DESPERTAR
DO SELF
O irmão mais velho da
parábola daquele que se pode chamar como o pai misericordioso, é o
protótipo do ego desconcertante.
Enquanto estava a sós com o
pai, parecia amá-lo, respeitando-o e obedecendo-o. Porém, após a volta do irmão de quem se encontrava livre,
magoou-se, revelou-se, apresentando o outro eu, chamado de “demônio interno” amoral
e indiferente. Nem procurou saber como voltou
o irmão. Se estava feliz ou não, concluindo que, se encontrava na miséria, pois do contrário
não estaria de volta. Estaria só ou consorciado, com filhos ou perseguido?
Nada
lhe ocorreu, senão o espaço dado à mágoa por ter sido colocado de lado, nem
sequer foi consultado para o banquete oferecido ao outro.
Ficar
distante do perigo, protegido dentro do lar, garantido pela proteção do pai é
uma atitude bastante cômoda e protegida dos desafios.
Seria bastante ao filho mais velho aguardar o
desencarne do pai, se apropriar de todos os bens e libertar-se da submissão, sendo convidado aos enfrentamentos que
antes o genitor resolvia.
Esse comportamento é psicologicamente infantil, porque a existência
humana é construída de forma a propiciar crescimento emocional, destemor e
renovação constantes. Quem não se renova de dentro para fora, não consegue o
desenvolvimento do self, (o ser essencial) sempre envolvido pela sombra, deixando
que tudo ocorra ao acaso.
Existem muitos desafios no processo criativo do ser espiritual que
busca o numinoso, a vitória sobre a
ignorância e o demônio do mal interno.
A
imagem que ele, o irmão mais velho mantinha com relação ao pai, de
um homem benigno para com ele, que considerava ser merecedor de toda a
compensação, diluiu-se, quando houve o
confronto com o seu irmão, de
quem se viu livre, abrindo espaço para a exteriorização de que o não amava.
Havia se liberado do
competidor que, na realidade, eram os
seus próprios conflitos, os dois eus, um ambicioso, o outro sereno,
pacífico o mais ponderado era pacífico, demoníaco o mais atrevido que naquele
momento o dominava.
No seu Interior, nos seus
muitos conflitos, ele também não se
amava, passando essa emoção na forma de suspeita para o pai e para os demais,
por isto quisera festejar com amigos, atraí-los, conquistá-los, comprá-los,
como sempre acontece.
Todo indivíduo inseguro
desconfia dos demais e transfere para eles os motivos do seu temor, do seu
sofrimento. Distanciam-se, para não lhes
acompanhar a vitória ou tenta conquistá-los com oferendas, não pela afeição,
doam coisas que não têm valor.
E assim para ele,
o amor paterno teria que ser parcial, exclusivista, com relação a ele, com
animosidade pelo desertor.
Costuma-se censurar o jovem que viajou para o país
longínquo, também fugindo de si mesmo, e elogia-se
o que ficou ao lado do ancião, mais por conveniência do que por fidelidade,
sem uma análise mais profunda das duas atitudes.
Esta é uma visão psicológica
imperfeita a respeito da realidade.
O
filho fiel é o mito representativo de Abel, generoso e bom, que
será sacrificado por Caim... Todavia, esse Abel gentil não amava Caim, o seu
irmão mais jovem e extravagante, considerado perverso e insensível por haver
abandonado o pai idoso...
Preferido pelos mitos Adão e
Eva, perdeu o contato com a realidade e o seu irmão o assassinou.
Agora, o mito Abel no filho mais velho, gostaria de assassinar Caim, que
se torna bom, que volta tomando-lhe o lugar, ou, parte dele, no sentimento do pai que o mantinha no
Éden.
Mas
o genitor, misericordioso, que não censurou o desertor e
recebeu-o com alegria, também não agiu com reclamação em relação ao filho magoado.
Foi buscá-lo fora e
convidou-o a entrar na festa, a
participar da alegria de todos.
É comum a solidariedade na dor, mas não no júbilo, em face da inveja e da
amargura.
O
irmão mais velho submetia-se ao pai, mas não o amava, como
fingia, porque logo o censurou, expressando sentimentos de recusa
inconscientes, por nunca haver-lhe
oferecido um cabrito ao menos para que se banqueteasse com os amigos, enquanto
ao insano ofereceu o melhor novilho...
O ciúme é terrível chaga do ego que expele purulência
emocional.
O
pai gentil e afetuoso, sensibilizado com o jovem que retornou,
pediu um manto para cobri-lo, já que o outro também o possuía, evocando a
proteção e o amparo que lhe eram oferecidos.
- Criança – diz o pai ao filho que o censura – tu sempre estás comigo, e
tudo o que é meu é teu; entretanto, cumpria regozijarmo-nos e alegrarmo-nos,
porque este teu irmão era morto e reviveu, estava perdido e se achou.
O
pai percebeu que o outro filho, o mais velho, também estava
morto porque expressava amargura, encontrava-se
perdido, porque não participava da sua e da alegria de todos que
encontraram aquele seu irmão que era morto e reviveu, que estava perdido e
se achou.
O
ego encontrava o Self, despertando-o para uma
futura integração, liberação da fissura na psique...
O
Self do filho mais velho
está envolto pela sombra ameaçadora,
criminosa.
