domingo, 10 de novembro de 2019


GRAVITANDO EM TORNO DE DEUS
Psicologia da Gratidão

A TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL

Por muito tempo, a tradição, que é a transmissão oral da cultura, dos hábitos, que passa de geração a geração, era um princípio ético que deveria ser respeitado a qualquer preço, por ser do pretérito, tornando-se  modelo da evolução. Mas, nem tudo que a tradição transmite merece ser considerado, sem antes passar por uma avaliação empírica, pelo menos, do que significa.

O valor dos conceitos morais não pode ser atribuído a uma tradição baseada na castração e na violência à liberdade de pensamento, de expressão, de idealismo, submetendo todas as questões ao crivo do aceito e digno de respeito.

Na educação doméstica, por exemplo, o temor a Deus e aos pais tornou-se uma tradição que a experiência científica da psicopedagogia erradicou da sociedade, pois toda submissão pelo medo é punitiva e destruidora, que produz muitos prejuízos nos que a isso se submetem.

Sendo a educação o processo de criar hábitos saudáveis, não se pode permitir o direito de tornar-se virulenta na observação dos seus preceitos, castigando e impondo-se para ser considerada legítima. Ela deve conquistar o educando com os recursos poderosos de que se forma, especialmente pelo sentido de amor e de dignidade de que se reveste.

Ainda na educação, o respeito aos pais, aos mestres, aos mais velhos a tradição determinava como obediência a quaisquer imposições, por mais absurdas que fossem, sem direito a discussão, a analise, a uma observação racional.

Respeito é conquista de cada um pela convivência e conquista dos demais. Quando se colocam normas de imposição, está-se violentando o livre-arbítrio, o direito de se escolher, a livre aceitação do outro com  maneiras absurdas que o caracterizam. Não se libera a rebeldia, nem repulsa, nem a animosidade que resulte da presunção ou da prepotência do que se quer impor. Impõe-se sobre o direito de considerar os valores reais que formam o caráter de cada um.

E assim, no elenco das tradições morais, sempre se encontra a submissão irracional, a aceitação ilógica, violentando a personalidade do outro, daquele que deve ceder sempre.

Mas há, tradições morais, sociais, religiosas, culturais louváveis, que merecem a melhor simpatia, que merece ser experienciadas pelos significados de que se revestem.

Como aquela que se refere ao amor que deve haver entre os componentes de uma mesma família. Essa proposta busca criar clima de amizade e de consideração necessário na família, assim preparando os indivíduos para a convivência com pessoas pertencentes aos diferentes grupos e etnias. O treinamento no lar, mesmo com os não amistosos por vários motivos, inclusive por contingencias pregressas, vividas em existências passadas, auxilia o comportamento racional para as dificuldades que sempre surgem no grupo social e para a real compreensão dos problemas que afligem outras pessoas, tornando-as incapazes para um convívio produtivo.

O lar sendo um laboratório para a formação da personalidade, do caráter, dos sentimentos,   afeição reciproca entre os membros da família contribui no equilíbrio emocional de todos, mesmo havendo diferenças de conduta, de companheirismo, de fraternidade, não podendo se transformar em campo de batalha, lugar de ódios recíprocos, desenvolvimento das emoções reativas de uns contra os outros.

O exercício da tolerância que envolve a amizade em predomínio entre os familiares supera as antipatias, que talvez exista, criando um clima de respeito entre todos, cada um na sua maneira de ser.

Também há tradições de condutas que valem a pena analisar-se para lhes dar expansão, mas não generalizando somente porque são remanescentes do passado, quando os valores éticos tinham outro significado.

E assim, as tradições absurdas que violentam a personalidade e ainda se encontram nos redutos mais severos e engessados da sociedade, por motivos religiosos ou políticos, de moral suspeita ou de outra natureza, são responsáveis pela perda do significado existencial de muitos indivíduos que desde a infância recalcam os sentimentos, as aspirações, e desejam a liberdade, para poderem viver conforme os seus padrões ou os daqueles que são observados fora da sua família.

Cada vez se torna inadiável a conduta do indivíduo que deve ligar-se a si mesmo, refleonando demoradamente na analise das suas possibilidades e aplicando-as, ampliando o círculo das suas aspirações e lutando, avançando sobre as dificuldades com a certeza de quem os vencerá ou os contornará, a fim de encontrar a sua missão, a sua vida, descobrindo a própria transcendência, o significado em relação a outra vida, a outras pessoas, ao mundo em que se encontra. A preocupação aparente consigo próprio tem o sentido de crescimento interior e de desenvolvimento das suas possibilidades para os colocar a serviço dos demais, não parando em si, mais avançando para o grupo, em direção da humanidade. Deve ir além do ego, para ultrapassar os limites estreitos da sua realidade. Assim agindo, será fácil o encontro com a transcendência, com a realidade existencial, podendo lutar com esforço e sem descanso, mas emoldurado por fascinante alegria de viver.

Quem assim não age esconde-se na autocomiseração, buscando a falsa autorrealização de sentido egoísta.

A vida vale pelo que se lhe pode acrescentar de bom, de belo, de útil, sem a valorizar demais o esforço para  o conseguir.

O ser necessita de um comportamento rico de religiosidade, de convicção interior, não de uma religião formal que muitas vezes o entorpece na ritualística ou na presunção de ser eleito em detrimento dos outros. Pelo contrário. É necessário estimulá-lo a desenvolver a consciência de que todo serviço dignificante e operoso é ato de religiosidade, de entrega emocional compensadora pela alegria de agir e de produzir.

Se for possível vincular esse comportamento a uma religião que lhe leve ao crescimento ético e à liberdade de ação fraternal sem dificuldade ou preconceito, mais fácil será a conquista dessa transcendência responsável pelo sentido existencial.

Cheio de emoções que se renovam em alegria e  bem-estar, uma imensa gratidão por existir, por estar pronto para servir, por poder contribuir com todos, vem do íntimo e o veste, iluminando-o, dando-lhe brilho ao olhar e entusiasmo para viver, rompendo-lhe todos os limites, embora busque o infinito.

   
Nesse esforço fascinante ocorre a perfeita integração do eixo ego-self, o desaparecimento dos resíduos ancestrais, numa renovação que lembra a transformação da lagarta lenta que se arrasta na borboleta leve e colorida que flutua no ar suave da natureza, depois do sono que lhe proporciona a histólise e a histogênese...

No processo de transcendência, muitas vezes ocorre esse letargo: um desinteresse pelo convencional, pelos impositivos das tradições, uma insatisfação interior e incomoda em torno dos padrões vivenciais, leva ao processo da histolise, na sua deteriorização e dissolução psicológica para alcançar a histogênese na sua formação e desenvolvimento  emocional e assim libertar-se do mecanismo pesado que  retém o idealista na dificuldade para discernir e encontrar o sentido existencial da vida...

Divaldo Pereira Franco no livro, Psicologia da gratidão. Trabalhado e editado por Adáuria Azevedo Farias. 10/11/2019.

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