autoburilamento.
A individuação não é uma conquista fácil, tranquila, resulta de esforços contínuos, passando, às vezes, por fazes de sacrifícios e de renuncias. Ninguém consegue uma vida de bem- estar sem o imposto exigido em forma de contínuas doações de dor e de coragem, enfrentando todas as situações com estoicismo, sem queixas, porque, como quem galga uma elevação, à medida que se esforça para consegui-lo, beneficia-se do ar puro, do melhor oxigênio.

A individuação é o oxigênio puro da manutenção do ser.
Podemos comparar a conquista desse estado numinoso a uma nova forma de religiosidade, em que se consegue a harmonia entre a vida na Terra e no céu.
Por não existir a psicologia analítica, a religião albergava todas as necessidades humanas e a confissão auricular tinha um efeito psicoterápico na liberação da culpa, mantendo irresponsável o indivíduo, que achava  fácil errar e ser perdoado, ferir e ser desculpado, sem realizar o processo de autoiluminação.

Graças, à visão nova de Jung, os mitos religiosos podem ser substituídos pelos arquétipos e os conflitos, ao invés de recalcados e desculpados, devem merecer catarse, diluição, enfrentamento e reparação dos danos que tenham causado.

São os arquivos do inconsciente que conduzem o indivíduo e não o seu ego sujeito às alternativas dos interesses imediatos.

Nesse arquivo grandioso do Espírito, o ego pode e deve manter diálogos com o Self para tomar conhecimento lúcido dos seus conteúdos e melhor conduzir os equipamentos que dispõe na sua proposta de vida.

É identificando o erro que se aprende a melhor maneira de não o repetir. O que chamamos erro, no entanto, é uma experiência incorreta, aquela que ensina a como não mais fazer nos seus parâmetros, terminando por ser importante contribuição para a evolução.

O ser humano, é maior do que as expressões exteriores, os êxitos momentâneos, constituindo-se de toda a sua história que registra insucessos e vitórias, tristezas e alegrias, produzindo-lhe o equilíbrio que o segura e mantem no rumo certo.

O pastor que resgata a ovelha perdida torna-se mais vigilante em relação à mesma, assim como às demais, evitando-se excesso de confiança, porque, à medida que o rebanho avança, existem desvios e abismos perigosos...

Ante a ovelha que foge, a atitude do pastor é o socorro maternal, embora, às vezes, o animal rebelde liberta-se dos braços protetores e novamente desaparece, optando pelo desvão em que se oculta... Nessa situação, em seu benefício, o pegureiro assume o seu animus e, vigoroso, aplica-lhe o cajado ou atiça-lhe o cão, encaminhando-o de volta ao aprisco.

É, inadiável o dever de prosseguir-se no compromisso relevante sob qualquer custo, em qualquer situação que se apresente.

A insistência de que se dá provas, quando se escolhe a situação doentia, as sinuosidades de comportamento sem responsabilidade, leva a consciência – o pastor vigilante – a impor sofrimentos que se encarregam de apontar a direção correta, de encontrar-se o que se está extraviando ou foi deixado para traz...

O ocidental acostumou-se com os limites da emoção e adaptou-se aos prazeres da sensação de tal modo, que tudo aquilo que o convida à inversão desse comportamento parece-lhe de difícil aplicação e, por isso, evita viver a proposta de olhar para si mesmo, para dentro, de autopenetrar-se para descobrir os tesouros da alegria íntima, da vivência elevada, sem cansaço, sem ansiedades nem expectativas. Esse esforço é feito quando não tem outra alternativa e sente cansaço do conhecido gozo dos sentidos.

É preciso passar por todas essas experiências, experimentar dificuldades e acertos, sofrer perseguições e ser eleito, porque tudo isso faz parte da constituição arquetípica da evolução, e ninguém pode vivenciar um estagio sem passar pelo outro.

Essas necessárias capacitações desenvolvem os sentimentos, aprimoram a visão da vida, amadurecem o ser psicologicamente, trabalhando-lhe o Self, para que os seus valores profundos abram-se em benefício da individuação.

Normalmente as criaturas reclamam das cruzes que carregam e as fazem sofrer, parecendo-lhes injusto ter que as levar com dificuldades, vivendo em situações difíceis e ásperas. De alguma forma, o conceito e peso da cruz estão muito vinculados ao complexo da infância que se encarregou de dar a visão do mundo. Conforme a educação recebida a criança passa a ter conceitos da vida que são herdados dos pais. Por isso, o que para alguns,  é fardo, para outros é aprendizado valioso.

A pessoa deve aprender desde cedo a enfrentar os fenômenos da vida como parte do seu programa evolutivo, o que  significa que, se dando conta da própria sombra não a deve transferir para o outro, mas diluí-la, com a compreensão dos acontecimentos. A sombra tem uma vestidura moral em contínuo confronto com a personalidade-ego, exigindo, por isso, o grande esforço da mesma grandeza moral, para conscientizar-se, compreendendo e aceitando os fenômenos perturbadores que são inevitáveis.

A maioria, no entanto, não a aceita como elemento constitutivo de todos os seres, presente em todas as vidas.
Rejeitar ou ignorar a sombra é candidatar-se a conflitos contínuos que poderiam ser evitados, caso reconhecesse a ocorrência desse fenômeno próprio ao ser humano. Ela faz parte do ser, como o ego, o Self e todos os demais arquétipos, que são as heranças do largo trânsito da evolução.

No mito da Criação, quando Adão comeu o fruto oferecido por Eva, teve que enfrentar a realidade da sua e da nudez em que ela se encontrava, reagindo automaticamente, buscando um arbusto para esconder-se, quando lhe surgiu o discernimento do ético, do bem e do mal, da malícia e do desejo, resultando nessa fissão da psique, o anjo e o demônio, cuja harmonia deve ser conseguida com o enfrentamento de ambos, num processo psicoterapêutico de consciência lúcida.

Assim também, a sombra que dali procedeu continua no complexo psicológico do ser exercendo o seu papel como herança ancestral do conflito inicial.

A inocência bíblica das duas personagens é referencial mítico escondendo as funções edificantes da sexualidade, que a castração religiosa considerou manifestação da inferioridade e de tormento.
O sexo como qualquer órgão tem as suas exigências que precisam ser atendidas com a dignidade e o respeito que lhe são pertinentes. Quando o indivíduo se permitiu a corrupção de qualquer natureza,   também refletiu-se no comportamento sexual, tornando-se válvula de escape para fugir da responsabilidade moral.

Merece observação carinhosa os desafios da sombra, a fim de conseguir-se a sua integração no Self, não separando mais o indivíduo do ser divino que ele carrega no íntimo.


Texto trabalhado a partir do livro Em Busca da Verdade pelo Espírito Joanna de Ângelis, psicografado por Divaldo Franco. Publicado em 16/07/2015

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