A parábola não informa qual
a atitude do mais velho, em relação ao mais moço, após as informações dúlcidas
e os esclarecimentos compreensíveis do seu pai.
Certamente,
o eixo ego-Self se tornou mais forte, em
face do amor do arquétipo primordial,
sem limite, libertando-se dos mitos hostis e vingativos.
Prometeu, por exemplo, foge
de Zeus, engana-o com artifícios contínuos para não morrer, até que cai na
armadilha da própria existência física temporária, e Zeus recebe-o,
aprisiona-o, suplicia-o num rochedo, onde foi colocado para sofrer calor, frio
e uma águia fere-lhe o fígado durante o dia, que se refaz à noite, até quando
os deuses intercedem por ele e a sua punição é anulada...
O
filho mais velho quer fugir do pai amoroso após censurá-lo
asperamente, evita olhá-lo nos olhos e receber-lhe o abraço, mas não poderá
viver sempre sob as picadas da mágoa,
remoendo a prisão no rochedo do
desencanto, ao frio e ao calor das reflexões doentias... O Self é levado a despertar com a intercessão dos sentimentos de
nobreza que se encontram no íntimo, como divina herança da sua procedência.
O irmão chegou quase
descalço, sandálias rasgadas e imprestáveis. O pai providenciou calçados novos, porque os pés são as bases
importantes de sustentação do edifício fisiológico, que não se mantém em
segurança quando lhe falta alicerce...
A mãe Terra oferece os recursos para o organismo e os transforma; o
hálito da vida, porém, vem do Amor.
Cuidar
das bases caracteriza o despertamento do Self, da responsabilidade diante da vida.
O
irmão jovem iluminou o ego com a consciência de si, reconheceu o erro, renovou-se pela
humilhação que o fez crescer, enquanto o
mais velho liberou das
estruturas profundas do inconsciente as paixões da vingança e da maldade, a
Erínia mitológica encarregada de ferir Sísifo, conduzindo a pedra ao topo da
montanha de onde ela escapa e rola para baixo, obrigando-o a erguê-la sem
parar...
A parábola poderia ser dos
dois filhos ingratos, que o amor reúne sob o mesmo manto protetor do pai,
ligando-os pelo anel da família, traço de união com toda a Humanidade.
A família vem do clã
primitivo que se une para a defesa da vida, do grupo animal, é um arquétipo de
grande importância psicológica.
A força do animal que caça
encontra-se no instinto de astúcia, no grupo famélico, na agressão automática e
simultânea contra a presa.
Desestruturar a família é
também desnortear-se.
A
reencarnação, com a força de diluir os velhos arquétipos perturbadores e criar
outros benéficos, reúne indivíduos de caráter antagônico ou em situação de vingança para resgates, ou afetuosos e bons para
fortalecer a evolução e preservar o instituto doméstico.
Aqueles
dois irmãos, que não eram antagônicos na aparência,
viviam intimamente em oposição, faltando apenas o momento de demonstrá-lo.
A paternidade zelosa, o
divino arquétipo de Zeus ou de Júpiter, ou de Apolo, ou de Yahveh,
todo-poderoso, reúne-os e tenta ampará-los.
O
filho jovem era leviano e desperta com o desconforto do
sofrimento.
A sandália rasgada, as
vestes em trapos, a cabeça raspada, a atitude genufletida diante do pai são os
destroços que demonstram o insucesso, o esforço para o recomeço, o entrar novamente no ventre materno para
renascer, por isso, voltou para dentro de casa.
Na realidade estava no pátio
da casa de seu pai, ainda não entrara, não teve tempo nem oportunidade.
O
filho mais velho era angustiado e disfarçava os sentimentos
doentios.
Não quis participar da
alegria do reencontro, porque isso demonstraria a sua falta de afeição, a sua
contrariedade por ter que voltar a competir com o irmão vencido pelo sofrimento.
A oportunidade ameaçava
passar sem ser utilizada.
Na vida humana cada momento
tem seu sentido profundo, seu
significado essencial, sua magia.
A infância dá início ao
processo de crescimento interno do Self,
porém, ele continua imaturo em qualquer período da existência humana, se não
receber os estímulos para desenvolver-se, para desvelar-se em sabedoria e luz.
O primeiro filho demonstrou imaturidade psicológica – a infância.
O segundo expressou
pessimismo e depressão, apresentando primarismo
emocional, outro estágio da infância
emocional.
A
terapia saudável para esses males
foi o amor do pai, sua compreensão e misericórdia, sua paciência e confiança na
força do seu afeto.
Com essa contribuição de
fora despertou o Self dentro de cada
qual dos membros da parábola, de cada criatura que possa se identificar com algum dos membros da
narrativa.
A parábola poderia ser
concluída, esclarecendo que o pai devotado levou o filho ressentido para dentro
de casa – uma viagem interna ao encontro do Self
– e o aproximou do irmão arrependido – Caim ressuscitado!
Olharam-se silenciosos por longo
tempo de reflexão, superando distancias
emocionais, culminando em demorado abraço de integração dos dois eus num Self coletivo rico de
valores e sentimentos morais entre as lágrimas que limparam as mazelas, as
heranças lamentáveis do ego soberbo e primário.
Texto do livro, Em Busca da Verdade, escrito por
Divaldo Pereira Franco, pelo Espírito Joanna de Ângelis. Postado em 08/09/14.
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