segunda-feira, 30 de setembro de 2019


GRAVITANDO EM TORNO DE DEUS
Psicologia da Gratidão

 A TRADIÇÃO E A PERDA DO SENTIDO EXISTENCIAL

A tradição por muito tempo, essa transmissão oral da cultura, dos hábitos, que passa de geração a geração, era um princípio ético que se deveria ser respeitado a qualquer preço, por fazer parte do passado, tornando-se assim um paradigma da evolução.  Mas, nem tudo que a tradição tem transmitido merece a consideração que lhe é dada, sem passar por uma avaliação empírica, pela experiência e observação, pelo menos, no seu significado.

O valor dos conceitos morais não pode ser dado  a uma tradição que se baseia na castração e na violência à liberdade de pensamento, de expressão, de idealismo, submetendo todas as questões ao aceito e tido como digno de respeito.

Na educação doméstica, por exemplo, o temor a Deus e aos pais tornou-se uma tradição que a experiência cientifica da psicopedagogia erradicou da sociedade, pois toda forma de submissão pelo medo é punitiva e destruidora, produzindo inimagináveis prejuízos naqueles que a isso se submetem.

Sendo a educação o processo de criar hábitos saudáveis, não se pode permitir  o direito de tornar-se virulenta na observação dos seus preceitos, castigando e impondo-se para ser considerada legítima. Ela deve conquistar o educando por meio dos recursos poderosos de que se forma, especialmente pelo sentido de amor e de dignidade de que se reveste.

Ainda no campo educacional, o respeito aos pais, aos mestres, aos mais velhos era estabelecido pela tradição como a obediência a todas e quaisquer imposições, por mais absurdas que fossem, sem direito a discussão, a analise, a observação racional.

O respeito é conquista que cada um consegue pela maneira de se comportar, pelos atos e palavras, pela convivência e forma de conquistar as pessoas. Quando surgem normas de imposição, violenta-se o livre-arbítrio, o direito de optar-se pela aceitação do outro com todas as maneiras absurdas que lhe são características. Não libera a rebeldia, nem a repulsa, nem a animosidade que resulte da presunção ou da prepotência daquele que se deseja impor. Mas impõe-se o direito de considerar os valores reais que formam o caráter de cada um.

Então, na longa agenda das tradições morais,  vamos sempre encontrar embutida a submissão irracional, a aceitação ilógica violentando a personalidade do outro, daquele que deve ceder sempre.

Há, tradições morais, sociais, religiosas, culturais louváveis, que merecem a melhor simpatia, que merecem ser experienciadas pelos seus significados.

Vamos ver àquela tradição que se refere ao amor que deve haver entre os membros de uma mesma família. Ela procura estabelecer o clima de amizade e de consideração necessário no clã familiar, para que os indivíduos se preparem para a convivência geral com as pessoas pertencentes aos diferentes grupos e etnias. O treinamento no lar, mesmo com aqueles que são inamistosos por diferentes motivos, inclusive pelas experiências, vividas em existências anteriores, auxilia com o comportamento racional quando surgem dificuldades no grupo social e com a real compreensão dos problemas que afligem outras pessoas, tornando-as incapazes para um convívio produtivo.

Sendo o lar um laboratório para a formação da personalidade, do caráter, dos sentimentos, a proposta da afeição reciproca entre os membros da família ajuda no equilíbrio emocional de todos, mesmo que haja diferenças de conduta, de companheirismo, de fraternidade, o que não pode tornar-se campo de batalha, local de ódios recíprocos, desenvolvimento das emoções reativas de uns contra os outros.

O exercício da tolerância revestindo a amizade em predominando entre os familiares supera as antipatias, que possa existir, criando um clima de respeito entre todos, cada um  com a sua maneira de ser.

Há tradições de conduta que valem a pena analisar-se para lhes dar expansão, mas não generalizando-as só por serem remanescentes do passado, quando os valores éticos tinham outro significado.

Desse modo, as tradições absurdas que violentam a personalidade e que ainda vigoram nos locais mais severos e engessados da sociedade, por motivos religiosos ou políticos, de moral suspeita ou de outra ordem, responsáveis pela perda do significado existencial de muitos indivíduos que desde a infância recalcam os sentimentos, as aspirações, e desejam libertar-se, para poderem viver de acordo com os seus padrões ou o daqueles vistos fora do seu círculo familiar.

Torna-se cada vez mais inadiável a conduta do indivíduo que deve ligar-se a si mesmo, demorando-se em analise dos seus recursos e aplicando-os, ampliando o círculo das suas aspirações e lutando, avançando sobre os impedimentos com a tenacidade de quem os vencerá ou os contornará, para encontrar a sua missão, a sua vida, descobrindo a sua transcendência, o significado em relação a outra vida, a outras pessoas, ao mundo em que se encontra. A preocupação aparente consigo próprio tem o sentido de crescimento interior e de desenvolvimento das suas possibilidades para os colocar a serviço dos demais, não se detendo em si, mas avançando na direção do grupo, no rumo da humanidade. Deve ir além do ego, para ultrapassar os limites estreitos da sua realidade. Dessa forma, será fácil o encontro com a transcendência, com a realidade existencial, podendo lutar com dedicação e sem descanso, mas envolvido por fascinante alegria de viver.

Quem assim não procede enfurna-se na autocomiseração, buscando a falsa realização de sentido egoísta.

A vida vale pelo que se lhe pode acrescentar de bom, de belo, de útil, sem a valorização demasiada do esforço para consegui-lo.

O indivíduo necessita de um comportamento cheio de religiosidade, isto é, de convicção interior, não de uma religião formal que muitas vezes o entorpece na ritualística ou na presunção de ser eleito em detrimento dos outros. Pelo contrário, é necessário estimulá-lo a desenvolver a consciência de que todo serviço dignificante e operoso é ato de religiosidade, de entrega emocional compensadora pela alegria de agir e de produzir.

Se for possível unir esse comportamento a uma religião que o impulsione ao crescimento ético e a liberdade de ação fraternal sem impedimento ou preconceito, mais fácil será a conquista dessa transcendência que responde pelo sentido existencial.

Enriquecido de emoções que se renovam em alegria e bem-estar, uma imensa gratidão por existir, por estar apto a servir, por poder contribuir em favor de todos, assoma do íntimo e o veste, iluminando-o, dando-lhe brilho ao olhar e entusiasmo para viver, rompendo-lhe todos os limites, embora anele o infinito.

Nesse esforço fascinante ocorre a perfeita integração do eixo ego-self, o desaparecimento dos resíduos ancestrais, numa renovação que lembra a transformação da lagarta lenta que se arrasta na borboleta leve e colorida que flutua no ar suave da natureza, após o sono que lhe proporciona a histólise e a histogênese...

No processo da transcendência, às vezes ocorre esse letargo, como um desinteresse pelo convencional, pelos impositivos das tradições, uma insatisfação interior e incomoda dos padrões vivenciais, dando espaço ao processo de histólise como uma dissolução ou decomposição do costumeiro estado psicológico para alcançar a histogênese ou seja a formação ou desenvolvimento; emocional e libertar-se do mecanismo pesado que sempre retém o idealista na dificuldade para discernir e encontrar o sentido existencial da vida...

Divaldo Pereira Franco no livro, Psicologia da gratidão. Trabalhado e editado por Adáuria Azevedo Farias. 29/09/2019.




Nenhum comentário: