domingo, 29 de julho de 2018


GRAVITANDO EM TORNO DE DEUS
A SOMBRA PERTURBADORA E A GRATIDÃO


Todas as criaturas possuem o seu lado sombra, o lado obscuro da sua existência, às vezes considerado como o lado negativo do ser.

Essa sombra que, quase sempre, responsável por muitas aflições que se insculpem no ego atormentando o self, é, como diz o Dr. Friedrich Dorsch, resultado de

”traços psíquicos do homem (e da mulher) em parte reprimidos, em parte não vividos, que, por razões sociais educativas ou outras, foram excluídos da convivência e, por isso, foram reprimidos.”

A sombra conduz valores e requisitos que podem ser utilizados de forma produtiva ou perturbadora, podendo  expressar-se de três formas: a) pessoal, cujos significados que foram reprimidos pertencem ao próprio indivíduo; b) a coletiva, que representa os mesmos significados reprimidos em cada sociedade; c)  arquetípica, em que há um caráter ancestral de destrutividade do ser humano, que não dispõe de possibilidade de diluição...

Jung achava que era necessário adquirir a consciência desses conteúdos reprimidos, porque somente assim era possível alcançar a individuação. Após essa primeira tentativa, deve-se trabalhar pela sua integração no self, esforçar-se pelo amadurecimento psicológico, não mascarando a responsabilidade pessoal e aceitando-a conscientemente, compreendendo as manifestações sombrias experimentadas.

Todo indivíduo traz aspirações que nem sempre consegue concretizar ou vivenciar, e assim as recalca com mágoa não conseguindo diluí-las conscientemente com a superação. Soma a esse conflito não exteriorizado, a herança ancestral da cultura onde se movimenta e a presença arquetípica de autodestruição, para  fugir da realidade.

Tais ocorrências vêm da vivencia em cada reencarnação, quando experimentou os conflitos gerados anteriormente que voltam a tona – sombra pessoal e coletiva -, tomando assim  aspecto dos movimentos primários antes do surgimento da consciência e da personalidade.

Com esse potencial negativo, a sombra é responsável pelos desaires que geram sofrimento e amargura, retendo o ser na sua rede invisível e constritora.

Quando se é conscientizado desses fatores de perturbação, pode-se e deve-se trabalhar para superá-los reduzindo a sua carga, com contribuições edificantes e saudáveis, como o otimismo, a confiança no êxito, a solidariedade, o esforço para manter as perspectivas de realização sem os receios injustificáveis.

Podemos ver a sombra como uma névoa ou uma ilusão que a realidade dilui, trazendo a visão clara do existir, onde todos se encontram. E porque as aspirações humanas saudáveis são crescentes, conforme vão sendo superadas algumas dificuldades do amadurecimento psicológico, crescem os horizontes do equilíbrio e do despertamento para a individuação.

Há, um grande conflito entre o que se é e o que se deseja ser, no esforço contínuo por alcançar patamares em que a harmonia emocional torne-se uma realidade, trazendo estímulos à serem conquistados.

Essa aparente dualidade, já que há o lado bom e o lado mal de todas as coisas, o alto e o baixo, o dia e a noite, a vida e a morte, o yin e o yang, produzindo a integração, a unidade...

Em toda parte vê-se as manifestações sombrias do ser humano mas vê-se também o lado numinoso em toda a sua grandiosidade, rutilante nos heróis do saber e do ser, do conquistar e do realizar, na ciência, na tecnologia, nas artes, na religião, no pensamento, na solidariedade, enquanto também vigem o instinto de destruição pela agressividade, pelos vícios, pela ignorância, pela prepotência...

A civilização moderna, cheia de conquistas, ainda não conseguiu fazer o homem feliz, embora favorecendo alguns dos membros a viverem em grande conforto e desfrutando de comodidades, belezas ao alcance da mão, a sua maioria se encontra ainda insatisfeita, infeliz, invariavelmente caindo na drogadição, no alcoolismo, na busca desenfreada pelo prazer, pela ilusão.


Naturalmente encontra-se aí o predomínio da sombra coletiva e arquetípica não trabalhada pelo conhecimento do ser em si e das suas possibilidades, sempre conduzido pelo busca do gozo e o não pensar em profundidade, vivendo na superficialidade dos fenômenos humanos. Tem faltado coragem social para romper essa cortina que torna impossível a visão da realidade psicológica da existência, sendo assim as suas aspirações não vão além dos limites sensoriais.

Mesmo com o esforço da psicologia social e de outras escolas, de importantes doutrinas religiosas e filosóficas, o ser humano dedica-se mais ao que tateia e alcança do que ao que deseja emocionalmente, agarrando-se às sensações materiais sem fruir as emoções libertadoras.

Infelizmente, a educação de hoje trabalha mais na preservação do medo e da sombra do indivíduo que se propõe ignorá-la, para desfrutar os bens ao alcance, e quando defrontar pensamentos ou ocorrências infelizes, querem esquecê-los, não os enfrentar, como se fosse possível ocultá-los num depósito especial que os asfixiaria. Quando reprimidos esses sentimentos e sucessos, na primeira oportunidade ressumam com sua carga aflitiva  e nublam os céus róseos dos iludidos.

A vida humana é um desafio que o self  enfrenta e o seu esforço é buscar a integração da sombra no seu eixo.

Todos os indivíduos devem diluir a treva que há nele, com a mesma naturalidade que defronta a luz, considerar a dor e a frustração como normais que ´podem corresponder ao bem-estar e a sabedoria, quando sejam transformados pela racionalização e pelo trabalho psicológico.

Todos que conduzem a sombra e todos conduzem, em vez de a compreenderem  como processo de crescimento, sentem-se de alguma  forma envergonhados, e até constrangidos, e buscam disfarça-la. Esse comportamento promove uma sociedade hipócrita, artificial, incapaz de ações maduras que  beneficie a todos. O ser que disfarça melhor é sempre o mais homenageado e querido, criando maior quantidade de sombra e de conflitos, por ser obrigado a continuar a parecer o que  não é na verdade.

É preciso coragem para o autoenfrentamento, saindo da escuridade para a claridade existencial.

A herança arquetípica no Gênesis, diz que Deus fez primeiro a luz, deixando significar a Sua presença na escuridão, no momento prejudicada pela sombra.

A cada passo, a cada conquista diluidora do lado treva, se vai superando o medo do enfrentamento, que pede a consciência da sombra que deve ser aceita sem reservas nem ressentimentos, dando a cada lutador o seu poder de transformação e a sua tenacidade em alcançar a felicidade, a plenitude.

Dessa forma, a sombra passa a ser árvore dadivosa, porque o medo (desgosto) do que se é passa a ser superado pelo amor do que se deseja ser.


A batalha com a sombra, é contínua e está presente em todos os instantes da vida. Quando se ama, se respeita e se atende aos compromissos, a sombra perde, mas quando se reage, mantendo-se ressentimento, ódio, ciúme, sentimentos de amargura e de cólera ou outros do mesmo gênero, a sombra triunfa...

O amor que edifica é vitória sobre a sombra, e o sofrimento afetivo que trai é glória da sombra.

Quando se é reconhecido à vida, se agradece e se trabalha pelo progresso, a sombra é vencida, mas quando se é desagradecido e soberbo, triunfa a sombra.

A sombra (densa das paixões inferiores) é o maior obstáculo psicológico para se viver a  gratidão, responsável pela integração das duas partes do ser na sua realização unívoca.

Texto de Joanna de Ângelis, psicografado por Divaldo Pereira Franco no livro, Psicologia da gratidão. Trabalhado e editado por Adáuria Azevedo Farias. 29/07/2018.

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